OUÇA E ASSISTA

Incompetência e precarização no MDA e no Incra impedem avanços da reforma agrária no Brasil

Instituições que trabalham pela redistribuição de terra não têm pessoal e equipamentos suficientes, diz especialista

Ouça o áudio:

Avanço da reforma agrária está ligado a melhorias amplas na soberania alimentar e na economia brasileira - Beatriz Zuppo/ Brasil de Fato
Agronegócio é cantado em verso e prosa como solução dos problemas brasileiros, quando ele é a causa

"Você não pode tratar a reforma agrária no seu sentido amplo, com mudanças estruturais e com apoio à agricultura familiar, se isso não estiver colado com o projeto de país." A afirmação é de João Pedro Stédile, liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que integrou a bancada do podcast Três por Quatro desta semana.

O programa, produzido pelo Brasil de Fato, também contou com José Sobreiro Filho, geógrafo, docente da Universidade de Brasília e integrante do Centro Brasil-China para Agricultura Familiar. O podcast contou ainda com a condução dos jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho.

Stedile analisou a estagnação da reforma agrária nos últimos anos, inclusive no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e não poupou críticas às atuais equipes do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

"As equipes que hoje estão no MDA e no Incra são incompetentes. Eles têm se revelado [incompetentes]. Nós já estamos há dois anos [no governo Lula] e medidas práticas que eles poderiam ter feito, não resolveram", afirma Stedile. Ele destaca, por exemplo, a possibilidade de desapropriar terras periurbanas para atender famílias com dois ou três hectares, mas essa iniciativa ainda não foi implementada. O recente anúncio de medidas agrárias do governo Lula foi considerando insuficiente. 

"Nós temos 72 mil famílias acampadas do MST e outras 30 mil de outros movimentos da Contag. No próximo orçamento, de 2025, nós teremos 400 milhões para desapropriações. Uma merreca. Não resolve nada. Mas, ao mesmo tempo, nessa mesma semana, a Receita Federal, do Ministério da Fazenda, publicou os subsídios fiscais, as desonerações que houve da folha de pagamento e de outros benefícios fiscais. As quatro empresas do agrotóxico tiveram uma isenção de R$ 10,9 bilhões", denuncia.

A liderança sem terra destaca que há outros problemas que impedem o avanço da reforma agrária no país. A necessidade de o governo se articular em uma frente ampla dificulta a elaboração de um projeto de país. Além disso, a própria articulação dos ministérios com partidos muito distintos dificulta o funcionamento do governo. Por fim, há o poder de lobby do agronegócio.

"O agronegócio é cantado em verso e prosa como a solução dos problemas brasileiros, quando ele é a causa dos problemas. Dentro do governo há medo medo de fazer qualquer coisa que possa gerar atritos com agronegócio. Soma tudo isso e bota no liquidificador. Resultado: em dois anos não avançou nada. Mesmo os dez assentamentos anunciados pelo Incra são irreais. Não houve desapropriação, eles simplesmente foram legalizar áreas que os companheiros já estavam há dez, 15 anos. Não houve nenhuma novidade, só houve uma legalização. Que é boa, necessária, faz parte do modus operandi do Incra, mas que não alterou nada", afirmou. 

"Nós não podemos ficar quietos. Nosso papel, como MST, é abrir o bico, denunciar o que está errado, se não o governo não acerta. O pior enfermo é aquele que não admite a doença, então ele não vai tomar remédio nunca e só vai se agravar a doença", completou. 

No Brasil, a agricultura familiar responde por cerca de 70% dos alimentos consumidos, conforme dados da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Apesar disso, a maior parte dos recursos e do crédito rural ainda é destinada ao agronegócio latifundiário. Em 2024, por exemplo, o orçamento do Plano Safra para a agricultura familiar foi de R$ 76 bilhões, enquanto o agronegócio recebeu mais de R$ 400 bilhões.

A estagnação das discussões sobre a reforma agrária também provocou críticas de José Sobreiro Filho. O especialista aponta que para começar o debate sobre reforma agrária, é preciso lembrar que o problema no Brasil "começa pelo campo", mas a saída também "passa pelo campo".

O geógrafo destaca a precarização das instituições e a falta de estrutura para atender as demandas da reforma agrária. "As instituições comprometidas e que cuidam da reforma agrária no Brasil estão precarizadas. Nós entramos no Incra hoje, não existe equipamento para todos os funcionários, não existem funcionários. Então, pouco para todos os cargos", afirma.

Sobrerio Filho destaca que a falta de recursos se traduz em um Estado que não consegue atender às necessidades da população. "O Estado precarizado não precisa nem de muita força do agronegócio. Quer dizer, o Estado em si mesmo, com as instituições que são devotadas a essas funções, não consegue desenvolver as funções e finalidades para quais eles foram formulados", completa.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

Edição: Thalita Pires