O Congresso aprovou, nesta terça-feira (17) a regulamentação da reforma tributária, considerada uma vitória do governo que também agradou ao centrão. Enquanto a sociedade civil e o Judiciário discutem as isenções fiscais a agrotóxicos tendo em vista o dano ambiental e social do uso desses produtos na produção agrícola, parlamento chancelou a manutenção da isenção fiscal de 60% para pesticidas e a ampliação da renúncia fiscal a produtos de origem transgênica e de serviços relacionados à pulverização dos agrotóxicos em cultivos.
Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, lamenta a aprovação do projeto, e explica que o problema é mais grave. Isso porque além da isenção na reforma tributária, a indústria de agrotóxicos recebe isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e, em alguns estados, também há renúncia de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), que incide sobre a comercialização dos produtos. Dessa forma, a renúncia de impostos, em muitos casos, pode atingir toda a cadeia. Tygel conta que as organizações da sociedade civil incidiram para modificar o texto do projeto.
"Durante todo o processo de tramitação da reforma na Câmara, depois no Senado, a gente tentou que os agrotóxicos fossem retirados dessa categoria de isenção de 60%, por considerar que não são produtos essenciais à produção agrícola e que não têm influência relevante no preço dos alimentos", destaca. "Se o objetivo é baratear o preço dos alimentos, que é um objeto muito importante, isso tem que ser feito com a isenção sobre os alimentos e não a uma cadeia produtiva que, além de atuar na produção, também vai gerar poluição para o meio ambiente e danos à saúde", completa.
Malu Ribeiro, da organização SOS Mata Atlântica atribui a aprovação da medida ao perfil do Congresso Nacional. "Isso é o retrato da força do poder econômico que está por trás dessas bancadas políticas. Não é à toa que essa bancada [da agropecuária] é muito forte. Ela não seria muito forte só por uma ação política partidária. Ela é muito forte porque esses setores econômicos favorecem, elegem, apoiam essas candidaturas, essas representações, e isso acontece sem que a sociedade civil consiga acompanhar", destaca.
Os privilégios tributários aos agrotóxicos são objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, no Supremo Tribunal Federal (STF), movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que questiona regras estabelecidas pelo Convênio 100/1997 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O texto já reduz, no atual sistema, em 60% a base de cálculo do ICMS sobre agrotóxicos. A ação também discute aspectos da legislação tributária que estabelecem alíquota zero do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para alguns desses produtos.
Um relatório divulgado pela Receita Federal em novembro revelou que a União concedeu mais de R$ 21 bilhões em isenções fiscais a empresas do mercado de agrotóxicos no Brasil, apenas nos primeiros sete meses de 2024. Além do prejuízo aos cofres públicos e dos danos ao meio ambiente, a utilização extensiva desses produtos gera um custo adicional ao Estado. Especialistas apontam que o sistema de saúde do Brasil gasta em torno de R$ 43 bilhões em tratamentos de pessoas com intoxicação causada por pesticidas.
"Só entre 2010 e 2019, o Ministério da Saúde registrou a intoxicação de 56.870 pessoas por agrotóxicos no país. Estima-se que o custo para o Sistema Único de Saúde para cada caso de intoxicação é de R$ 150 por pessoa. De outro modo, para cada dólar gasto com compra de agrotóxicos, o SUS é onerado em 1,28 dólar, dependendo do tipo de tratamento para intoxicação aplicado", disse em entrevista ao Brasil de Fato a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade, uma das organizações que atuam como parte da ação que tramita no STF. .
O consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta lamenta que o Brasil tenha perdido a oportunidade de discutir sua política fiscal, privilegiando o interesse público.
"No geral, o Brasil não vai bem na parte fiscal no que diz respeito a nossa pauta [socioambiental]. A gente vem perdendo oportunidades de, pela questão fiscal, incentivar aquilo que deveria ser incentivado, do ponto de vista de gerar um desenvolvimento sustentável e continua incentivando matrizes e produtos que são nefastos para a saúde humana, para o meio ambiente, para o clima, e para os povos e comunidades tradicionais", afirma o advogado.
Para Malu Ribeiro, existe uma inversão de prioridades na política fiscal brasileira, e que não foi corrigida pela reforma aprovada pelo Congresso. "Eu faço um paralelo dessa questão da isenção tributária para veneno, muitos deles banidos em outros países, países que até produzem esses venenos, mas que não os consomem, com a isenção para o setor do saneamento básico, que é um setor essencial. Quer dizer, então você está favorecendo economicamente quem polui, quem degradada, quem causa doenças, e aquilo que nós deveríamos estar erradicando, que essa vergonha humanitária de ter esgoto in natura lançado em nossos rios, na água que a gente precisa para beber no ambiente, não tem isenção."
Edição: Thalita Pires