No início de dezembro, a Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Redesca) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) visitou regiões particularmente afetadas pelas enchentes ocorridas em maio deste ano no Rio Grande do Sul para documentar os efeitos da tragédia na economia, direitos sociais, culturais e ambientais e analisar as respostas do governo e da comunidade.
Em nota, a relatoria apresentou algumas observações preliminares de situações críticas no estado, principalmente em relação à moradia, saúde e educação das comunidades mais vulnerabilizadas e a necessidade urgente de rever e reforçar as políticas preventivas. O relatório final ainda está sendo concluído e após elaborado fará recomendações ao Estado brasileiro.
A dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Alexânia Rossato afirma que a realidade é realmente essa. "As enchentes alteraram a natureza como um todo e, é claro, alterou a vida social também. Muitas pessoas não podem mais voltar para os seus bairros, que viraram bairros fantasmas, porque foram construídos nas manchas de inundação. A nossa esperança é a de que o relatório final encaminhe uma conclusão que indique a responsabilidade do Estado brasileiro para a retomada das condições dignas de milhares de famílias."
Segundo ela, para os atingidos organizados no MAB não há dúvidas que a espera pelo reassentamento desde a enchente de setembro agravou a situação das famílias no Vale do Taquari, e isso se deu pela ineficiência do Estado. "A falta de manutenção do sistema de cheias na região Metropolitana se resume também na falha na gestão pública. Então, esperamos que o relatório se direcione aos responsáveis. Infelizmente, pelo nível que chegamos, pela crise climática que vivemos, é praticamente impossível evitar as próximas enchentes, mas é possível evitar os grandes desastres, a perda material e as mortes."
Situações emergenciais
Entre seus apontamentos iniciais, a Redesca considera uma das questões mais críticas a habitação digna, saúde e educação. Milhares de pessoas ainda residem em áreas com alto risco de inundações, em condições precárias, em abrigos, quartos temporários ou em casas de parentes, ou vizinhos. Na área da saúde, a assistência e o cuidado médico não são eficientes, principalmente quanto à saúde mental. Da mesma forma, declara que são evidentes as dificuldades relacionadas ao direito à educação de crianças e adolescentes.
O Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do RS, Enrico Rodrigues, que acompanhou a visita da Redesca às comunidades mais atingidas, também defende a importância de não se construir apenas políticas de mitigação, mas de assistência e garantia dos direitos humanos.
“Garantir direitos humanos nessa crise é necessário para que não haja processo de desterritorialização desnecessárias e de gentrificação. As soluções técnicas não podem ser construídas de cima para baixo. Esse diálogo com os atingidos é previsto nas leis. Temos que compreender que essas mudanças climáticas são uma realidade permanente. E que essa tragédia de maio é tida como o maior evento climático do hemisfério Sul. Por isso é de extrema importância que haja a participação da comunidade internacional no direito de garantir a proteção dos direitos humanos para além das atuações de órgãos nacionais”, afirma Rodrigues.
A Redesca também pontuou preocupação com os povos indígenas, as comunidades quilombolas e as mulheres, grupos de maior vulnerabilidade que foram mais afetados e não recebem assistência adequada. Assim como os trabalhadores das economias informais que apresentam grandes dificuldades em garantir meios de subsistência sustentáveis.
Prevenção e mitigação
Além das alterações climáticas, os desmatamentos e o uso inadequado do solo com as monoculturas foram considerados responsáveis pelo agravamento dos riscos e a recorrência das enchentes no estado. Segundo a relatoria, uma das ações estratégicas para prevenção e mitigação de riscos futuros está em reconhecer o conhecimento tradicional, dos povos indígenas e dos sistemas de conhecimento locais.
A Redesca afirmou a importância de expandir a participação social nos processos de tomada de decisão sobre políticas ambientais e climáticas, garantindo que as vozes das comunidades vulneráveis sejam ouvidas e incorporadas de forma significativa. Reforçando a produção e divulgação de informação acessível, baseada em evidências científicas, que permita às comunidades compreender os desafios e participar de forma informada. Esta participação é também uma ferramenta para desenvolver políticas mais inclusivas e eficazes, alinhadas com as necessidades reais das pessoas afetadas.
“Esperamos que tal tragédia não vire um novo balcão de negócios, popularmente conhecido como 'toma-la, dá cá', aguardamos maior investimento público nos órgãos públicos de pesquisa, universidades federais e estaduais, sociedade civil organizada e a população atingida para que apontem as melhores soluções, relacionadas ao clima, moradia, aspectos sociais e arrefecimento da crise vivida pelo estado", pontua Júlio Alt, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS, que também acompanhou as visitas.
Redesca
A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais é um escritório criado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) com o objetivo de fortalecer a promoção e proteção dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais no continente americano, liderando os esforços da Comissão nesta matéria.
Durante a visita, a Redesca realizou reuniões em Brasília, com autoridades federais e estaduais, incluindo a ministra dos Direitos Humanos e a presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, bem como com representantes da sociedade civil, da academia e de comunidades diretamente afetadas, como cidades, indígenas, comunidades quilombolas e trabalhadores da economia informal.
A nota pode ser lida na íntegra no site da OAS.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko