Especulação?

O que explica a recente alta do dólar?

Brasil tornou-se um lugar propício para especulação com a taxa de câmbio, potencializado pela leniência do Banco Central

Rio de Janeiro |
depreciação da moeda brasileira em relação ao dólar caiu como uma luva para setores interessados em impor seu projeto de sociedade neoliberal - Mauro Pimentel/AFP

Nas últimas semanas a economia voltou a ser cenário das principais notícias do país. O motivo: a alta do dólar. Se há um relativo consenso do quão preocupante é essa apreciação da moeda estadunidense para a vida dos brasileiros, impactando – sobretudo – na inflação, há – por outro lado – diversas interpretações sobre as causas, essas nada consensuais. 

A depreciação da moeda brasileira em relação ao dólar caiu como uma luva nas mãos daqueles setores que querem não somente desestabilizar o governo Lula, mas também utilizar a desvalorização para impor seu projeto de sociedade, que consiste na redução do tamanho Estado e na impossibilidade de manutenção – quem dirá do aumento! – dos direitos econômicos sociais previstos na Constituição de 1988. 

Há um coro, quase senso comum, de que a valorização do dólar com relação ao real tem como motivo o desequilíbrio das contas públicas. A historinha é contada, mais ou menos, assim:

Capítulo 1: O Governo gasta demais, principalmente porque o Estado é ineficiente, corrupto e inchado, com excesso de servidores e políticas sociais.

Capítulo 2: A consequência do “excesso” de gastos é o endividamento público e a inflação, pois o excesso de gastos força o governo a emitir mais dívida e superaquece a economia.

Capítulo 3: Com uma dívida alta, aparece o risco de calote, além do aumento dos juros para o setor privado. Diante desse prospecto, ocorre que os donos da riqueza abandonam o país, levando seus dólares e enfraquecendo o real. A desvalorização do real, portanto, seria um sinal de que as coisas não vão bem.

Grand finale: A solução entoada para todas as mazelas brasileira é aplicar um programa robusto de corte de gastos, o que retomaria a confiança na economia brasileira e tornaria o país mais atraente para os investidores internacionais..

Ledo engano. 

Em primeiro lugar porque embora tamanho terrorismo econômico, a economia vai muito bem, obrigada. O desemprego está em níveis baixíssimos; crescimento do PIB muito além do projetado pelos mercados; a renda média e a massa salarial têm subido; a inflação segue baixa e controlada e o Brasil não tem dívida externa.

Aliás, a única notícia ruim é que a pressão dos mercados é tão grande que o discurso do controle sobre os gastos públicos chegou ao Governo Federal, que tem tentado dar com uma mão e tirar com a outra.  

Mas se pelo lado da economia real está tudo bem, o que explica o fenômeno, também real, da depreciação da taxa de câmbio?

São basicamente dois fatores:

1) o primeiro deles é o que, de modo geral, sempre determinou o comportamento da nossa moeda, que é o cenário externo. Com a alta dos juros nos EUA e com todo o cenário de incertezas globais, os donos da riqueza financeira, tendem a se refugiar no local mais seguro, que são os títulos da dívida americana, reduzindo seu apetite pelo risco. É isso que explica que praticamente todas as moedas do mundo têm se desvalorizado com relação ao dólar americano, envolvendo países como México, Turquia, Austrália e tantos outros, que têm desequilíbrios ficais e inflação superior à brasileira. Portanto, as questões domésticas têm muito menos impacto sobre o câmbio do que as externas. 

2) O segundo fator, e o mais importante, são as facilidades que existem no Brasil para especulação com a taxa de câmbio e a leniência do Banco Central em atuar para evitar desequilíbrios abruptos na flutuação da moeda brasileira. O Banco Central só atua no mercado de câmbio quando identifica algum evento anormal que cause falta ou excesso de liquidez, sem ter nenhuma política definida para a taxa de câmbio. E mesmo esta atuação excepcional se tornou rara depois que Bolsonaro saiu da presidência. A abertura do mercado de câmbio faz do real – há muito tempo – a moeda mais volátil dentre as moedas relevantes do sistema internacional. 

Especuladores no comando

O mercado de câmbio é extremamente volátil no Brasil e é muito mais suscetível à especulação financeira. Isso, mais uma vez, explica porque em países com desequilíbrio fiscal e dívida pública muito maior do que a brasileira, as moedas nacionais flutuam menos.  

Diferentemente do apregoado, não é a fuga de capitais nem mesmo a saída de recursos por fluxo de capitais o que determinou os movimentos recentes da taxa de câmbio no Brasil. Ela é explicada, principalmente, pela especulação nos mercados de derivativos de câmbio.  

O colunista José Paulo Kupfer, do UOL, nos lembra que o mercado brasileiro de dólar à vista é pequeno, não está nem entre os 20 maiores do mundo em volume diário de transações de compra e venda. No entanto, o mercado de derivativos de dólar, de contratos de dólar na bolsa brasileira é o segundo maior, perdendo apenas para os Estados Unidos.

Os mercados de derivativos cambiais permitem que investidores atuem de forma mais alavancada, tomando empréstimos para apostarem em uma mudança de cotação. Quando há um pensamento único entre os donos e operadores do dinheiro, formam-se movimentos de manada, potencializados pelos derivativos. 

É bom lembrar que em 2012, por exemplo, havia controle de capitais sobre os derivativos. Isso não significava uma taxa de câmbio fixa, mas ela flutuava em uma banda muito menor e os especuladores incorriam em custos quando aceleravam sua atividade. A ausência desses mecanismos de contenção dos excessos de especulação e a demonstração de negligência do Banco Central sinalizam aos investidores que aqui não há controle, o que os deixa livre para ganhar muito dinheiro especulando. 

O Banco Central quase não fez operações, nem de leilões de dólares nem de swap cambial até o ápice da crise em dezembro, negligenciando suas funções e os instrumentos que o Brasil tem para isso, sobretudo as reservas cambiais. Para piorar, o presidente do Banco Central atacava a política fiscal e, assim corroborava a leitura dos agentes de mercado e garantia, implicitamente, que a aposta contra nossa moeda estava correta. 

Além dos controles de capitais de curto-prazo (mesmo relativamente limitados), a política econômica de 2012 trabalhava com uma faixa para a cotação do dólar. Todos os agentes do mercado sabiam que, caso tentassem apostar em um movimento especulativo muito agressivo, teriam que peitar a atuação do Banco Central, sustentada pelas reservas internacionais do Brasil.

O simples fato de o Banco Central e a equipe econômica comunicarem que poderiam intervir caso as coisas saíssem do controle já era suficiente para desestimular movimentos especulativos mais agressivos, pois os investidores sabiam que o risco seria grande.

A retomada das intervenções no mercado de câmbio em dezembro foi, portanto, uma excelente notícia. A mudança na presidência do Banco Central também deve ter um efeito positivo: ainda que não se espere grandes revoluções por parte de Gabriel Galípolo, uma comunicação menos agressiva, combinada com as intervenções no mercado de câmbio, já terá potencial para aumentar o custo de apostas especulativas contrárias aos fundamentos da economia brasileira. 

Com uma atuação mais responsável no mercado de câmbio e na comunicação, espera-se que o Banco Central também possa recorrer menos ao remédio amargo de juros (mais!) altos para segurar o dólar e, consequentemente, a inflação.  

Edição: Rodrigo Chagas