A cristalização, na forma de investigação acadêmica (acaba de ser lançado o livro A serviço da repressão, um trocadilho do lema da Folha de S. Paulo: “Um jornal a serviço do Brasil”), das revelações sobre o envolvimento do periódico paulista com a ditadura militar brasileira (1964-1985), explica muito sobre o posicionamento atual do jornal em relação à política nacional.
A Folha de S. Paulo, assim como outros grandes veículos de mídia, apoiou ativamente o golpe militar de 1964 e a subsequente ditadura. O jornal contribuiu para a desestabilização do governo democrático de João Goulart e alinhou-se fortemente com o golpe militar e seus desdobramentos imediatos. Este apoio foi umbilical e ativo desde o início, com o proprietário principal, Octávio Frias de Oliveira, sendo financiador de grupos que preparavam o golpe.
Embora a Folha tenha posteriormente reconhecido que apoiar a ditadura militar foi um erro "pelos padrões de hoje", sua autocrítica tem sido limitada e cautelosa. O jornal argumenta que as opções disponíveis na época eram apresentadas em condições muito mais adversas do que as atuais, uma justificativa que pode ser vista como uma tentativa de minimizar sua responsabilidade histórica.
Atualmente, a Folha se posiciona como defensora da democracia, mas seu tratamento da política contemporânea revela contradições significativas:
Cobertura de Lula: O jornal tem sido criticado por manter uma postura de suspeição em relação ao presidente Lula, mesmo após a anulação de suas condenações. Esta abordagem ecoa as táticas de lawfare utilizadas durante a Operação Lava Jato, que o próprio jornal ajudou a promover.
Espaço para Bolsonaro: Ao mesmo tempo, a Folha tem sido acusada de abrir espaço para que o ex-presidente Jair Bolsonaro se apresente falsamente como defensor da democracia, apesar de suas ações e retórica antidemocráticas.
Críticas a Alexandre de Moraes: O jornal tem dado voz a críticas contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, muitas vezes alinhando-se com narrativas que questionam a legitimidade das investigações sobre fake news e ataques às instituições democráticas.
Esta postura aparentemente contraditória da Folha pode ser interpretada como uma continuação de seu histórico de alinhamento com interesses conservadores e elitistas. Ao manter uma postura crítica em relação a Lula e ao PT, enquanto oferece uma plataforma para narrativas bolsonaristas, o jornal parece perpetuar uma visão política que favorece setores específicos da sociedade brasileira.
A relutância em confrontar plenamente seu passado de apoio à ditadura e a manutenção de uma linha editorial que, por vezes, ecoa retóricas antidemocráticas, levantam questões sobre o verdadeiro compromisso do jornal com os princípios democráticos que alega defender.
Em última análise, o posicionamento atual da Folha de S. Paulo reflete as complexidades e contradições do cenário político brasileiro. Enquanto se apresenta como um bastião da democracia, o jornal continua a navegar um curso que, em muitos aspectos, parece mais alinhado com sua história de apoio a forças conservadoras do que com um compromisso inequívoco com os valores democráticos e a justiça social.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Martina Medina