O ano de 2024 foi marcado pelo debate em torno da regulamentação da reforma tributária no Congresso Nacional. Entre as diversas temáticas que o texto abrange, uma pauta em específico mobilizou movimentos populares, sociedade civil e forças políticas: o chamado Imposto Seletivo, que prevê uma cobrança maior de tributos para produtos que fazem mal à saúde.
Ele faz parte do conjunto de medidas destinadas a mudanças tributárias sobre o consumo, que foram aprovadas em 2023. Já em fevereiro, o governo sinalizou prioridade para o debate em torno dessa regulamentação. O assunto foi citado na mensagem enviada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional por ocasião da abertura dos trabalhos do parlamento.
Embora a pauta do imposto seletivo seja histórica para o setor da saúde, o debate deste ano alcançou novos patamares e chegou às redes sociais e à população. Em entrevista ao Brasil de Fato, a socióloga Paula Johns, diretora executiva da ACT Promoção da Saúde, afirmou que o destaque recebido pelo tema abre espaço para democratizar as informações sobre o sistema de cobrança de tributos no Brasil.
"Se pensarmos na reforma tributária como um todo, ela é gigantesca. Ela muda completamente o sistema tributário no Brasil. O fato de um ponto da reforma ter recebido destaque no debate público diz muito sobre o tamanho dessa conquista."
O texto geral da reforma tributária, aprovado em 2023, prevê o imposto seletivo como forma de frear o consumo de produtos nocivos. Na lista final poderiam entrar itens como bebidas alcoólicas, cigarros, alimentos ultraprocessados, produtos poluentes – de veículos a carvão – agrotóxicos, além de armas e munições.
Vista como uma vitória para a saúde pública, a aprovação em 2023 ainda guardava o desafio da regulamentação. Isso incluía os produtos a serem taxados e de quanto seriam as alíquotas. O processo abriu espaço para um verdadeiro balcão de negociações no Congresso, com diversos setores interessados em evitar a sobretaxa.
Segundo Paula Johns, a efetividade do imposto seletivo dependerá da capacidade de resistir à pressão do setor produtivo. "Temos ainda a discussão de se vai funcionar ou não. Vai depender do quanto vamos conseguir alcançar nessa discussão das alíquotas. Obviamente, para o setor produtivo, a principal briga é pagar menos imposto. Qualquer empresa quer pagar menos impostos e, realmente, investem muito dinheiro de lobby nisso."
O que entrou no texto final?
Frente à influência das indústrias, movimentos populares e sociedade civil travaram uma verdadeira batalha ao longo da regulamentação. A primeira versão do texto foi aprovada no plenário da Câmara dos Deputados em julho com mais de 500 artigos. Durante a votação foram apresentadas mais de 800 emendas. Uma parte considerável dela tratava da lista de produtos sujeitos ao imposto seletivo.
Ao fim dos debates, 25 itens foram incluídos na lista. Entre eles, cigarros, charutos e outros fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, bens minerais, aeronaves, embarcações, jogos de azar e do tipo fantasy sport, que promovem competições online. Alimentos ultraprocessados, agrotóxicos armas e munições ficaram de fora.
O texto seguiu para o Senado, que realizou 13 audiências sobre o tema. Nesse processo foram apresentadas quase 2 mil emendas. Uma delas retirou as bebidas açucaradas da lista de produtos sobretaxados. Foi também no debate entre senadores e senadoras que se cogitou incluir armas, munições e plástico nessa relação. Mas essas mudanças não passaram para a versão final da proposta.
De volta à Câmara em dezembro, para análise das mudanças, a regulamentação foi incluída entre os assuntos com votação prioritária ainda em 2024. Por fim, deputados e deputadas rejeitaram as alterações propostas pelo Senado, e o projeto foi aprovado com a primeira versão da lista do Imposto Seletivo.
Embora os ultraprocessados não tenham entrado na decisão final, a reforma tributária determina a desoneração de mais de 20 alimentos in natura e minimamente processados que compõem a cesta básica. "É a primeira vez que a cesta básica tem um alinhamento com o Guia Alimentar para a População Brasileira, uma política que tem como meta uma alimentação adequada e saudável para toda a população", destacou Paula Johns.
Para ela, a decisão final sobre a reforma tem elementos positivos e deve ser comemorada. Mas será preciso dar continuidade aos debates sobre os produtos que trazem malefícios e não entraram na lista dos que deverão pagar mais impostos. "Não é o presente de Natal com o embrulho que queríamos. Vamos querer um presente melhor ainda no ano que vem e para as próximas décadas. Mas é algo a se comemorar sim."
E agora?
A reforma tributária terá efeito total sobre a cobrança de impostos no país apenas a partir de 2032. O período de transição começa em 2026, com redução e aumento gradual dos impostos existentes. No caso do Imposto Seletivo, a implementação está prevista para 2027.
Ainda de acordo com as normas aprovadas, a cada cinco anos será realizada uma revisão das alíquotas e benefícios fiscais. A ideia é garantir ajustes e correções. Com isso abre-se espaço para a inclusão de novos produtos no tributo.
Paula Johns avaliou que mesmo os produtos que ficaram de fora do imposto seletivo agora estão no debate público sobre a saúde. Segundo ela, as ações nesse campo não podem estar apartadas das discussões econômicas e têm um peso importante na garantia de direitos para as populações, principalmente as mais precarizadas.
"Precisamos avançar cada vez mais nesse ganho de entendimento da interconexão entre as coisas. Se faz mal para a saúde, faz mal pro planeta e amplia as desigualdades de diversas formas. É incrível o que alcançamos enquanto país e como conseguimos pautar esses temas."
Edição: Rodrigo Gomes