MUDANÇA DE PODER

Síria: novo primeiro-ministro promete 'garantir' direitos de todas as religiões e pede retorno de cidadãos

Cerca de seis milhões de sírios, aproximadamente um quarto da população, fugiram do país desde 2011

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Um bebê olha para seus pais comprando lanches no mercado Hamidiyeh, na cidade velha de Damasco, em 11 de dezembro de 2024 - Aris MESSINIS / AFP

O novo primeiro-ministro de transição da Síria disse, nesta quarta-feira (11), que a coalizão liderada por islamistas, que derrubou Bashar al Assad, "garantirá" os direitos de todos os grupos religiosos, e pediu aos milhões de sírios que fugiram para o exterior que retornem ao país. 

"Especificamente porque somos islâmicos, garantiremos os direitos de toda a população e de todos as religiões na Síria", afirmou o recém-nomeado Mohammed al Bashir em uma entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera

A aliança rebelde que acabou com mais de meio século de poder do clã Assad na Síria, no domingo, é comandada pelo grupo radical islamista Hayat Tahrir al Sham (HTS), um antigo ramo sírio da Al Qaeda. O movimento afirma ter rompido com o jihadismo, mas continua na lista de "terroristas" de vários países ocidentais, incluindo os Estados Unidos. 

Na entrevista, publicada nesta quarta-feira, Bashir instou os sírios no exterior a retornar para "reconstruir" e fazer "florescer" o país, onde sunitas, alauitas, cristãos e curdos convivem com dificuldades. 

Cerca de seis milhões de sírios, aproximadamente um quarto da população, fugiram do país desde 2011, quando eclodiram manifestações pró-democracia - rapidamente cooptados por grupos políticos - e uma repressão sangrenta levou a uma guerra civil que matou mais de meio milhão de pessoas. 

"Voltem", insistiu, após diversos países, como Alemanha, Áustria ou Reino Unido, decidirem suspender os pedidos de solicitação de asilo para cidadãos sírios. Desde a queda do governo de Bashar al Assad na Síria, no último domingo, um grande número de refugiados sírios tenta voltar ao seu país a partir de nações vizinhas. Na UE, a Áustria anunciou que em breve começará a deportar sírios, e líderes de extrema direita de vários países europeus estão exigindo o mesmo. 

UE tem mais de 100 mil pedidos de asilo de sírios pendentes

Mais de 100 mil solicitações de asilo apresentadas por cidadãos sírios estavam pendentes de análise na União Europeia (UE) até o final de outubro, segundo dados publicados nesta quarta-feira (11), após vários países do bloco suspenderem os processos em andamento. 

Nesta quarta, a Grécia juntou-se à lista de países da UE que anunciaram a suspensão do processamento de pedidos de asilo apresentados por cidadãos sírios. Antes, nações como Alemanha, Áustria, Itália e Bélgica fizeram o mesmo. 

A guerra na Síria provocou uma onda de deslocamentos e estima-se que mais de um milhão de pessoas tenham chegado à UE. De acordo com a Agência da União Europeia para o Asilo (AUEA), até o final de outubro deste ano, 108.200 pedidos de cidadãos sírios em busca de proteção internacional ainda aguardavam análise. 

No entanto, a AUEA reconheceu que pode haver solicitantes que apresentaram demandas em vários países do bloco. Os dados da organização mostram que, das 128.500 solicitações apresentadas por cidadãos sírios na UE entre janeiro e outubro deste ano, a grande maioria resultou em alguma forma de proteção. 

Desse total, em 35.500 casos foi concedido o status de refugiado e, em outros 81.800, foi oferecida proteção subsidiária. Na Alemanha, país que recebeu a maior parte dos solicitantes de asilo sírios na Europa, ocorreram quase metade das decisões positivas deste ano. 

Desaparecidos

Para muitos sírios, a prioridade agora é procurar amigos e familiares desaparecidos durante décadas de repressão do governo. Nabil Hariri, natural de Daraa (sul), observa fotos de corpos no necrotério de um hospital da capital. Ele procura o irmão, preso em 2014 quando tinha apenas 13 anos. 

"Quando você está para baixo, agarra-se a qualquer coisa", diz o homem de 39 anos. Desde 2011, mais de 100 mil pessoas morreram nas prisões sírias, segundo um cálculo de 2022 do Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH). 

Abu Mohamad al-Jolani, chefe do HTS, que liderou a ofensiva rebelde lançada em 27 de novembro, reiterou nesta quarta-feira que “os envolvidos na tortura e eliminação de prisioneiros não serão poupados”. Ele pediu aos países vizinhos que “entreguem qualquer um desses criminosos que possa ter fugido, para que possam ser levados à Justiça”. 

Combatentes rebeldes incendiaram o túmulo de Hafez al Assad, pai e antecessor do presidente deposto, em sua cidade natal, na região litorânea de Latakia, de acordo com imagens da AFP. Vários países e a ONU disseram que viram as mensagens enviadas pelo novo governo, mas alertaram que esperam que elas sejam traduzidas em ações. 

As Nações Unidas estão “totalmente comprometidas em apoiar uma transição suave”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, nesta quarta-feira. 

Enquanto isso, o chefe da diplomacia dos EUA, Antony Blinken, manterá conversações na Jordânia e na Turquia sobre a situação na Síria. Ele “reiterará o apoio dos EUA a uma transição inclusiva [...] para um governo responsável e representativo”, disse o Departamento de Estado. 

 Trégua na frente curda 

A Rússia, até então aliada do poder deposto, quer ver a situação na Síria estabilizada “o mais rápido possível” e disse que está “em contato” com as novas autoridades, especialmente em relação às bases militares russas no país. 

O Catar anunciou que reabrirá sua embaixada na Síria, com a qual cortou os laços durante o governo de Assad. No local, os especialistas alertam sobre os perigos de rivalidades e conflitos abertos entre diferentes facções. 

No nordeste da Síria, onde os combates entre as forças pró-curdas e pró-turcas mataram mais de 200 pessoas em três dias, de acordo com o OSDH, o chefe das tropas curdas anunciou uma trégua em Manbij, “com a mediação dos EUA”. 

Por sua vez, Israel está determinado a não permitir que “nenhuma força hostil se estabeleça em sua fronteira” com a Síria, de acordo com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. As Forças Armadas israelenses disseram na terça-feira que realizaram centenas de bombardeios em posições militares no país vizinho em 48 horas e enviaram tropas para perto da zona desmilitarizada na borda das Colinas de Golã sírias ocupadas por Israel.

*Com AFP

Edição: Leandro Melito