Sob os lemas “não somos terroristas, tirem-nos da lista” e “acabem com o bloqueio”, milhares de cubanos marcharam em repúdio ao bloqueio mantido pelos Estados Unidos contra Cuba.
Com a presença de Raúl Castro e do presidente da República de Cuba, Miguel Díaz-Canel Bermúdez, a principal manifestação da "Marcha do Povo Combatente" ocorreu na capital Havana, na última sexta-feira (20), em frente à embaixada estadunidense. Paralelamente, foram realizados diversos eventos culturais e manifestações nas principais cidades do país.
Em breve discurso antes do início da mobilização, o presidente Díaz-Canel afirmou que a manifestação constituía uma demonstração da luta do povo cubano pela soberania, apesar dos obstáculos impostos pelo bloqueio.
Ele também destacou que, apesar da promessa de campanha do presidente Joe Biden, de retirar Cuba da unilateral “lista de países que patrocinam o terrorismo”, a menos de um mês do fim de seu mandato, ele não tinha adotado nenhuma medida para reverter a política de “pressão máxima” que o governo de Donald Trump impôs contra a ilha.
“Nas últimas semanas e dias, houve inúmeros pronunciamentos de personalidades dos EUA e de outras partes do mundo exigindo que [Joe] Biden faça uso de sua autoridade para pelo menos remover o nome de uma nação que nunca deveria ter estado nessa lista espúria”, afirmou o presidente.
Referindo-se aos setores de ultradireita sediados na Flórida, Díaz-Canel disse que “apontar Cuba como um Estado que supostamente patrocina o terrorismo é, no mínimo, falso e imoral, venha de onde vier a acusação. Mas o é duplamente quando a acusação vem do território norte-americano, onde atualmente treinam grupos paramilitares que organizam, promovem e financiam ações terroristas contra as estruturas sociais e econômicas de Cuba”, enfatizou o presidente.
A “Marcha do Povo Combatente”, como são chamadas as mobilizações contra o bloqueio, foi convocada pelo presidente Miguel Díaz-Canel no último dia 14, após seu discurso de fim de ano na sessão plenária do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, no qual afirmou que o país “está passando por um momento muito difícil”, onde “praticamente vive dia após dia”.
A “marcha combatente” costumava ser tradicionalmente convocada por Fidel. No entanto, nos últimos anos, a mobilização não tinha sido realizada. Segundo o governo, ao menos 500 mil pessoas participaram dos atos deste sábado.
O direito de ter uma vida normal
A manifestação deste sábado se estendeu até a noite. Durante várias horas, milhares de pessoas marcharam pelo tradicional Malecon de Havana, acompanhadas de batucadas musicais e intervenções artísticas exibidas em frente ao mar.
Sergio Jorge Pastrala, professor universitário, que chegou à manifestação com sua esposa, assegura que “não há como acusar Cuba de ser um país que patrocina o terrorismo”, enquanto enumera as diferentes ações de solidariedade que o povo cubano tem realizado, desde a luta contra o Apartheid na África até as campanhas de alfabetização em diferentes partes do continente latino-americano.
Para o professor, ao contrário do que diz Washington, Cuba é vítima do terrorismo. A política norte-americana contra Cuba é dirigida “contra todo um povo que sofre cada uma das limitações impostas ao país e que afetam todas essas pessoas na obtenção do necessário para a vida cotidiana, do necessário para poder manter uma família, para que os filhos possam estudar, para que possam ser atendidos nos hospitais, para que possamos levar uma vida normal”, pontua.
Ele também definiu como “totalmente injusto” classificar Cuba como um “país patrocinador do terrorismo” quando o próprio Departamento de Estado dos EUA indica que Cuba é “um país que coopera plenamente contra o terrorismo”.
“É um absurdo que o mesmo governo imponha duas medidas contraditórias que afetam um povo inteiro”, disse.
Para a médica Katria Trujillo, que participou da marcha com seus colegas do hospital, toda vez que Cuba é acusada de ser um país "terrorista", está se limitando o direito do povo cubano de viver em paz. Porque "eles estão limitando a possibilidade de todas as pessoas doentes poderem adquirir seus medicamentos", opinou.
Ela explicou ainda que, embora os medicamentos em Cuba sejam muito baratos (uma vez que são altamente subsidiados pelo Estado), o bloqueio torna cada vez mais difícil para o país ter acesso aos materiais usados para fabricá-los. Como resultado, os hospitais não estão tendo os suprimentos necessários para tratar seus pacientes.
“Do ponto de vista da oncologia, temos muitas limitações para tratar doenças que ameaçam a vida. É muito, muito triste ver como isso afeta as crianças. E acho que isso tem que acabar de uma vez por todas. É uma verdadeira calamidade o que estão fazendo contra nosso povo”, lamentou.
“Crime contra a humanidade”
Há mais de 60 anos, Cuba está sob um bloqueio dos Estados Unidos, a principal potência econômica e militar do mundo. Trata-se de uma medida de guerra não convencional, cujo objetivo explícito é sufocar a economia da ilha e, assim, enfraquecer seu sistema econômico e social. Atualmente, mais de 80% da população cubana tem vivido toda a sua vida sob o embargo.
Todos os anos, desde 1992, Cuba tem apresentado ao mais alto órgão deliberativo e representativo das Nações Unidas um projeto de resolução intitulado “A necessidade de pôr fim ao embargo econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos”. Todos os anos, desde então, a resolução foi aprovada por uma esmagadora maioria, com a única oposição vinda dos Estados Unidos e de Israel, que votam contra, com algum aliado ocasional.
Este ano, pela 32ª vez consecutiva, 187 países votaram contra o bloqueio dos EUA na Assembleia Geral da ONU. O documento aprovado pela ONU afirma que, somente entre 1º de março de 2023 e 29 de fevereiro de 2024, o bloqueio gerou uma perda estimada de 5,5 bilhões de dólares para Cuba, o que significa uma perda de mais de 421 milhões de dólares por mês.
Por sua vez, a Assembleia Geral da ONU descreve o bloqueio como “um crime contra a humanidade, um ato de genocídio e uma violação flagrante, maciça e sistemática dos direitos humanos de mais de 11 milhões de cubanos. É uma política cruel de punição”.
Edição: Geisa Marques