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Dois terços da soja produzida no Brasil é exportada, e China é maior comprador

País é o maior produtor mundial do grão, mas consome só 35% do que colhe

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
China compra cerca de 70% da exportação brasileira do grão - IvanBueno/ AG. Paraná

Maior produtor mundial de soja, o Brasil consome somente cerca de um terço de sua produção anual do grão. Os dois terços restantes são exportados em forma de commodity agrícola principalmente para a China, que compra cerca de 70% da soja colhida aqui.

De acordo com documento divulgado pelo Ministério da Agricultura (Mapa) em outubro, a produção total de soja na safra 2023/2024 foi de 147 milhões de toneladas. Desse total, 52 milhões de toneladas foram consumidas aqui – cerca de 35%. Os outros 92 milhões de toneladas – cerca de 65% – foram enviados para o exterior.

Só em 2024, a China importou quase 69 milhões de toneladas de soja do Brasil. Pagou quase 30 bilhões de dólares por isso, o que hoje gira em torno de R$ 175 bilhões.

A Espanha, segundo país que mais importou soja do Brasil neste ano, comprou um volume que representa menos de 6% das compras chinesas. Foram 4,1 milhões de toneladas, tudo segundo dados públicos sobre exportações e importações brasileiras disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic).

O país ibérico faz parte da União Europeia (UE). Em 2001, segundo o Mapa, o grupo de países comprava 60% da soja exportada anualmente pelo Brasil. A China comprava 20%. Hoje, a UE é destino de somente 9% da soja brasileira exportada.


Gráfico elaborado pela Mapa aponta principais importadores da soja brasileira / Reprodução/Mapa

Ainda de acordo com o Mapa, tanto o crescimento da participação da China nas exportações brasileiras quanto o aumento das exportações como um todo têm a ver com o crescimento da demanda do país asiático por grãos.

Em 2001, a China importou 13,9 milhões de toneladas das 53,7 milhões de toneladas importadas pelo mundo. Entre 2001 e 2022, o comércio mundial de soja em grãos cresceu 94,7 milhões de toneladas. "A China foi responsável por 77,1 milhões de toneladas desse total ou 81,5%", descreve o Mapa, deixando claro que praticamente não haveria incremento da demanda se não fossem os chineses.

Na China, a soja brasileira é usada principalmente para alimentar o rebanho suíno do país.

"Praticamente todo o crescimento da exportação de soja pelo Brasil no século 21 foi com destino à China e outros países asiáticos", confirmou o economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin, que foi secretário de Segurança Alimentar e Nutricional durante o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).


Gráfico aponta crescimento da demanda chinesa por soja neste século / Reprodução/Mapa

Preço em alta

Com o aumento da demanda por soja, o preço do grão também subiu, o que incentivou produtores brasileiros a cultivar e exportar a commodity.

Por volta de 2001, a tonelada do grão valia em torno de 200 dólares. Em 2008, antes da crise internacional iniciada nos Estados Unidos, a cotação superou os 600 dólares. Em 2012, devido à demanda chinesa, atingiu 684 dólares – recorde para a época.

Preço da tonelada caiu depois disso para perto de 400 dólares. Em junho de 2022, no entanto, atingiu 727 dólares por tonelada.

Segundo Carolina Bueno, economista e pesquisadora na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade da Califórnia, esse aumento do preço moldou o interesse de agricultores pela soja.

"Muitos produtores pequenos focados em culturas alimentares, como de vegetais e frutas, principalmente no Sul do país, mudaram para soja. No Mato Grosso isso foi muito forte", disse ela, citando o estado que é o maior produtor nacional.

"A cotação muito elevada resulta em bom retorno ao produtor, possibilitando um forte aumento de área e de produção", reforçou o documento do Mapa.

Durante todo esse período, a cotação do dólar no Brasil também mudou muito. Em 2001, um dólar equivale a cerca de R$ 2. Hoje, supera os R$ 5,5. Isso faz com que o cultivo da soja seja ainda mais lucrativo no país.


Gráfico registra aumento do preço da tonelada da soja no mercado internacional, em dólar / Reprodução/Mapa

Tendência mantida

De acordo com o Mapa, a área dedicada à soja no Brasil tende a crescer ainda mais nos próximos dez anos, considerando as condições do mercado do produto. A exportação do produto continuará crescendo e se tornará cada vez mais predominante.

Hoje, a soja ocupa 44 milhões hectares dos 74 milhões dedicados à plantação de grãos no Brasil –cerca de 60%. Em 2034, 57 milhões hectares devem ser dedicados à soja dentro dos 90 milhões para os grãos – cerca de 63%.


Projeções elaboradas pelo governo apontam aumento da predominância da soja em lavouras brasileiras / Reprodução/Mapa

A produção total de soja no Brasil deve crescer 35% até 2034, chegando a 199 milhões de toneladas. A exportação crescerá 41%, atingindo 130 milhões de toneladas. Já o consumo interno crescerá menos da metade disso, chegando a 62 milhões de toneladas.


Projeção do Mapa aponta para exportação cada vez mais predominante da soja no Brasil / Reprodução/Mapa

Consequências

Tal expansão não tem somente efeitos econômicos. Impacta também na ocupação do solo no Brasil, principalmente na região amazônica e no Matopiba, região formada pelo Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. É nesses locais que as lavouras de soja mais crescem. Mas o movimento tem consequências ambientais e sociais.

"A agropecuária e as mudanças no uso da terra são responsáveis, atualmente, por cerca de 75% das emissões dos gases causadores do efeito estufa pelo Brasil. Neste sentido, há de se controlar a expansão da agropecuária nas reservas florestais que ainda temos. E a expansão do plantio de soja, do milho e de pasto deve ser objeto de preocupação específica", apontou Baccarin.

Bueno ratificou tal preocupação. Segundo ela, a chegada da soja ao Norte do país também exige a construção de estradas ou ferrovias para seu escoamento. A execução de tais obras transformam o ambiente desses locais. "Onde se constrói rodovia na Amazônia tem desmatamento, tem ocupação. Isso é desmatamento."

Segundo ela, todo esse impacto precisa ser colocado na conta. Hoje, esse cálculo simplesmente não é feito, o que põe em dúvida o real benefício de todo esse crescimento produtivo. "O Brasil não calcula o custo da contaminação dos recursos naturais, da vulnerabilidade da sua economia ao mercado externo, da desindustrialização, da redução da agricultura familiar… Há problemas não contabilizados."

Edição: Thalita Pires