Waldemar Alexandre Júnior, mestrando em Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR), estava a caminho de mais uma aula no Prédio Histórico da faculdade quando foi abordado por um dos seguranças e questionado sobre onde estava indo. “Eu levei um choque a primeira vez que fui abordado, fiquei sem reação. Depois, minha amiga me contou que isso acontece regularmente com estudantes negros”, relata.
Somente em 2024, Waldemar foi abordado três vezes no mesmo campus da universidade. “Quando aconteceu a terceira vez eu comecei a ficar um pouco neurótico. Sempre que ia passar pela recepção colocava o celular para gravar. No próximo semestre, tenho certeza que [a abordagem] vai se repetir”, afirma.
Ele não é o único estudante negro a passar por abordagens constrangedoras e discriminatórias na universidade. Além de Waldemar, outros três estudantes relataram ao Brasil de Fato Paraná situações em que se sentiram constrangidos ao tentarem acessar o Prédio Histórico, localizado na Praça Santos Andrade, no centro de Curitiba, no Paraná.
Vitória Regina Gama Santos, 21, estudante da graduação, também foi abordada por seguranças e impedida de entrar no prédio. “Uma segurança me perguntou o que eu ia fazer ali e se eu era estudante. Eu respondi que sim, até perguntei se queria ver minha matrícula”, conta. “Ela não me deixou entrar e disse que a universidade já estava fechada, mas ainda faltava muito para dar o horário. Eu fiquei muito chateada e fui embora”, diz ela.
A Constituição Federal garante o acesso a órgãos públicos, pois eles são mantidos pela sociedade e devem ser transparentes e acessíveis, respeitando normas de segurança e funcionamento. O Decreto nº 9.094/2017 reforça que os cidadãos têm direito a atendimento eficiente em instituições públicas, o que pode ser aplicado ao uso de instalações como o Prédio Histórico da UFPR.
“Como uma mulher preta, gorda e estando de cabelo curto, que as pessoas me leem como lésbica, eu nem sabia que tipo de discriminação estava sofrendo”, diz ela. “Qual é a cara de uma estudante da UFPR?”, questiona Vitória.
Os serviços de vigilância da UFPR são terceirizados e prestados pela empresa Segplus Sistemas de Segurança Ltda. A empresa comunicou ao Brasil de Fato Paraná que está atenta a situações como as relatadas nesta matéria e disposta a colaborar com a apuração de quaisquer incidentes que possam ter ocorrido. Além disso, reforçam o compromisso em “capacitar os colaboradores em ambientes diversos e garantir o respeito a todos”.
A segurança que abordou Vitória insistiu na pergunta: “você é mesmo estudante? Não está mentindo?”. A discente de Publicidade e Propaganda ainda se questiona o porquê da insistência e do impedimento no acesso à universidade. “Obviamente eu não devo me parecer com uma estudante da UFPR”, desabafa.
A administração da universidade respondeu em nota que não compactua com qualquer forma de discriminação ou violência, seja ela de natureza física, verbal ou simbólica. “No momento da implantação do atual contrato de vigilância, fiscais e a gestora do contrato sugeriram que temas como racismo e discriminação fossem abordados com os profissionais da segurança”, dizem em nota.
A universidade acrescentou ainda que “abordagens podem ocorrer quando pessoas não são reconhecidas como frequentadores dos prédios da UFPR, mas, em qualquer circunstância, devem ser conduzidas com respeito e nunca com cunho discriminatório”.
“Eu evito muito entrar naquele prédio porque eu sempre acabo pensando que vou ser barrada. Ou, se preciso ir lá, sei que devo estar mais arrumada. Fico com medo de não conseguir entrar”, conta Vitória.
A professora Lucimar Rosa Dias, coordenadora do grupo de estudos e pesquisas em relações étnico-raciais da UFPR (ErêYá/Neab), não se surpreende com os relatos de discriminação no ambiente da universidade. Segundo ela, falta uma política explícita por parte dos reitores de intolerância zero com qualquer tipo de discriminação.
“As universidades federais brasileiras ainda não assumiram um compromisso genuíno com o combate à discriminação racial. São poucas as universidades que têm um programa consistente de combate ao racismo”, diz Dias. “É necessário que as universidades declarem um compromisso público e aberto contra o racismo”.
O número de estudantes negros em universidades federais no Brasil passou de 17% para 49% em 13 anos. Em 2009, eram 135,1 mil estudantes negros, número que subiu para 515,7 mil em 2022. Os dados são de pesquisadores do SoU Ciência (Centro de Estudos, Sociedade, Universidade e Ciência), vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Segundo Dias, os estudantes estão tendo que conviver com o racismo de pessoas que não reconhecem seus corpos negros como pessoas que ocupam a universidade, em uma relação de não subordinação. “Precisamos de uma publicidade massiva de que esse tipo de questionamento é racismo e não será suportado e nem amenizado”, afirma ela.
Uma estudante de doutorado em Direito que preferiu não se identificar, por medo de represálias, contou que ao entrar na instituição, ao lado da orientadora, branca, e mais dois colegas, dois homens negros, foram questionados pela portaria sobre onde iriam. “Nesse momento, minha orientadora ficou incomodada e perguntou o porquê estavam fazendo aquele questionamento. Ela disse: ‘eu dou aula aqui há mais de 20 anos e nunca fui questionada sobre onde iria’”. A estudante já foi questionada outras vezes ao longo da pós-graduação.
Outro estudante de doutorado comentou que já passou pelas mesmas abordagens inúmeras vezes, sempre as mesmas perguntas sobre onde vai e o que vai fazer. “Na maioria das vezes eu entro pelo subsolo, que é mais tranquilo e ninguém fica perguntando nada”, diz. Ele também não quer ser identificado por temer represálias no curso.
Para a professora Lucimar Dias, é uma tristeza saber que os alunos estão usando recursos de entrar pelo subsolo da instituição e não se sentirem acolhidos por parte da coordenação para fazerem uma denúncia formal. “Os setores precisam de um canal de escuta desses relatos e levar a sério o que os estudantes falam em relação à discriminação. Esses estudantes não estão tendo escuta sobre o que vivenciam”, diz ela.
Entre os mecanismos que a universidade poderia implementar para evitar essas práticas, a professora cita a criação de órgãos específicos, como diretorias, superintendências e pró-reitorias, que incluam no seu escopo o tema da equidade racial. “Acho fundamental que tenha uma coordenadoria que se dedique à questão racial e um programa de combate ao racismo com metas e monitoramento das denúncias”, acrescenta.
A futura gestão da UFPR informou ao Brasil de Fato Paraná que pretende fazer uma proposta de resolução que tipifique os casos de violência de gênero e discriminações. “A comissão para elaborar este texto será nomeada no dia 19 de dezembro e terá três meses para trabalhar nisso”, afirmam.
Além disso, Megg Rayara, uma das coordenadoras do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiro (Neab) da UFPR, sugeriu que a nova gestão também poderá fazer a oferta de cursos de formação sobre racismo, LGBTFobia, capacitismo, etc. “Precisamos incluir pessoas terceirizadas nos cursos de formação, faz parte de uma política séria para fazer a UFPR mais inclusiva”, diz ela.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Ana Carolina Caldas