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Mais do mesmo no governo Lula 3: menos não é mais

Apesar de avanços econômicos, austeridade ameaça crescimento, inclusão social e aprovação do governo

Rio de Janeiro (RJ) |
Desafios econômicos e escolhas fiscais marcam o terceiro mandato do petista - Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

O presidente Lula chega à metade do seu terceiro mandato apresentando excelentes resultados econômicos que, no entanto, não se traduzem em números tão positivos a respeito de sua popularidade. Para além de uma – em certa medida correta – autocrítica à comunicação do governo, o caminho escolhido vai na direção de uma austeridade que não irá melhorar a popularidade do presidente, e ainda implicará desaceleração econômica, ameaçando a continuidade do seu projeto político. 

Os números positivos da economia são incontestáveis. A taxa de crescimento do PIB mais que dobrou em 2023 e 2024 em relação à média observada entre 2017 e 2022, em larga medida embalada pelo expansionismo fiscal. Este foi causado principalmente pela PEC da Transição, pelos gastos com precatórios e pela expansão dos dispêndios obrigatórios, dados os substanciais aumentos do salário mínimo. E com maiores taxas de crescimento o desemprego tem caído continuamente, atingindo níveis historicamente baixos, ainda que ao mesmo tempo se observe um intenso processo de precarização do trabalho. 

A inflação, por sua vez, encontra-se controlada, tendo ficado dentro do intervalo da meta em 2023 e provavelmente ficando ligeiramente acima do teto em 2024, impactada pela disparada do dólar e por choques de oferta no setor agropecuário. Tais choques, se não podem ser evitados, podem ao menos ser mitigados com recurso aos estoques reguladores, retomados em 2023 após seis anos de abandono. A evolução do dólar, por outro lado, é fortemente influenciada pela atuação do Banco Central (BC). Ocorre que, do início de 2023 até meados de 2024, o BC reduziu drasticamente sua intervenção no mercado de câmbio (por meio da venda de dólares ou de contratos de swap cambial), permitindo uma forte desvalorização do Real. 

Com a disparada do dólar, há pressão sobre a inflação, e o BC se vê induzido a elevar os juros. Esta elevação atrai dólares e tende a segurar a cotação da moeda. Apesar de o discurso oficial do BC ser o de combate à inflação pelo desaquecimento da demanda, é pelo canal do câmbio que ele atua principalmente, dada a importância deste na evolução dos preços. Não à toa, os anos em que a inflação excedeu a casa dos 10% neste século (2002, 2015 e 2021) foram marcados por fortes desvalorizações cambiais.  

Para que haja uma tendência de inflação de demanda, é preciso que a economia esteja em seu limite, sem capacidade de aumentar a produção. Ou seja, que todo capital (meios de produção, como máquinas e equipamentos) esteja no seu grau máximo de utilização e que toda a mão de obra já esteja sendo empregada. Ocorre que a capacidade instalada não está sendo plenamente utilizada, e que é possível expandi-la: o capital pode ser produzido pela economia e/ou importado. Também não é razoável falar em escassez de mão de obra – a não ser pontualmente em determinados setores – em um país onde a taxa de participação (percentual da população em idade ativa que está na força de trabalho) situa-se na casa dos 62% e no qual cerca de 40% da mão de obra empregada está na informalidade. Tem-se, assim, um enorme reservatório de mão de obra que poderia passar a participar do mercado de trabalho ou ser absorvido pelos setores formais.  

Seja qual for a causa da inflação, como uma quebra de safra ou um choque no preço do petróleo, o BC eleva os juros, como se esta medida dura (que implica desaquecimento da economia, concentração de renda e deterioração das contas públicas) servisse para todos os tipos de inflação. Não bastasse essa forma míope de atuação da autoridade monetária, o Brasil ainda conta com uma das taxas de juros reais mais altas do mundo. Se o BC independente atua claramente na direção de desacelerar a economia, resta a ferramenta da política fiscal para ser usada pelo governo para estimular o crescimento. Foi o que ocorreu em 2023 e 2024. 

É neste contexto que se chega à guinada na política fiscal, conforme o famigerado arcabouço fiscal vai limitando a política econômica. À exemplo de 2015, o governo cede às pressões do mercado financeiro e contraria as promessas de campanha, não só contendo a expansão dos gastos, como focando a contenção nas remunerações/transferências das parcelas mais vulneráveis da população: trabalhadores de mais baixos salários, aposentados e pessoas com deficiência. 

Assim como foi feito com os militares, o governo evita o enfrentamento com o mercado financeiro, desacelerando de forma voluntária seus gastos, o que impactará diretamente o crescimento econômico e as populações mais necessitadas. Isto obviamente vai se refletir em piora na popularidade do governo. Além disso, como o terrorismo da grande mídia nas últimas semanas tem demonstrado, as medidas anunciadas são sempre vistas como insuficientes, o que gera mais pressão por mais austeridade. Nós já vimos esse filme antes e o final não é bom. 

*Luciano Alencar é doutor pelo Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Thalita Pires