O juiz federal Leonardo Tocchetto Pauperio, que deferiu um pedido de liminar nesta terça-feira (24) para suspender uma norma técnica do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) sobre aborto legal, é olavista, antivacina e defendeu a revisão da Constituição por considerar que o documento tem um "exagero de direitos".
A decisão de Pauperio atendeu a um mandado de segurança impetrado pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF). A parlamentar alegou que houve atropelo regimental na votação da resolução, já que um pedido de vista feito por um conselheiro representante da Casa Civil do governo federal foi rejeitado pela presidente do Conanda, Marina De Pol Poniwas.
Professor do curso de Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Pauperio utiliza textos do filósofo Olavo de Carvalho como material de referência em suas aulas. O Brasil de Fato teve acesso a uma imagem de uma apresentação que o docente preparou para seus alunos, em que ele apresenta o método "pé-na-porta", atribuído ao mentor da extrema direita brasileira, para discutir práticas pedagógicas e "doutrinação" nas escolas.
Em fevereiro de 2022, o juiz obteve um mandado de segurança que lhe garantiu o direito de acessar a UFBA sem apresentar comprovante de vacinação contra a covid-19. A decisão contrariou normas da universidade, que exigiam o passaporte de vacinação como parte de suas medidas de contenção da disseminação do vírus, segundo orientações do Ministério da Saúde.
Em 6 de março de 2022, Pauperio publicou um artigo no site Poder360 defendendo a revisão da Constituição Federal. Ele argumentou que o texto atual possui um "excesso de direitos" e que essa revisão seria necessária para equilibrar responsabilidades do Estado e dos cidadãos.
Segundo Pauperio, "o primeiro receio foi o de restabelecer e garantir direitos, que permaneceram suspensos, negados ou enfraquecidos durante mais de duas décadas. O resultado disso? Um exagero de direitos. A prova disso? A palavra 'direito' é mencionada 194 vezes ao longo do texto constitucional; a palavra 'dever', apenas 51."
O Brasil de Fato tentou contato com o juiz Leonardo Tocchetto Pauperio via UFBA e Justiça Federal do Distrito Federal. Até o fechamento da matéria, não houve retorno. Caso haja, o texto será atualizado.
Entenda o caso
O Conanda aprovou nesta segunda (23) uma resolução que fixa diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes em casos de aborto legal. Ao longo de 22 páginas, o texto traz definições gerais relacionadas ao tema; diretrizes sobre a prevenção da violência sexual e da gestação na infância, com a indicação dos deveres que cabe às instâncias do Estado diante de casos do tipo, entre outras coisas. A resolução enumera ainda uma série de orientações sobre como deve se dar o atendimento de casos de violência no âmbito do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA).
O juiz Leonardo Tocchetto Pauperio acolheu a argumentação de Damares Alves, que afirmou que a resolução aprovada não definiu o limite de tempo gestacional para realização do aborto legal e que o Conanda estabeleceu que a vontade da criança ou adolescente gestante deveria prevalecer sobre a de seus pais ou responsáveis legais, quando não concordasse com eles. Para Damares, isso provocaria "relevante clamor social".
O texto foi aprovado no conselho por 15 votos a 13. Todos os representantes da sociedade civil votaram a favor da resolução, enquanto os 13 representantes de órgãos do governo federal foram contra. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) divulgou uma nota em que argumenta que o texto aprovado "apresentava definições que só poderiam ser dispostas em Leis - a serem aprovadas pelo Congresso Nacional, indicando a necessidade de aperfeiçoamento e revisão de texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço legal brasileiro".
A pasta argumentou, ainda, que fez um pedido de vista em relação à minuta apresentada, mas que a solicitação não foi aceita em votação do conselho. Em entrevista ao Brasil de Fato, Marina de Pol Poniwas, presidenta do Conanda, argumentou que o pedido do MDHC era o segundo em sequência realizado pelo governo federal. O primeiro, realizado pela Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que está dentro da estrutura do MDHC, foi concedido no dia 2 de dezembro. Após 20 dias, o texto voltou à pauta do conselho e foi aprovado.
Pol Poniwas afirma que "todo o rito foi legítimo". "O pedido foi concedido e, quando ela pede vistas, a gente automaticamente interrompe a discussão do mérito para que ela possa ter o seu direito previsto regimentalmente de forma garantida", disse.
A discordância interna foi utilizada por Pauperio em sua decisão. Ele escreveu, em resposta ao pedido de Damares, que "o pedido de vistas é um direito ao mesmo tempo que um dever, pois refere-se diretamente à aplicação de política pública de grande relevância social", como é o caso do aborto legal de menores de idade.
Edição: Thalita Pires