EXPOCATADORes

Na linha de frente da preservação ambiental, catadores estão entre os mais impactados pela crise climática

Embora realizem um ofício fundamental, trabalhadores sofrem com condições precárias, como falta de galpão e baixa renda

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Galpão cheio: catadores de todo o Brasil se encontram em São Paulo na ExpoCatadores 2024 - Carolina Bataier/Brasil de Fato

O Brasil tem cerca de 65 mil catadoras e catadores de materiais recicláveis trabalhando em associações e cooperativas espalhadas por todos os estados, de acordo com dados do Atlas Brasileiro de Reciclagem. O levantamento não inclui aqueles que trabalham por conta própria e, por isso, de acordo com a pesquisa, “não é possível dizer quantos catadores e catadoras existem realmente no Brasil”. Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, mais de 398 mil brasileiros se autodeclararam catadores. 

Embora trabalhem na linha de frente da preservação ambiental, esses profissionais estão entre os mais afetados pelos impactos da crise climática, conforme aponta a pesquisadora Juliana Gonçalves, do Observatório da Reciclagem (Oris). 

“A gente tem cooperativas que não são estruturadas para ondas de calor, nem enchentes, nem temporais, a gente não tem uma estrutura de trabalho que dê conta de [o catador] estar na rua fazendo coleta”, diz.  

De acordo com o Atlas Brasileiro da Reciclagem, 52% das associações e cooperativas de catadores brasileiras possuem galpão próprio ou cedido e apenas 34% contam com kits básicos de equipamentos.  

Sem galpão para armazenar as coletas, Flordelis Simão já perdeu materiais que recolheu. Simão mantém os materiais recolhidos a céu aberto, em uma chácara, e, quando chove, fica no prejuízo. “Eu já perdi demais material, principalmente papelão, porque molha, né?”, lamenta.  

Trabalhadora sem associação, ela atua há mais de 25 anos em Santo Antônio do Leverger (MT) e escapa à conta do Atlas Brasileiro da Reciclagem. “Eu cato toda vida sozinha, né? Agora que eu tô arrumando uma associação, mas toda a vida foi sozinha, sozinha”, diz.  

A falta de espaço para armazenar a coleta é apenas um item da lista de reivindicações apresentadas na ExpoCatadores 2024, realizada entre os dias 18 e 20 de dezembro em São Paulo (SP). Este é o maior evento do país nesse segmento, e reúne trabalhadoras e trabalhadores, empresas e financiadores de política para o setor. 


A catadora Flordelis Simão trabalha há mais de 20 anos recolhendo materiais recicláveis / Carolina Bataier/Brasil de Fato

Álvaro Macedo, assessor da Fundação Banco do Brasil, que desenvolve programas para atender à categoria, acompanha de perto essas solicitações, em diálogo com cooperativas e associações. As necessidades vão desde equipamentos de proteção individual (EPIs) até maquinário e galpões. “Muitos estavam falando que, na época da pandemia, quando teve a queda do valor do papelão, do material reciclável que eles vendiam, muitos deixavam de comprar os EPIs para trazer recurso para casa, porque não dava para comprar”, conta.  

Em condições ainda bastante precarizadas, as medidas de adaptação para eventos climáticos extremos, como ondas de calor e tempestades, ficam em segundo plano.  

“Desde kits básicos, como EPIs para catação até mesmo grande maquinário, como as prensas... A cadeia toda está desassistida nesses últimos anos, então, qualquer tipo de recurso, de equipamento, está dentro desse bojo das necessidades dos catadores”, ressalta Macedo.  

Muitos deles trabalham e vivem em lugares sujeitos a catástrofes climáticas, como explica Sonia Dias, especialista global em resíduos pela Woman in Informal Employment Globalizing and Organizing (Wiego). “Os galpões estão, em sua maioria, situados em territórios que já são mais vulneráveis do ponto de vista da exposição a eventos climáticos extremos”, diz. 

De acordo com o Atlas, a renda média de catadores contratados como prestadores de serviços de coleta seletiva ou triagem por prefeituras é de R$ 1.730,58. Já os trabalhadores sem contrato ou vínculo com prefeituras recebem, em média, R$ 1.292,01. Assim, com uma renda familiar baixa, catadoras e catadores enfrentam impactos da crise climática também nos lugares onde vivem.  

“A gente sabe que os grupos em situação de vulnerabilidade – isso envolve quilombolas, as comunidades tradicionais, os assentamentos informais, vilas e favelas – têm uma maior vulnerabilidade quando eventos climáticos extremos acontecem”, explica Dias. “Então, eles sofrem duplamente: no espaço de trabalho e também onde moram”, diz.

Um trabalho essencial para o meio ambiente 

“O Brasil está com muito lixo. Muito, muito mesmo. Aumentou muito”, avalia a catadora Flordelis Simão.  

Nair de Fátima Domingos, da Cooperativa Ecovida, de Poti (SP), trabalha como catadora há mais de 20 anos e concorda. “Aumentou bastante. Eu acho que as pessoas têm usado mais, usa muita caixinha de leite, bebe muito guaraná”. 

Embora as catadoras observem, ao longo dos anos, a quantidade de material reciclável aumentar, somente 23% dos municípios brasileiros organizam algum tipo de coleta seletiva, conforme aponta o Atlas.  

Na avaliação de Dias, os catadores têm papel relevante na educação climática. “No sentido de avançar na pauta para além da reciclagem e na questão de pensar programas, o papel ambiental e educativo que eles têm na educação ambiental climática”, diz. 


Carmelinda Pereira tem planos de fazer um trabalho de educação ambiental / Carolina Bataier/Brasil de Fato

Carmelinda Pereira, catadora de Várzea Grande (MT), já tem um projeto educativo em mente para o próximo ano. “Nós vamos ter que fazer um trabalho de educação ambiental, sair de porta em porta, educando a pessoa sobre onde nós vamos deixar nosso saquinho para eles colocarem, a gente vai falar o que é para colocar dentro daquela sacola, que é o papel branco, o livro, a revista, a pet, a latinha”, conta.  

Para Luiz Gonzaga de Carvalho, gerente de soluções da Fundação Banco do Brasil, os catadores são essenciais na economia circular, conceito que propõe o reuso de descartes e a redução do consumo de recursos naturais, entre outras práticas saudáveis para o meio ambiente. “Eles já faziam economia circular dentro da economia linear. Não tem como a gente pensar uma economia que faz voltar o processo sem a inclusão dos catadores”, diz.

Gonzaga indica que uma forma de melhorar as condições de trabalho e de vida desses profissionais é por meio da capacitação para que possam atuar de forma mais ampla e diversa. "A gente tem que fazer que chegue aos catadores de material recicláveis todo o processo de reciclagem, seja o orgânico, seja o das commodities, seja de termoplástico de engenharia, por exemplo", ressalta. 

Cícero Souza começou a recolher materiais recicláveis em 1987, em Fortaleza (CE). “Cada vez que a gente tira uma tonelada de resíduo, muita gente ganha e o meio ambiente também ganha, deixando de emitir os gases na atmosfera, de emitir chorume, de contaminar nossas águas”, explica. 

Ciente da relevância do trabalho, ele atribui aos catadores o título de doutor. “A importância de ser um catador é ser um doutor. Doutor catador que salva o meio ambiente. Ele preserva vidas e vidas que dependem dessas vidas”.  

*Essa matéria foi realizada em parceria com a Fundação Banco do Brasil

Edição: Martina Medina