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Governo da Venezuela publica lei que regula ONGs no país em ‘combate a atuações políticas’

Segundo deputados ligados ao chavismo, ideia é evitar que governos de outros países financiem atividades políticas

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Documento foi discutido e votado em agosto na Assembleia Nacional venezuelana - FEDERICO PARRA - AFP

O governo da Venezuela publicou na quarta-feira (4) a lei para regular as ONGs no país. O texto determina uma nova orientação para a criação e atuação de organizações sem fins lucrativos em território venezuelano. O principal critério é a prestação de contas sobre financiamento externo. 

O documento foi discutido e votado em agosto na Assembleia Nacional do país, mas foi sancionado nesta semana pelo presidente Nicolás Maduro. A principal norma da nova legislação é a definição de que as organizações devem explicitar quais são as formas de financiamento e doações que a ONG recebe.

De acordo com a lei, as organizações têm o dever de “notificar o órgão competente sobre os financiamentos ou doações que serão recebidos, a fim de garantir a legalidade dos recursos”, assim como explicar se o seu financiamento é ou será realizado “total ou parcialmente através de pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras”

Outra determinação que a lei traz é a classificação para uma ONG. São entendidas como organizações sem fim lucrativo qualquer “grupo de pessoas de natureza privada, constituído com finalidade caritativa, social, altruísta, humanitária, artística, comunitária, cultural, educativa, desportiva, ambiental ou similar, cujo objeto não esteja orientado para a obtenção de fins econômicos, nem para fins partidários”.

O caráter “não partidário” ou político das organizações é a grande discussão promovida pelo governo da Venezuela. Muitas ONGs venezuelanas e estrangeiras foram acusadas pelo governo, nos últimos anos, de fazer política no país. O maior exemplo usado pelo chavismo é a Súmate. 

A organização atuou durante os anos 2000 e 2010 e tinha como principal mentora a ultraliberal María Corina Machado. Ela fundou a Súmate com o objetivo de criar uma ONG para "monitorar eleições na Venezuela".

No entanto, a entidade teve participação ativa nas mobilizações que culminaram no golpe de Estado contra Chávez em 2002 e na campanha para a convocação de um referendo revogatório para encerrar o mandato do ex-presidente em 2004. Após a vitória chavista na votação com quase 60% dos votos, os diretores da Súmate foram acusados de conspiração pela Justiça venezuelana, por receberem doações do National Endowment for Democracy (NED), instituição estatal dos EUA criada nos anos 1980, para atuar na política externa estadunidense.

Segundo o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodriguez, essa a lei seria uma forma de controlar o “financiamento de processos golpistas” na Venezuela. Segundo ele, a lei foi criticada pelo subsecretário para Assuntos do Hemisfério Ocidental dos EUA, Brian Nichols, porque os estadunidenses usam ONGs para “financiar movimentos de desestabilização” no país vizinho.

“É parte de um pacote de leis para a manutenção da paz e independência da Venezuela. Essa lei é criticada por Brian Nichols, porque é através de uma fachada de ONG com que eles financiam todas as ações de desestabilização contra o povo da Venezuela. O ódio e o extremismo foram financiados em sua totalidade por fachadas de ONG. É claro que há ONGs que estão felizes com essa lei, como a Cruz Vermelha e outras organizações sérias”, disse o deputado.

Brian Nichols criticou em suas redes sociais a aprovação da lei e disse que a regulamentação é um “ataque contra a sociedade civil”.

“A nova lei de Maduro e dos seus representantes para controlar as ONGs venezuelanas é um ataque direto contra a sociedade civil e a liberdade de associação. Mina a democracia e impede a participação dos cidadãos nos espaços cívicos. Esta ação apenas isolará ainda mais Maduro da comunidade global”, afirmou Nichols, em suas redes sociais..

A lei explicita que não serão autorizadas ONGs que “promovam o fascismo, a intolerância, o ódio por motivos raciais, étnicos, religiosos, políticos, sociais, ideológicos, de gênero, de orientação sexual, de identidade de gênero, de expressão de gênero ou de qualquer outra natureza que constitua incitação à discriminação e à violência”.

As ONGs não são autorizadas a fazer doações a grupos políticos e realizar atividades de partidos políticos. As organizações estrangeiras que pretendem atuar na Venezuela deverão se registrar junto ao Ministério das Relações Exteriores.

Uma das organizações que criticou o projeto é o Programa Venezuelano de Educação para a Ação em Direitos Humanos (Provea). O coordenador da ONG, Oscar Murillo, afirmou que o objetivo da regulamentação é restringir a atuação do terceiro setor no país em uma “onda de repressão”.

“A lei anti-ONG formaliza a perseguição às organizações da sociedade civil venezuelana. A sua aprovação responde à natureza de um regime político que procura controlar até mesmo a menor área da vida das pessoas e do país”, disse em publicação nas redes sociais. 

A Provea é uma organização venezuelana fundada em 1988 que presta serviços de “educação jurídica e apoio a setores vulneráveis ​​que são vítimas ou potenciais vítimas de violações dos direitos humanos”. A ONG afirma também que documenta e investiga a situação de diferentes pessoas e “denuncia abusos de poder e violadores dos direitos humanos”.

Para o deputado Ramon Lobo, do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), a lei tem como objetivo regular eventuais atuações políticas. Segundo ele, organizações que não tiverem articulação com partidos “não devem se preocupar”.

“As ONGs que atuam de maneira regular, vinculada ao que é uma atuação de uma organização sem fins lucrativos, não serão afetadas. Desde a chegada de Chávez, os Estados Unidos constroem e financiam ONGs que são contrárias a governos específicos. A ideia é que isso esteja bem explicado para o governo. Qual é o objetivo dessas atividades e de onde vêm esses recursos?”, afirmou Ramon ao Brasil de Fato.

A lei começou a ser debatida logo depois das eleições de 28 de julho, que tiveram a vitória de Nicolás Maduro. No dia seguinte ao pleito, uma série de manifestações violentas tomaram as ruas do país. O governo disse que esses movimentos foram protagonizados por agentes internacionais e outros governos. 

Como é no Brasil?

No Brasil já há uma regulação, principalmente na atuação conjunta de ONGs e governos municipais, estaduais e com o governo federal. A lei 13.019 de 2014, determina que as parcerias entre organização sociais sem fins lucrativos devem ser analisadas de maneiras parecida à forma como são feitas licitações.

As organizações devem prestar contas, especialmente do financiamento público nos contratos. O objetivo é evitar interesses pessoais na assinatura dessas parcerias.

Edição: Rodrigo Gomes