O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, nesta segunda-feira (23), o pagamento de cerca de R$ 4,2 bilhões que seriam movimentados pelo Congresso Nacional para a destinação de 5.449 emendas parlamentares de comissão, as chamadas "RP-8". O magistrado entendeu que a dinâmica de uso do dinheiro estaria fora dos limites da legalidade por ter pulado a fase de deliberações coletivas para definir como se daria o uso do dinheiro. Na mesma decisão, Dino determinou que a Polícia Federal (PF) instaure um inquérito para investigar o caso.
Dino determinou à Câmara dos Deputados que, dentro de cinco dias corridos, publique as atas das reuniões nas quais as 5.449 emendas teriam sido aprovadas, de forma que sejam indicadas ainda outras informações, como "qual meio foi empregado para sua publicidade". O ministro fixou que esses documentos devem ser encaminhados à Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do Poder Executivo por meio de ofício. Flávio Dino afirma, no despacho, que o STF deverá ser informado nos autos a respeito das informações solicitadas para que sejam tomadas novas deliberações judiciais.
"Somente será possível qualquer novo empenho ou pagamento de 'emenda de comissão' com o cotejo [comparação], pela autoridade administrativa responsável entre o ofício e as atas das comissões, com os requisitos já indicados, relativos à publicidade e rastreabilidade", impõe o magistrado.
Resposta
A decisão do magistrado atende a um pedido feito pela bancada do Psol no último dia 17, quando o partido questionou a legalidade de um ofício encaminhado por 17 líderes partidários ao Poder Executivo para detalhar e alterar o encaminhamento de emendas de comissão sem que o fluxo determinado para o uso das verbas tenha sido decidido durante os trabalhos dos colegiados, conforme determinam as regras. Ou seja, na prática, o ofício autoriza que não haja a fase de deliberação coletiva sobre o manuseio do dinheiro público e concentra nas mãos dos líderes de bancada a decisão sobre o uso dessa parcela do orçamento. A dinâmica instaura uma nova fase do orçamento secreto, que seria uma espécie de "emenda de líder".
O mandado de segurança apresentado pelo Psol ao STF se baseia em denúncia feita pela revista Piauí, que trouxe à tona a existência do ofício, cujo envio do Legislativo para o Executivo se deu de forma sigilosa e, portanto, longe dos holofotes da imprensa e da sociedade. Articulado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o documento foi assinado pelos líderes das siglas PSDB, PDT, PL, PP, PRD, Republicanos, Avante, PSD, Cidadania, Solidariedade, União Brasil, PSB, MDB, PV, Podemos e pelas próprias lideranças do PT e do governo Lula.
O envio do ofício ao Planalto ocorreu no mesmo dia em que, horas antes, Lira havia determinado o cancelamento das atividades previstas para as comissões legislativas até o final do ano. Na ocasião, o pepista alegou que o objetivo seria concentrar os trabalhos no plenário para que a Casa pudesse dar conta de todas as votações pendentes. A investigação da Piauí indica que o referido cancelamento e o ofício teriam sido arquitetados e articulados de forma conjunta com o objetivo de ampliar a influência de Lira sobre o fluxo do dinheiro das RP-8.
O presidente da Câmara estaria interessado em encaminhar uma fatia maior das emendas somente para Alagoas, estado onde tem base eleitoral e pelo qual projeta uma candidatura ao Senado em 2026. Ao averiguar detalhes das informações contidas nas 189 laudas do ofício, a Piauí identificou um conjunto de novas indicações de emendas que somam R$ 180 milhões e outras alterações no valor de R$ 98 milhões, com a maior parte desses valores sendo destinada a Alagoas.
Além do mandado de segurança do Psol, outras provocações a respeito do assunto chegaram ao Supremo por meio de petições encaminhadas pelo Poder Executivo e ainda por intermédio do partido Novo e de entidades civis. Além da sigla, as organizações Transparência Brasil, Transparência Internacional, Associação Contas Abertas e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) atuam no processo como amici curiae [amigos da Corte].
"É significativo destacar que parlamentares de diferentes agremiações partidárias também têm apontado fatos que desbordam em muito da Constituição, pois não se trata de normal exercício de autonomia institucional ou de saudável celebração de pactos políticos", observa Flávio Dino, em um dos trechos do despacho. A decisão do ministro cita, por exemplo, manifestações críticas feitas pelos deputados José Rocha (União-BA) e Adriana Ventura (Novo-SP), publicadas na Revista Piauí, assim como do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), que, na última semana, chegou a defender, em plenário, a instauração de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para apurar a destinação de emendas.
"Os recentes 'cortes de gastos' deliberados pelos Poderes Executivo e Legislativo tornam ainda mais paradoxal que se verifique a persistente inobservância de deveres constitucionais e legais – aprovados pelo Congresso Nacional – quanto à transparência, à rastreabilidade e à eficiência na aplicação de bilhões de reais. Realço, mais uma vez, que o devido processo legal orçamentário tem um objetivo maior, conforme a Carta Magna: 'A efetiva entrega de bens e serviços à sociedade'", emenda Flávio Dino, ao citar o artigo 165 da Constituição Federal.
Outras deliberações
O despacho de Flávio Dino nesta segunda (23) se deu no âmbito das ações judiciais que tratam do orçamento secreto, das chamadas "emendas Pix" e das emendas impositivas, das quais o ministro é relator. Na decisão, o magistrado expediu determinações também para outras instituições além da Câmara e da PF. Flávio Dino fixou diretrizes para o Ministério Público Federal (MPF), a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Saúde (MS), cabendo a este último, por exemplo, notificar gestores estaduais e municipais dentro de 48 horas para que bloqueiem o uso do dinheiro em questão.
"O Poder Executivo só poderá executar as emendas parlamentares relativas ao ano de 2025 com a conclusão de todas as medidas corretivas já ordenadas, notadamente as adequações no Portal da Transparência e na plataforma Transferegov.br, com o registro de todas as informações a serem fornecidas pelo Legislativo e pelos órgãos do Executivo, nos exatos termos das decisões do plenário do STF", afirma Dino. A Corte julga o caso do orçamento secreto desde 2022.
Reação
Em conversa com o Brasil de Fato, o deputado Glauber Braga (RJ), que liderou o mandado de segurança apresentado pelo Psol, disse considerar a decisão de Dino "justa e necessária". "Não tem como mais a gente conviver com essa realidade de orçamento secreto. Você teve uma decisão do STF, teve um projeto aprovado na Câmara e, ainda assim, os caras se sentiram à vontade, nessa articulação do Lira, de passar por cima dessas decisões e mandarem um ofício para a SRI sem transparência, sem debate nas comissões, sem registro em ata. Então, o que faz a decisão do ministro é recuperar a legalidade, o mínimo de transparência para a execução dessas emendas", comenta.
"Se não bastasse o fato de hoje o Congresso controlar bilhões de orçamento público, que deveriam ser utilizados pelos ministérios, ele ainda o faz sem transparência. Isso não tem o menor cabimento. Ainda bem que o ministro Flávio Dino acolheu essa ação do Psol", emenda Glauber Braga.
Edição: Thalita Pires