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Ayahuasca: movimento psicodélico brasileiro precisa de mais conexão em 2025

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Não se trata de impor dogmas para o uso, mas ignorar o modus operandi dos povos nativos e inventar um novo que esvazia o sentido é realmente "comprar bilhete para lugar nenhum", como disse Ailton Krenak - Carlos Costa/Arquivo Pessoal
Quando vejo a espiritualidade sendo retirada da experiência, eu fico perplexa

Se tem algo bem nítido acontecendo no movimento psicodélico nacional é a desconexão com a essência de substâncias botânicas como a ayahuasca. O potencial terapêutico dessa medicina tradicional indígena tem sido visto por muita gente como uma mina de ouro. São verdadeiros garimpeiros dos conhecimentos nativos, já traçando uma analogia com a destruição promovida pelos garimpos.

Toda a espiritualidade e as questões sociais que envolvem essa substância são deixadas de lado ou completamente ignoradas em nome de algo que parece e é muito nobre: a saúde das pessoas. Mas saúde para quem? Como? A que custo? Já outros usam a saúde como cortina de fumaça para esconder seus reais interesses financeiros. Assim se mostram muito viçosos aos olhos da sociedade, mas não passam de parasitas que fagocitam culturas e saberes ancestrais.

Quando vejo a espiritualidade sendo retirada da experiência, eu fico perplexa. Isso porque, como ayahuasqueira e daimista que saiu de uma vida de puro ceticismo, eu não consigo pensar que exista a possibilidade de separação. Não confunda espiritualidade com religião. Não se trata de impor dogmas para o uso, mas ignorar o modus operandi dos povos nativos e inventar um novo que esvazia o sentido é realmente "comprar bilhete para lugar nenhum", como disse Ailton Krenak

Pode parecer um exagero dizer isso quando a ciência moderna tem apresentado pesquisas que demonstram o potencial terapêutico dessa substância, mas é sim algo ínfimo perto da magnitude do que esse ancestral pode oferecer de real cura, transformação e conexão com os espíritos. Isso não é uma tentativa de deslegitimar o bem que a ayahuasca faz no contexto terapêutico, mas reduzir a ayahuasca a uma mera ferramenta de equilíbrio químico do cérebro é, no mínimo, um desperdício com um preço social bem caro, que é o apagamento e a invisibilidade dos saberes nativos.

Esse espírito ancestral que é o chá pede conexão, ritualização, respeito, reparação histórica, confluência com seus guardiões… E não estou falando do uso individualizado, estou apontando para quem lucra em cima desses recursos que agregam capitais muito além do dinheiro, mas que são encapsulados para a comercialização do bem-estar, que é prejudicado justamente por esse próprio ciclo defasado do capitalismo atual em que enfiaram a ayahuasca.

Fora que a coisa já tomou uma proporção tão grande e parceira do capitalismo que está cheio de terapeutas, psicólogos e afins que sequer tiveram uma experiência com o chá, mas já estão ansiosos para oferecer caras sessões aos seus pacientes e se achando aptos a trabalharem com sessões de "integração psicodélica". É um escárnio.

Portanto, desejo conexão em 2025 para quem ainda não entendeu o valor dessa substância na cura não de indivíduos privilegiados, mas na cura do planeta a partir de uma mudança de mentalidade que só pode acontecer através de uma profunda conexão com a natureza e o desenvolvimento de uma nova forma de estar na vida longe das garras desse falido e destruidor capitalismo.
 

Edição: Nicolau Soares