Vozes negras

'Ecos de Búzios': livro lançado em Salvador debate articulações entre comunicação, raça e racismo no Brasil

Produzida pelo Intervozes, a obra se inspira na Revolta dos Búzios para anunciar um programa preto das comunicações

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Paulo Victor Melo e Tâmara Terso, organizadores da obra, no lançamento no Muncab - Intervozes

“Animai-vos, povo bahiense [e amefricano], que está por chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em que seremos todos iguais”. Com referência aos Boletins Sediciosos que agitaram Salvador em 12 de agosto de 1978, o livro Ecos de Búzios: Contribuições ao debate brasileiro sobre comunicação e relações étnico-raciais chega a Salvador, pautando a necessidade de se anunciar um “programa preto das comunicações no Brasil”.

Organizado pelo Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social e lançado pela editora Dandara, a obra reúne artigos, ensaios e entrevistas realizados por pesquisadoras(es) e ativistas comprometidas(os) com a agenda antirracista e com uma significativa contribuição no campo das comunicações. O lançamento foi realizado no dia 29 de novembro no Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira (Muncab).

Inspirado na Revolta dos Búzios, levante popular protagonizado por pessoas negras e considerado um marco por denunciar o regime escravocrata e demandar independência e justiça social, a obra busca aprofundar a reflexão sobre as articulações entre raça, racismo e comunicação, bem como construir subsídios para incidir sobre os sistemas de comunicação numa perspectiva antirracista. Tâmara Terso, integrante do Intervozes e uma das organizadoras do livro, destaca que revisitar a revolta é importante para recolocar esse momento histórico na centralidade que lhe cabe.

“Resgatar a Revolta de Búzios é dizer que essa revolta foi importante para o Brasil, não só para as pessoas negras, e ela foi apagada durante muito tempo. Então é retomar essa história, reviver essas memórias, construir um outro imaginário da população brasileira, que é uma população diversa e que, portanto, precisa ser olhada em sua diversidade”, explica.


A obra reúne 15 textos de comunicadores, ativistas, pesquisadores e produtores culturais envolvidos na luta pela democratização da comunicação / Reprodução

Comunicação e luta antirracista

Dividido em três seções - conceitos e epistemologias em diálogos; políticas e disputas sociais; e sobre a contra mola que resiste -, a obra é expressão de um processo longo e coletivo, que também demarca o próprio debate de comunicação dentro do Intervozes.

“Começamos a fortalecer ainda mais o combate ao racismo dentro da nossa pauta de democratização da comunicação, entendendo que não há uma comunicação democrática enquanto houver racismo, não há democracia enquanto houver racismo. E, a partir disso, a gente começou a rascunhar o que a gente tem chamado de um programa preto das comunicações no Brasil. Não só nós, pessoas negras e indígenas do Intervozes, mas também confluindo ideias e debates com outros pesquisadores de outras organizações do debate da democratização da comunicação, do debate da construção de uma democracia nas universidades”, ressalta Tâmara.

Do mesmo modo que não há comunicação democrática sem combate ao racismo, a jornalista também aponta que não existe luta antirracista sem a disputa dos sentidos da comunicação. “O papel da comunicação na luta antirracista no Brasil é estrutural, é essencial. A gente entende a comunicação como um espaço social onde as relações são alimentadas, as narrativas são construídas sobre um projeto de país, sobre uma identidade racial, sobre uma política pública”.

“Então, para tratar de segurança pública, precisa tratar de comunicação, para tratar de política de saúde, precisa tratar de comunicação, porque a informação não chega para determinadas as pessoas, e essas pessoas têm cor, têm território. E as raízes disso, as raízes na falta de políticas públicas, é tratar de democratização da comunicação”, completa a organizadora.

Fonte: BdF Bahia

Edição: Gabriela Amorim