O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que o governo Lula “não tem votos” para aprovar o pacote fiscal na Casa. A declaração foi dada na noite de terça-feira (10), em meio à disputa entre Congresso Nacional, Poder Executivo e Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da suspensão de parte das emendas parlamentares. O atrito acabou prejudicando a configuração de forças referente à pauta do corte de gastos, que deve ser votado na próxima semana. O debate se passa às vésperas do fim do ano legislativo, que se encerra no dia 22.
Elaborado pelo Ministério da Fazenda em parceria com o Palácio do Planalto, o pacote fiscal foi apresentado na última semana e tramita na Câmara como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2024. O texto modifica trechos da Constituição Federal e acrescenta dois artigos ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) para prever medidas como a redução dos supersalários no funcionalismo público e a redução gradual do número de beneficiários que recebem o abono salarial. A proposta também estabelece novas regras para a liberação de incentivos fiscais, entre outras coisas. A ideia do governo é economizar R$ 23,8 bilhões entre 2025 e 2030.
Por se tratar de uma PEC, o caminho normal da medida seria uma primeira avaliação de admissibilidade jurídica na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas, por falta de acordo em torno do tema no colegiado, hoje dominado por bolsonaristas, Lira decidiu levar o texto direto ao plenário, encurtando o rito de apreciação. A mudança também foi defendida pelo governo, que teme que o Legislativo não firme acordo sobre a PEC a tempo do encerramento do ano legislativo. O tema está em discussão num momento em que a Câmara ainda tem outros assuntos de interesse da gestão em debate, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o orçamento da União para 2025.
Também tramitam na Casa o Projeto de Lei Complementar (PLP 210/24), que permite ao governo impor limites à utilização de créditos tributários quando houver saldo negativo nas contas públicas, e o PL 4614/24, que ajusta despesas referentes ao salário mínimo às limitações do arcabouço fiscal. Ambos foram protocolados na Câmara no final de novembro e integram a lista de medidas de ajuste fiscal da gestão.
“Os projetos chegaram há poucos dias. Nós colocamos a Câmara com sessões [deliberativas] de segunda a sexta nestas duas [últimas] semanas, já dando um sinal claro de que iríamos nos dedicar a esses temas e outros temas importantes, como LDO orçamento, reforma tributária, Propag [Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados] e tantos outros. Com relação aos temas, por exemplo, semana passada vocês viram a dificuldade de se aprovar as urgências. Se vocês viram o esforço que fizemos, com duas, três reuniões com líderes e o Senado da mesma forma para aprovar a urgência dos PLs que chegaram, imaginem quórum de PEC”, disse Lira à imprensa ao mencionar a dificuldade de firmar acordos sobre a proposta.
“O acerto é que não tem votos. O assunto é polêmico, BPC [Benefício de Prestação Continuada] é polêmico, abono é polêmico, salário mínimo é polêmico. É um assunto que ferve, além de toda a insatisfação pelo não cumprimento de uma lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da República". A declaração é uma referência à suspensão das emendas. Na sequência, o pepista disse defender que “cada um dos três Poderes da República fique restrito às suas atribuições constitucionais, às suas atribuições institucionais”. “Quando isso se desequilibra, dá esse tipo de problema, e esse tipo de problema causa”, emendou, no que foi entendido como uma alfinetada na Corte.
Disputa
Um grupo de parlamentares da oposição apresentou uma proposta paralela de PEC como alternativa à PEC 45. O grupo propõe R$ 1,1 trilhão de corte de despesas por parte do governo federal até 2030 por meio de mudanças em políticas como BPC, abono salarial, investimentos em saúde e educação, gastos tributários, supersalários e aposentadoria de militares. A medida é articulada pelos deputados Kim Kataguiri (União-SP), Júlio Lopes (PP-RJ) e Pedro Paulo (PSD-RJ) e tem baixo número de apoiadores. Apesar disso, tem ajudado a fazer barulho contra a proposta do governo.
Do ponto de vista do conteúdo, a PEC 45 recebe críticas tanto da oposição quanto da bancada do Psol. Para esta última, apesar das divergências de mérito em torno do texto, os parlamentares que hoje alvejam ministros da Corte e o governo por conta da suspensão das emendas falham no nível da postura institucional. “O que essa parte do Congresso está fazendo neste momento é chantagem, e isso é absurdo sob qualquer aspecto da democracia. Debater os critérios de transparência das emendas é um dever deste Congresso, do STF, do Executivo e da sociedade” (0:20), afirma, por exemplo, Tarcísio Motta (Psol-RJ).
“Eu sou contra o projeto, mas nem por isso estou fazendo chantagens para impedir que ele seja votado. São deputados que tentam manter uma regra fisiológica, em que se continua fazendo toma lá da cá usando verbas públicas a partir do Legislativo. Está tudo errado e a gente vai lutar contra isso”, continua Motta. Sobre o fato de Lira ter afirmado que o governo não tem votos para aprovar o pacote, o psolista diz entender que a sinalização integra o cenário de “chantagens”.
“Acho que esse é o preço que a gente paga pela lógica de um presidencialismo de coalizão, que, na verdade, nem é mais isso e virou uma espécie de parlamentarismo orçamentário, que controla tudo a partir daí. Eu entendo que precisamos discutir com a sociedade, criar bases, para que o governo Lula não fique emparedado a todo momento em que tiver uma votação polêmica. Nós seguimos com a questão de que tem que votar [a PEC] e de que cada deputado vote de acordo com sua consciência”, advoga Motta.
Dissonância
Dentro do que se entende por campo progressista, o conteúdo da PEC não tem homogeneidade de opiniões. Para o líder da bancada do PSB, Gervásio Maia (PB), a pauta tem grande peso e merece articulações robustas que a levem a uma votação definitiva dentro de alguns dias. “Eu espero que na semana que vem o sentimento [de disputa] mude e que a gente tenha votos suficientes pra votar o pacote fiscal porque considero que ele é muito importante, sobretudo agora no encerramento do exercício de 2024. Da minha parte, vou dialogar com todos os partidos, inclusive os da oposição, para mostrar que essas medidas podem ser importantes pra nossa economia”, disse ao Brasil de Fato.
Opinião semelhante tem o deputado Bacelar (PV-BA), por exemplo, para quem os efeitos da PEC tendem a cumprir papel relevante no cenário fiscal do Brasil. “Eu acho que, pela primeira vez, há um esforço muito grande de conjugar responsabilidade social e responsabilidade fiscal. Agora, não é fácil porque é um país dividido”, comenta.
“Nós não estamos cortando benefícios. O que o governo está fazendo é organizando prioridades para garantir investimentos, senão a gente não chega em 2026. O endividamento do Estado brasileiro é muito grande. É a matriz de todos os nossos males. O que queremos é organizar regras dos benefícios sociais, eliminar fraudes, etc. Agora, tem ajustes que provavelmente serão feitos. É para isso que a matéria está no Congresso, mas não é uma tarefa fácil”, interpreta Bacelar. O parlamentar também diz acreditar na “capacidade de negociação do governo” e na “capacidade de convencimento do ministro Fernando Haddad [da Fazenda]” para que o texto siga adiante em tempo hábil.
Edição: Nathallia Fonseca