Enquanto o refém não ampliar a tesoura dos investimentos sociais, o sequestrador não vai sossegar
Olá,
O mercado e o centrão usam o velho carteiraço para desafiar o governo.
.O último acampamento bolsonarista. No início do terceiro mandato, o Planalto nutriu uma ilusão de que seduziria novamente a Faria Lima com uma proposta de crescimento econômico baseado no ganha-ganha para bancos, indústrias e trabalhadores. Não funcionou, porque na prática, o mercado financeiro que Lula III encontrou é mais ideologizado, mais ganancioso e irredutível. Como se viu nesta semana em que, mesmo com os esforços para votar o pacote de ajustes, o rentismo decidiu punir o governo com uma disparada especulativa do dólar. Mas por quê? Afinal, como demonstra Miriam Leitão, a situação fiscal não é exatamente crítica, as previsões da dívida pública e do déficit primário são menores do que o mercado previa e o PIB maior que as expectativas. A meta da inflação estourou, é verdade. Como estourou em três dos seis anos de mandato de Campos Neto. O problema é que o mercado financeiro acha insuficiente o corte de gastos, não concorda com a isenção do Imposto de Renda e não quer nem ouvir falar em taxação de super-ricos no próximo ano. E não admitem que o governo tomou estas decisões sem consultá-los. Para isso, a Faria Lima usou desde a ferramenta recorrente da extrema-direita, as fake news, ao sofisticado cartel do mercado combinado com um terrorismo fiscal do fiel Campos Neto. Enquanto o refém não ampliar a tesoura dos investimentos sociais, o sequestrador não vai sossegar. Existe saída? Para Eduardo Moreira, passa por acabar com o arcabouço fiscal que empoderou a chantagem da Faria Lima, assim como o regime de meta inflacionária, como sugere Luís Nassif. São medidas para longo prazo e que poderiam começar por reassumir a presidência do Banco Central. Mas, se depender da afinação de Galípolo com Campos Neto, o pesadelo continua em 2025.
.Novo Cangaço. Essa é a tática do mercado e do centrão para extorquir o governo e saquear o país. O mercado, especulando abertamente com o dólar para exigir corte de gastos, e Arthur Lira, especulando com as votações no Congresso para manter o controle sobre as emendas. Esse foi o custo para que o governo não acabasse o ano em clima de paralisia e fracasso. O problema é que 2024 chega ao fim em sentimento de nostalgia quanto ao sonho de tempos melhores. É verdade que Lula fez mais que os antecessores, mas a perspectiva de começar a mostrar resultados ficou para trás. Principalmente porque as pautas do governo foram abafadas pelas do mercado e do Congresso. A pobreza diminuiu, mas e daí? O tema não dá manchetes. Por ora, a batalha contra os juros altos parece perdida. Mas o arroz com feijão da política foi entregue: reforma tributária, OK; corte de gastos, OK; Lei de Diretrizes Orçamentárias, OK. Lula evitou uma crise de paralisia. Mas caiu numa crise de identidade. Afinal, mesmo onde teve sucesso, como na reforma tributária, o saldo é controverso, a exemplo de medidas como a redução da tributação sobre armamentos e agrotóxicos. Além disso, quem ficou com os méritos de bom articulador foi Arthur Lira. Mais do que isso, o cacique alagoano conseguiu arrastar o governo para seu próprio esquema e, agora, é o Executivo quem joga ao lado do centrão contra o STF, defendendo o sigilo das emendas. E quem paga a conta é o próprio governo - só a aprovação de uma das medidas de ajuste fiscal esta semana custou R$ 7,7 bilhões aos cofres públicos. O problema é que o mercado e o centrão já farejaram que o governo é fraco e a sangria não vai parar por aqui. O sinal veio com mais uma onda de especulação, dessa vez sobre uma suposta reforma ministerial, que é a nova profecia que deve se realizar: tirar ministérios do PT para acomodar o centrão, inclusive a bancada evangélica.
.O golpista do ano. Apesar da forte concorrência, o prêmio vai para o general Braga Neto, já que ele protagonizou o feito inédito de ser o primeiro quatro estrelas da história preso num país marcado pela impunidade da elite verde-oliva. As investigações da Polícia Federal apontam que o ex-candidato à vice-presidência seria o intermediário do financiamento do golpe, levando dinheiro vivo doado pelo agronegócio ao major Rafael de Oliveira, que posteriormente usou parte dos recursos para comprar celulares utilizados pelos conspiradores. Mas não foi só isso. O que precipitou sua prisão foi a tentativa de influenciar os depoimentos do delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Agora, o destino do general é incerto. Mas levando em conta o tratamento vip que ele tem recebido na prisão administrada por seus próprios companheiros de farda na Zona Oeste do Rio de Janeiro, ele não tem muito com o que se preocupar. Mais importante são as repercussões para outros personagens e para as forças armadas em geral. Como nem o procurador-geral da República, Paulo Gonet, nem o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, tirarão férias em janeiro, a expectativa é que novas prisões sejam realizadas, e alguns possíveis alvos são o “cara do agro” que intermediava a participação do setor na trama golpista, o gen. Heleno e o próprio Bolsonaro, sem contar a possibilidade de cassação do mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP). Nada disso, porém, intimida o general Mourão, que aproveitou a tribuna do Senado para defender Braga Neto e mostrar-se fiel, não ao bolsonarismo, mas ao verde-olivismo golpista raiz. Outro efeito indireto da desmoralização dos militares é a releitura do alcance da Lei da Anistia de 1979 que, segundo o ministro do STF Flávio Dino, não tem validade para os casos de ocultação de cadáver caracterizados como “desaparecidos”. Por fim, a prisão até ajudou porque, depois de muito esperneio, os militares finalmente aceitaram negociar com o governo o corte de algumas regalias na área da previdência e no fundo das forças armadas que devem gerar uma contribuição de R$ 16 bilhões para o ajuste fiscal.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Congo apresenta queixa criminal contra Apple: 'minerais sujos de sangue'. A lista inclui crimes de guerra, lavagem de metais contaminados e práticas comerciais enganosas. No Opera Mundi.
.Acordo Mercosul/União Europeia – um post mortem. Paulo Nogueira Batista Júnior denuncia um acordo neoliberal que não trará nenhum benefício para o Brasil. No Terapia Política.
.Os kids pretos foram a origem do Bope e das megachacinas. No Intercept, Lucas Pedretti desvenda o DNA comum das forças repressivas brasileiras.
.Sem taxar super-ricos, isenção no IR até R$ 5 mil aumenta desigualdade, aponta estudo da USP. Porque uma medida aparentemente progressiva pode favorecer homens brancos e moradores do Sul e do Sudeste. Na BBC.
.“Ainda tenho um tiquinho de esperança”, diz viúva de Evaldo Rosa em dia de julgamento. A história de impunidade por detrás de um homem morto com 9 tiros de fuzil disparados por militares do Exército. Na Pública.
.Com terras devastadas pelas enchentes, agronegócio gaúcho vai à Amazônia plantar soja. Sojicultores sulistas desembarcam em Altamira (PA) e devem intensificar o desmatamento na Amazônia. Na Samaúma.
.‘Luiz, respeita Januário’. No Meus Sertões, conheça o Museu da Sanfona, inaugurado em janeiro deste ano, em Dom Inocêncio (PI).
.Levante-se, cante, vamos triunfar. A história da palavra de ordem e da música que marcou a revolução chilena. Na Jacobina.
O Ponto se despede de 2024 e de seus leitores e leitoras para um pequeno recesso. Voltamos em janeiro! Boas festas para todos e todas!
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Edição: Nathallia Fonseca