Um estudo internacional identificou, pela primeira vez, que mesmo a exposição breve ao veneno agrícola glifosato pode resultar em danos cerebrais permanentes.
A pesquisa da Universidade Estadual do Arizona e do Instituto de Pesquisa Genômica Translacional (TGen) foi publicada no jornal científico Neuroinflammation no início deste mês.
Cientistas observaram que, após um período de exposição de cerca de 13 semanas, a substância permanece no organismo por até seis meses, mesmo que o indivíduo esteja sem nenhum contato com o veneno.
Os testes identificaram o desenvolvimento de inflamação cerebral significativa, associada a doenças neurodegenerativas como o Alzheimer. O estudo constatou também que um subproduto do glifosato, o ácido aminometilfosfônico, acumula-se no tecido cerebral.
A pesquisa utilizou dois níveis de exposição, uma com dose alta, similar à utilizada em estudos anteriores, e uma com dose baixa, próxima ao limite considerado aceitável para humanos. As doses mais baixas também causaram efeitos prejudiciais, mesmo meses após a exposição.
Por meio dos resultados, levanta-se a hipótese de que a exposição ao glifosato pode desencadear processos inflamatórios crônicos no cérebro, com potenciais impactos a longo prazo na saúde cognitiva.
Os resultados também colocam em xeque as afirmações de que o glifosato é rapidamente eliminado pelo organismo, tese defendida principalmente pela indústria dos agrotóxicos.
Amplamente usado no Brasil, o veneno agrícola já havia sido associado ao surgimento de doenças graves, como o câncer, em outras pesquisas. Atualmente, o glifosato está presente em mais de 100 formulações de agrotóxicos comercializadas em território nacional.
Em 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impôs algumas restrições ao uso do glifosato em 2020, mas manteve a substância no mercado. A decisão contrasta com a posição da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (Iarc), órgão ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS), que classifica o glifosato como "potencialmente carcinogênico para humanos" desde 2015.
O uso amplo do veneno no Brasil também é impulsionado pela insuficiência da regulamentação e por isenções fiscais concedidas à indústria de venenos. Os limites permitidos para resíduos de glifosato na água potável, por exemplo, são cinco mil vezes maiores do que os da União Europeia, segundo estudo.
Além disso, as normas de utilização de agrotóxicos não são unificadas nacionalmente, a fiscalização é precária e há diversos exemplos de exposição de trabalhadores e trabalhadoras do campo, assim como de comunidades tradicionais e indígenas.
Edição: Martina Medina