Moradores da Vila Cultural Cobra Coral relatam que o Governo do Distrito Federal (GDF) tem planos para remover parte da vila dentro da poligonal do Parque Ecológico Asa Sul. O vilarejo, localizado próximo à embaixada da China, é reconhecido pelo valor histórico e importância cultural, mas enfrenta ameaça de remoção de mais de 100 famílias.
Com raízes que remontam à construção de Brasília, a vila serviu de pouso para os candangos vindos de todos os cantos do país. Na década de 1970, consolidou-se como um centro cultural, palco de expressões populares que preservam e promovem tradições brasileiras e cerratenses, abrigando iniciativas como o Terreiro Pai Joaquim de Aruanda, o grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, além do Espaço Inventado, do Projeto Waldir Azevedo e da Casa da Árvore.
Carlos Basílio, representante da Comitiva Vila Cultural Cobra Coral, conta que o parque foi criado em 2003, quando a comunidade já estava lá. Depois, o parque foi instalado em 2010 e reclassificado como parque ecológico em 2019. Ele explica que, em 2018, os moradores foram chamados para participar do workshop do plano de manejo, mas as contribuições foram ignoradas quando o plano foi implementado em 2019.
"Após essa exclusão, fomos notificados sobre a remoção da área, mas recorremos em todas as instâncias possíveis. Durante a pandemia [da covid-19], a operação foi suspensa devido às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), mas em 2024 a ação foi retomada. Desde então, tentamos dialogar com autoridades", conta Basílio.
A ação do GDF tem apoio da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente (Prodema), vinculado ao Ministério Público do DF. Segundo os moradores, visitas de agentes públicos foram realizadas em setembro e outubro deste ano, sem que fosse dada clareza sobre os motivos exatos da desocupação.
O representante da Vila Cultural também destaca que, mesmo com um liminar para impedir a remoção, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) e a Prodema ignoram os argumentos. "A última reunião, no dia 10 de dezembro, culminou no agendamento da remoção para 14 de janeiro de 2024", diz Carlos.
Procurados pelo Brasil de Fato DF, o Ibram informou que as ações de desocupação previstas para ocorrerem na área do Parque Ecológico da Asa Sul são de edificações que estão dentro da poligonal do referido parque. A pasta destaca que o parque foi criado em 2003 e, desde então, novas ocupações não são permitidas.
O Ibram ainda aponta que esse tipo de unidade de conservação pretende preservar amostras dos ecossistemas naturais e propiciar a recuperação dos recursos hídricos e de áreas degradadas, promovendo sua revegetação com espécies nativas. "Essa unidade de conservação é conhecida como o berço das capivaras, que a utilizam com frequência para tomar banho de sol e nadar na lagoa que recebe água de uma nascente."
Em nota, o órgão diz que a retirada da desocupação iniciou em 2019, quando os ocupantes receberam auto de demolição. "A partir de então, a retirada seguiu para calendário de atendimento do Comitê de Gestão Integrada do Solo, onde, estipulou-se a sua efetivação para 2024", afirma o Ibram.
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Ação Civil Pública
A Defensoria Pública do Distrito Federal, por meio do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, também acompanha o caso. O órgão entrou com uma Ação Civil Pública (ACP) para suspender a operação, destacando a importância histórica da vila e questionando a forma arbitrária de remoção.
Os argumentos apresentados pela Defensoria é de que é necessário cumprir as diretrizes de direitos humanos determinadas pelo STF em casos de remoção de pessoas, tanto em operações judiciais quanto administrativas. Além disso, a defensora pública e chefe do Núcleo de Direitos Humanos DP-DF, Amanda Fernandes, destaca na ação que é essencial estabelecer diálogo com a comunidade afetada e instituições competentes.
A ACP também aponta que seja garantido a proteção do patrimônio cultural, como determina o artigo do PPCUB. Também a necessidade de resguardar espaços de práticas religiosas, como consta na Constituição Federal, além da necessidade regularidade do Parque Ecológico da Asa Sul. "Verificar a conformidade nos processos de criação, recategorização e no plano de manejo do Parque Ecológico", diz a especialista.
A defensora conta que, neste momento, é aguardada a apreciação pelo juízo da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF sobre os pedidos de urgência, diante da iminência de execução da operação demolitória. "A Defensoria reforça a importância de seguir os princípios legais e de direitos humanos, promovendo o diálogo e a busca por soluções justas e equilibradas para todos os envolvidos."
"A Defensoria Pública do Distrito Federal, através do seu Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, presta assistência jurídica à comunidade da Vila Cultural Cobra Coral desde 2019, por meio de atendimentos presenciais e remotos. O Ofício de Habitação, Assuntos Fundiários e Meio Ambiente tem competência para tratar de demandas coletivas de conflitos fundiários", também relata Amanda.
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O que diz o PPCUB?
O vilarejo foi incluído no no Plano Diretor de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), como patrimônio cultural, como mostra o artigo 67. No PPCUB, há uma expressa atribuição à Vila Cultural Cobra Coral a indicação de preservação, assegurando a resolução de questões fundiárias e uma série de garantias relacionadas a investidas de desocupação.
"Qualquer legislação anterior precisa ser lida de acordo com o novo PPCUB, que é a legislação mais atual, mais específica e que deve prevalecer. A nossa legislação distrital também já dá garantias à ocupação, em prol da perenização das inciativas culturais na Vila Cultural Cobra Coral", afirma o deputado distrital Fábio Felix (Psol).
A professora e moradora Ludiana Thaís avalia que "a remoção da Vila como algo ilegítimo e tendencioso. Inclusive, PPCUB foi assinado em outubro e a princípio pensávamos que isso iria nos favorecer, uma vez que havia a previsão de um estudo como patrimônio cultural imaterial."
Reconhecimento da Condepac
Atualmente, o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal (Condepac), vinculado à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec), está realizado um estudo sobre a vila, incluindo a produção de um documentário, como conta Carlos Basílio, representante da Comitiva da Vila Cultural Cobra Coral.
Uma medida de proteção também prevista na legislação de prevenção aprovada no PPCUB determina a obrigatoriedade da realização de um estudo para avaliar e reconhecer, ou não, a Vila. Para atender às exigências legais, o Condepac aprovou nesta semana a criação de um grupo de trabalho (GT) no âmbito do CT CUB.
A arquiteta urbanística e vice-presidente do Condepac, Angelina Nardelli, conta que o objetivo do GT é analisar, avaliar e propor diretrizes essenciais para a possível classificação da Vila Cobra Coral como patrimônio. "Durante a reunião, o secretário de Cultura, atendendo à solicitação dos conselheiros, comprometeu-se a elaborar um pedido formal para suspender a desocupação da Vila até a conclusão dos estudos", conta a arquiteta.
Ela ainda explica que para reconhecer a Vila Cobra Coral como patrimônio imaterial, é necessário um estudo detalhado, ainda não realizado. Esse processo está sendo iniciado pelo Conselho, com o objetivo de apoiar a comunidade e as secretarias responsáveis pela elaboração do documento.
Para a vice-presidente do órgão, o papel da comunidade agora é fornecer informações e documentação que ajudem na elaboração dos estudos, a fim de permitir uma melhor compreensão sobre o objeto. A elaboração de um dossiê que comprove os fatores que permitem a um lugar ser bem imaterial também são de extrema importância.
"Os aspectos que evidenciam os patrimônios imateriais de um lugar estão intrinsecamente ligados ao território e às práticas culturais coletivas, enriquecidos pelas trocas que ocorrem entre a população. Essas trocas se manifestam por meio de saberes, celebrações, formas de expressão e demais práticas culturais que fortalecem os laços comunitários e a identidade local", diz Angelina sobre a Vila Cultural.
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Apoio parlamentar
A comunidade tem recebido apoio de parlamentares do Distrito Federal, que reconhecem a importância do espaço, como os deputados distritais Chico Vigilante (PT), Gabriel Magno (PT), Max Maciel (Psol), Fábio Felix (Psol) e a deputada federal Érika Kokay (PT). Além de artistas, produtores culturais, ambientalistas, arquitetos e urbanistas.
O deputado distrital Fábio Felix informa que uma reunião foi feita com representantes da Procuradoria dos Direitos do Cidadão e da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, do MPDFT (Prodema), onde discutimos formas de mediação para evitar que a ação de despejo seja realizada, sobretudo da forma atropelada que está sendo feita. O que pode resultar em situações de arbitrariedade e violência contra a comunidade.
"São mais de duzentas famílias que vivem no local, que não foram ouvidas pelo GDF e sequer notificadas legalmente. A Vila Cultural Cobra Coral existe há mais de 40 anos. O governo não pode simplesmente chegar com o trator e destruir toda a tradição de grupos culturais, grupos religiosos de tradições de matriz africana e grupos de pessoas em situação de vulnerabilidade que moram ali."
Desde o último mês de outubro temos acompanhado a situação através da Comissão de Direitos Humanos da CLDF. Recebemos representantes da Associação Cultural Cobra Coral que denunciaram uma ação de derrubada que foi feito naquele período. Muitas famílias não tiveram a oportunidade de retirar seus pertences e acabaram perdendo tudo.
Oficiamos a Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística, questionando a falta de notificação prévia da ação de desocupação e de acompanhamento da política de assistência e de habitação.
Histórico
A Vila Cultural teve início em 1970 no Centro Espírita Cobra Coral, que, hoje, é o Centro Espírita Pai Joaquim de Aruanda. O centro recebe mais de 300 pessoas semanalmente para atendimentos espirituais. Os moradores contam que a vila é marcada por sua diversidade cultural, religiosa e populacional, compondo um ecossistema muito rico e complexo.
Carlos Basílio, representante da Vila, conta que a presença da sua família no vilarejo já soma mais de 20 anos. "Meu pai nasceu aqui, em um hospital que meu avô ajudou a construir, e assim como eu, meu filho e minha neta, somos parte dessa história. A nossa presença na vila já soma mais de 20 anos, e a Vila Cultural, por si só, é um local de grande riqueza cultural e patrimônio de Brasília", diz.
Além disso, a vila acolhe pessoas e oferece espaço para práticas culturais e religiosas diversas. No local, há o Centro Espírita, representações da Igreja Católica e Evangélica; o Fuá do Seu Estrelo, patrimônio cultural de Brasília; a Casa da Árvore, para eventos; o Cirque Inventado, onde são realizados projetos com crianças, aulas de capoeira e atividades de ecológica; e a Casa do Sr. Lauro, que é consciência um centro de atendimento de matrizes africanas.
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Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Flávia Quirino