Seguindo a linha de colocar em pauta projetos com teor reacionário, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (11), uma proposta que prevê recontagem física de votos nas eleições para cargos eletivos federais, estaduais, distritais ou municipais. O texto é de interesse da bancada bolsonarista e recebeu 31 votos favoráveis e 20 contrários, o que mostra baixa margem de vantagem para os defensores da pauta, que tramita como Projeto de Lei (PL) 1169/2015.
O projeto foi aprovado com apoio de nomes do PL, partido de Jair Bolsonaro, PP, União Brasil, MDB, Republicanos, Federação PSDB-Cidadania e Podemos, mas houve divisão dentro do campo da direita. Parlamentares do PSD votaram contra a proposta, assim como houve uma divergência isolada – do deputado Kim Kataguiri (SP) – dentro do União Brasil e ainda na bancada do PRD. O Avante também rejeitou a proposta. No campo progressista, todas as siglas votaram contra o PL. O grupo inclui PT, PCdoB, PV, PSB, Psol e Rede.
A ideia de voto impresso já foi declarada inconstitucional por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020. Além disso, foi rejeitada pelo próprio plenário da Câmara em agosto de 2021, quando os parlamentares votaram uma proposta de emenda constitucional (PEC) que previa a adoção da medida. O texto foi derrotado por 229 votos favoráveis e 218 contrários – por se tratar de alteração constitucional, precisava de 308 apoiadores para seguir adiante. Na ocasião, a rejeição impôs uma derrota ao então presidente, cujos aliados tentam agora dar oxigênio à proposta.
O projeto de lei é de autoria do deputado Carlos Henrique Gaguim (União-TO) e foi relatado por José Medeiros (PL-MT), um dos integrantes da tropa de choque de Bolsonaro no Congresso. Medeiros defendeu a aprovação do texto após fazer alterações na proposta. Inicialmente, o relatório propunha recontagem de todos os votos, mas, após sugestões de alguns parlamentares, entre eles Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), ficou acordado que o texto fixaria a conferência física de apenas 5% dos votos. Além disso, pelo texto, todos os votos devem ter um comprovante impresso.
“Penso que é um meio-termo, um avanço que deve ser considerado e eu pediria o voto favorável. E, a partir desta experiência, poderemos ou não, se a sociedade entender que isso é suficiente e está resolvido, ou não, continuar a luta, quem sabe, por apuração pública total. Mas penso que hoje é um grande avanço que se está dando a gente obrigar que todos os votos sejam impressos, porque aí será possível impugnar uma urna ou não”, disse Andrada. Também integrante da ala bolsonarista, a deputada Coronel Fernanda (PL-MT) afirmou que o PL teria o propósito de “pacificar o país”. “É o caminho para se conseguir a paz para as eleições de 2026”, acrescentou.
O discurso tem sido constantemente utilizado por apoiadores do ex-presidente desde os últimos anos como parte dos ataques às instituições do sistema democrático. O grupo tenta descredibilizar as urnas em busca de fortalecer narrativas paralelas que possam criar instabilidade política e confundir a população. A disputa se dá em meio à ofensiva movida pelo segmento contra o atual governo e o Poder Judiciário, onde desde 2021 diferentes apoiadores de Bolsonaro são investigados em inquéritos que apuram os ataques às urnas.
Crítico ao PL 1169, o deputado Hélder Salomão (PT-ES) disse que a medida seria uma reação da ala bolsonarista à derrota sofrida nas urnas em 2022, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), que se candidatava à reeleição. O petista disse ainda que a matéria “visa disfarçar e desviar a atenção do povo brasileiro”. “Quando ganham as eleições, não falam nada sobre o sistema das urnas eletrônicas, que é um sistema aprovado e visto por outros países como um grande avanço. E até hoje não houve nenhum fato relevante que pudesse efetivamente colocar em xeque a transparência, a segurança e os resultados eleitorais a partir do ano de 1996, quando as urnas eletrônicas foram utilizadas pela primeira vez.”
A deputada Erika Kokay (PT-DF) lembrou que o PL 1169 dialoga com iniciativas de teor golpista orquestradas por personagens da extrema direita contra as instituições do sistema democrático. “Muitos dos que estão aqui dizendo que é preciso valorizar o voto popular estimularam pessoas a irem para quartéis para pedirem intervenção militar. Aliás, teve um deputado que disse que, para fechar o Congresso, bastavam um jipe, um cabo e um soldado, ou seja, toda a articulação feita foi para dar um golpe neste país, que tinha plano, que tinha inclusive comissões. E estou falando isso não porque invento, mas porque foi a delação do próprio ex-ajudante de ordens [de Bolsonaro, Mauro Cid] e suas mensagens no celular, por isso [nosso voto] é não.”
Por se tratar de uma proposta de regulamentação de eleições, o PL 1169/2015 tramita em regime de prioridade, o que significa que ele não precisa cumprir alguns requisitos regimentais para que seja incluído na ordem do dia e tem prazo de dez sessões para ser alvo de deliberação em cada comissão pela qual passar. Depois da aprovação na CCJ, o projeto deve ser analisado por comissões temáticas, mas também pode ser levado direto ao plenário, caso haja acordos.
Edição: Martina Medina