DIRETOS HUMANOS

OEA monitora resposta do Estado no enfrentamento às enchentes no Rio Grande do Sul

Em visita ao estado, CDHI ouve afetados pela tragédia para elaborar estratégias contra cheias

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Relator visitou o Vale do Taquari, uma das áreas mais devastadas pelas enchentes, onde todos os 15 municípios ao longo do Rio Taquari sofreram alagamentos - Jonathan Hirano/CEDH-RS

A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Redesca) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) realizou visita de trabalho ao Brasil entre os dias 2 e 6 de dezembro para documentar os impactos das enchentes nas populações afetadas. A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), uma organização internacional que reúne países do continente americano para promover a cooperação, a democracia, a segurança e o desenvolvimento. 

O relator especial Javier Palummo e sua equipe realizaram a primeira missão internacional a monitorar as respostas do Estado brasileiro à tragédia ambiental no Rio Grande do Sul, verificando se as medidas tomadas estão alinhadas com os padrões internacionais de direitos humanos. Após a visita, na sexta-feira (6), a Redesca apresentou suas observações preliminares em coletiva de imprensa e encaminhou a elaboração de recomendações que assegurem uma resposta eficaz às emergências climáticas a ser apresentadas em janeiro de 2025.


A delegação ouviu representantes de várias áreas impactadas com as enchentes / Foto: Jonathan Hirano/CEDH-RS

"Recebemos muitas informações sobre uma boa resposta coordenada no socorro, mas temos que analisar muito melhor a questão em relação às outras faces da tragédia. Para evitar tragédias como a que foi vivenciada em maio deste ano é essencial que as operações não se limitem apenas ao socorro ocorrido logo após a catástrofe. O socorro deve ser o último recurso dentro de um plano abrangente e integrado para lidar com esse tipo de riscos. É preciso focar nas obrigações relacionadas à prevenção e a mitigação desses fenômenos. A comunidade científica que consultamos nos trouxe respostas concretas sobre a causa dessa tragédia e seus impactos destacando: uso inadequado do solo, o avanço do agronegócio, a substituição de cultivos tradicionais por monoculturas de grande escala e a insuficiência ou fragilidade de sistemas de proteção e contenção de enchentes na cidade de Porto Alegre", pontuou Palummo. 

A delegação ouviu autoridades, ativistas, defensores ambientais, representantes da sociedade civil e do setor acadêmico, bem como pessoas diretamente afetadas pelas enchentes. Um aspecto central da visita da Redesca foi o diálogo direto com as comunidades mais impactadas, incluindo povos indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e urbanos de setores informais.


Visita mostra como está a situação atual de famílias que sofrem com as consequências das enchentes / Foto: Jonathan Hirano/CEDH-RS

O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH-RS), Júlio Alt, que acompanhou as visitas, considerou que a assistência governamental, especialmente nos níveis estadual e municipal, concentrou-se na distribuição de cestas básicas, um exemplo de assistencialismo pontual e insuficiente.

"A reconstrução de moradias, a implementação de políticas de prevenção e outras ações estruturais não foram colocadas em prática. Por falta de alternativas, a população retornou às áreas de risco, de modo que qualquer chuva já se torna motivo de alerta e desespero, com bairros e ruas novamente alagados. A tendência é um lamentável retorno à lógica anterior, marcada pela desregulação de leis ambientais protetivas, pelo licenciamento de empreendimentos que ameaçam tanto a população quanto o meio ambiente, dentro da lógica do que se conhece como 'desenvolvimento predatório'", destacou.

Visita ao Vale do Taquari


Foram realizadas visitas a locais destruídos, encontros com associações da sociedade civil, comunidades quilombolas e pessoas desalojadas / Foto: Jonathan Hirano/CEDH-RS

Em visita ao Vale do Taquari, uma das áreas mais devastadas pelas enchentes, onde todos os 15 municípios ao longo do Rio Taquari sofreram alagamentos, com elevação de mais de 30 metros no nível do rio, foram realizadas visitas a locais destruídos, encontros com associações da sociedade civil, comunidades quilombolas e pessoas desalojadas.

Uma das pautas levantadas foi a necessidade de inclusão dessas comunidades nas discussões das políticas públicas. "É imprescindível garantir que as necessidades e perspectivas dessas comunidades sejam consideradas de maneira central na formulação de políticas públicas. Não se trata apenas de abordar a vulnerabilidade social, é fundamental compreender e responder às novas vulnerabilidades climáticas que demandam ações específicas e contextualizadas, por exemplo no campo da saúde, com destaque à saúde mental", explicou Javier.


Família afetada pela enchente / Foto: Jonathan Hirano/CEDH-RS

Outra questão apresentada foi a desinformação climática no contexto da tragédia. Segundo o relator, a desinformação que incluiu a disseminação de informações falsas e imprecisas sobre as causas e os impactos das mudanças climáticas é muito grave. E afirma que as comunidades afetadas por esse tipo de tragédia necessitam de informações precisas. 

"Essas populações enfrentaram perdas significativas de meios de subsistência e acesso limitado a serviços básicos. Esse contato é essencial para garantir que suas vozes sejam incluídas nas recomendações da Redesca e para promover um debate inclusivo que busque soluções sustentáveis e respeitosas dos direitos humanos", concluiu Javier.

"A atuação governamental nas questões indígenas tem sido muito falhas. Não só em momentos de catástrofes, mas no dia a dia. Só piorou durante e após as enchentes. Não somos assistidos. Existem programas para isso, mas não chegam nas bases, não existe interesse. Esse diálogo com as lideranças indígenas seria fundamental. A ajuda deveria ser em cima dessa conversa", comenta Eloir, indígena Guarani, liderança da comunidade em Viamão que atuou como intérprete durante a visita.

Prevenção e mitigação

A falta de espaços participativos para pesquisadores das universidades e de movimentos sociais foi discutida na reunião, organizada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos e pela Frente Popular de Enfrentamento à Emergência Climática no RS. Pesquisadores lá presentes criticaram a contratação de consultorias pelo governo do estado e prefeitura de Porto Alegre, visto que, os estudos técnico-científicos que eles produzem são historicamente direcionados ao lucro e não à justiça climática.

"O governo do estado e a prefeitura de Porto Alegre estão contratando empresas de consultoria para avaliação dos danos e desenvolvimento de projetos para a reconstrução do Estado e desconsiderando a participação de Universidades Federais, como a UFRGS, na equipe que formula a reconstrução do estado", conta Camila Prates, do Conselho Nacional de Direitos Humanos. 


Famílias expõem situações atuais de enfrentamento à crise climática / Foto: Jonathan Hirano/CEDH-RS

"O ano de 2024 foi extremamente difícil para todos, marcado pela enchente que afetou dezenas de milhares de famílias, movimentos sociais e pessoas em situação de vulnerabilidade. A tragédia expôs, de forma evidente, todas as fragilidades do Poder Público em atender às demandas sociais e garantir os direitos humanos. Isso ficou tão evidente que, sete meses após a enchente, ainda vemos muitas famílias e comunidades sem qualquer assistência governamental. Nesse contexto, a visita do relator foi fundamental para destacar a fragilidade do nosso sistema estatal em responder às necessidades dos grupos sociais atingidos e em respeitar a participação social no processo de reconstrução", afirmou Júlio Alt.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko