Edmundo González Urrutia sobe o tom para falar sobre a posse em 10 de janeiro. Mesmo sem ter garantias de que poderá assumir a presidência da Venezuela, o opositor trata como certo que tomará o lugar de Nicolás Maduro e será o chefe do Executivo da Venezuela. Ao menos publicamente. Ele, no entanto, não tem o reconhecimento interno do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e, até agora, não tem um apoio massivo das ruas.
Seria essa uma forma de mobilizar sua base e tentar esquentar o clima para o começo de 2025, ou um último suspiro para mostrar força para a comunidade internacional?
Nas últimas semanas, o opositor deu entrevistas para a AFP e para o El País. Da Espanha, ele disse que viajará à Caracas para tomar posse no começo do ano que vem e está seguro que haverá uma “transição democrática”. Repetiu diversas vezes que espera apoio do máximo de países possível. Pediu ajuda para Trump e para o governo espanhol e tem usado as redes sociais para tentar aumentar a temperatura da política venezuelana para a semana do dia 10 de janeiro.
“Com medo não se vai à guerra. O 10 de Janeiro já começou”. Essa foi a mensagem publicada no perfil do ex-embaixador nas redes sociais nesta terça-feira (10). No mesmo dia, a coalizão que González fez parte durante as eleições do país, Plataforma Unitária, também publicou uma nota afirmando que os opositores “continuarão na luta e vão conseguir”.
Do lado do governo, no entanto, o discurso é de que os resultados devem ser respeitados e a posse não está ameaçada. Maduro tem reforçado que fará a juramentação na Assembleia Nacional. Nesta terça, o presidente convocou os apoiadores para saírem às ruas “aos milhões para jurar pela Venezuela, pela independência, pela Pátria Bolivariana". Ele ainda afirmou que “os próximos anos serão anos de paz, prosperidade, soberania e independência total”.
Para o sociólogo e professor da Universidade Central da Venezuela (UCV) Atílio Romero, há uma disputa em aberto sobre quem tomará posse em 10 de janeiro, mesmo que o resultado do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país tenha divulgado a vitória de Maduro. Segundo ele, os opositores tentam agitar sua base, mas não têm força para uma mobilização potente nas ruas.
“A disputa é: quem toma posse. Todos os indicadores dizem que Maduro vai tomar posse e o governo está se mobilizando para isso. A oposição de González mantém na mesa o dilema: negociação ou golpe. Mas para mobilizar as pessoas para um golpe precisa de músculos e os opositores não tem mostrado isso nas ruas. O discurso da María Corina e de alguns políticos desse campo é superar o medo. Mas o medo também some se eles acreditam que isso pode acontecer, e não é o que parece que vai acontecer”, disse ao Brasil de Fato.
As últimas manifestações de opositores tiveram pouca adesão. A movimentação, no entanto, é parecida com o período eleitoral. Na ocasião, María Corina e Edmundo percorreram diversas cidades do país sem conseguir organizar mobilizações massivas. Apesar disso, o dia seguinte do pleito foi marcado por manifestações violentas registradas em todo o país.
Romero não acredita que a oposição tenha força para realizar outros tipos de manifestações como as registradas em 29 de julho. Para ele, aquela parece ter sido a bala de prata queimada pelos opositores, mas que pode voltar a ter força se o governo se mostrar fragilizado neste próximo mês.
“Se o governo não demonstrar a potência e o controle sobre a situação, pode ter um cenário de guerra civil, e aí vai depender das forças de cada lado. Mas acho que Maduro toma posse e a oposição vai tentar seguir lutando. Se os opositores não têm o Exército, tem que fazer luta armada de guerrilha, mas isso eles não têm como fazer, parece não ter força. Eles parecem ter usado toda a força no dia 29 e não duraram dois dias as manifestações”, afirmou Romero.
A reportagem do Brasil de Fato ouviu de pessoas ligadas às Forças Armadas que algumas alas militares fazem a avaliação de que há um preparo para diferentes possibilidades. A percepção é de que todos os contextos foram desenhados e de que, comparado a outros anos, há uma estrutura melhor e uma estratégia mais bem definida.
O próprio Palácio Miraflores - sede do governo - tem denunciado reiteradamente ações e articulações golpistas, organizadas tanto dentro quanto fora da Venezuela. Segundo o governo, os planos incluem ataques a setores estratégicos do país, recrutamento de mercenários e até planos de matar Maduro e representantes do governo. A última dessas operações foi denunciada na sábado (23) pelo ministro da Justiça e do Interior, Diosdado Cabello, e tinha o objetivo justamente de desestabilizar o país durante a posse presidencial.
Ajuda de fora
Além da participação nas agências internacionais e nas redes sociais, os dois principais líderes da oposição foram buscar reconhecimento de outros países para tentar aglutinar forças para o 10 de janeiro. María Corina e Edmundo participaram de sessões no Parlamento Europeu, levaram as cópias das atas para o Senado do Chile e falaram de maneira virtual em uma audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados do Brasil.
O grupo, no entanto, segue dependendo dos Estados Unidos como principal ponto de apoio e ainda não recebeu uma sinalização que terá ajuda militar, financeira ou política da Casa Branca para tentar um golpe. O país está passando por uma troca de governo e o novo presidente Donald Trump assumirá em 20 de janeiro. Até lá, a oposição venezuelana vai precisar das próprias forças para tentar algum movimento.
Trump, no entanto, terá que se equilibrar entre uma decisão política de aumentar a pressão contra o governo chavista e atender aos interesses de empresários ligados a empresas petroleiras que querem seguir explorando petróleo venezuelano. Segundo o jornal Wall Street Journal (WSJ), há uma pressão de empresários ligados ao petróleo para que o governo de Donald Trump tenha uma linha de maior flexibilização das sanções contra Caracas. Um deles, segundo o diário, é Harry Sargeant III, um dos principais financiadores do Partido Republicano.
De acordo com o WSJ, ele estaria tentando influenciar o governo de Trump a liberar a compra de petróleo venezuelano e negociar com Maduro um apoio para o controle da migração ilegal. Para o deputado Ramon Lobo, do Partido Unido Socialista de Venezuela, essa decisão será fundamental para medir a força da oposição venezuelana nos próximos meses.
“Trump enfrenta pressão de um setor econômico que faz lobby e financia o exercício da atividade política internamente. E por outro lado, há todo esse ruído dos falcões da guerra, porque, assim como Marco Rubio, outros políticos têm essa postura de estar incendiando o mundo por uma questão de poder, de interesse econômico e de supremacia. Ele está entre dois polos: o fato econômico e a ideia de agressão promovida pelo setor que é encabeçado por Rubio”, afirmou ao Brasil de Fato.
Apesar desse dilema, os próprios integrantes do governo calculam que a oposição já está se preparando para eventuais movimentos, mesmo que não tenham uma capilaridade na sociedade venezuelana. Lobo afirma que os opositores dependem da pressão externa, mas que eles têm experiência na organização de atos violentos para tentar desestabilizar o país.
“A oposição venezuelana tem sido um apêndice do Departamento de Estado para tentar afetar a população venezuelana e congestionar o governo. Não é segredo a participação que a embaixada estadunidense teve no golpe contra Hugo Chávez em 2002. Inclusive todo o esquema de sanções impulsionado pelos EUA através das ordens executivas, se concretizou por alguns instrumentos jurídicos criados pela Assembleia Nacional que esteve nas mãos da oposição”, disse.
O governo venezuelano já denunciou a atuação de alguns empresários estadunidenses em ataques contra a Venezuela. O último deles foi em novembro. A vice-presidente, Delcy Rodríguez, convocou uma coletiva para afirmar que foram desmobilizadas tentativas de sabotagem ao setor energético do país. Ela afirmou que os planos de ataque à distribuição de gás foram organizados pelo empresário Erik Prince, além de María Corina Machado.
Para William Serafino, cientista político da Universidade Central da Venezuela, esse tipo de movimentação é importante para a oposição para tentar reativar um “espírito de confronto”.
“Precisam de um fato chocante que reative o espírito de mobilização e de confronto, e que possa vir de fora, com a abordagem mercenária de Erik Prince e a sua opaca campanha Ya Casi Venezuela. Uma ação de força, independentemente do seu sucesso final, pode precipitar movimentos adversos à soberania nacional dentro das Forças Armadas e, consequentemente, encorajar as células adormecidas, civis e armadas, a reiniciarem um ciclo de conflito nas ruas. Parece que, à medida que o 10 de janeiro se aproxima, as esperanças são depositadas nisso, ou num cisne negro”, afirmou.
Edmundo vai voltar?
González assinou em setembro uma carta se comprometendo a reconhecer a decisão da Justiça venezuelana sobre as eleições do país e teria dito que “ainda que não compartilhe, acata a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ)”. No mesmo dia, ele deixou a Venezuela e viajou para a Espanha. O ex-embaixador está desde então no país europeu.
A Justiça do país validou a vitória de Nicolás Maduro depois da judicialização do processo. Na carta endereçada ao próprio Jorge Rodríguez, Edmundo González reafirma que sempre “estará disposto a reconhecer e acatar as decisões de órgãos de Justiça”.
A oposição se apoia na lacuna deixada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Depois de validar o resultado em agosto, a Justiça deu 30 dias para o órgão eleitoral publicar os resultados desagregados. O CNE, no entanto, não publicou até agora os dados detalhados por mesa de votação e afirmou que o atraso ocorreu por um ataque hacker. O site segue fora do ar mais de três meses depois do pleito.
Edmundo afirmou que voltará à Venezuela, mas não quis dizer como fará isso, já que é alvo de um mandado de prisão. Ele é investigado pela publicação de supostas atas eleitorais que teriam sido recolhidas no dia das eleições presidenciais e, posteriormente, utilizadas pela coalizão de extrema direita para não reconhecer os resultados eleitorais divulgados pelo CNE.
Perguntado pelo El País o que ele faria se fosse impedido de entrar no país para a posse, González foi enfático em dizer que não vai dizer como pretende entrar no país: “Tudo depende se eles souberem quando eu chegar. É isso que não vou revelar”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho