Coluna

Cultura do grau, do bem e do mal

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Parando cwb: evento de grau reúne ciclistas em Curitiba (PR) - Foto: @By.Doug
O grau com a bike é uma diversão, mas, na moto, um grande problema

Dar grau é uma atividade com bicicleta exercida predominantemente por menores de idade que moram nas periferias das cidades brasileiras. Consiste em empinar as rodas dianteira ou traseira pela maior distância possível, ao mesmo tempo em que cruzam as mãos, as pernas, ou usando só uma delas. A graça da brincadeira é fazer o maior número de variações em uma só roda e ficar o maior tempo deslizando pelo asfalto. Aos domingos, milhares de adolescentes saem das suas quebradas para fazer encontros memoráveis nos parques e bairros com ruas largas e calmas para passar horas exibindo as habilidades.

Quando fazem esses rolezinhos, se reúnem em grupos de mais de 100, 200, 500 integrantes e geralmente estão em bicicletas muito simples de banco baixinho e garupa. Preferem calçar chinelos e, ao invés da roupa de lycra, capacete e luvinhas, vestem boné, bermudões e camisetas largas e bem coloridas onde exibem por cima uma correntinha reluzente. Por motivos óbvios de estarem em espaços da classe média, essas reuniões tornam-se frequentemente alvos das intimidações de agentes da segurança pública. Quando isso não acontece, é algo muito legal de se ver.

O grau tem deixado gente famosa. Um post da adolescente Isa do Grau, de Goiânia (GO), no Instagram pode gerar mais de 30 mil curtidas. Mas se ela fizer um colab com o Grabriel Sena, pode ultrapassar os 60 mil. Não é pouco. Ela possui 456 mil seguidores e seu colega, 666 mil. Apesar da pouca idade, eles têm mais audiência do que Renata Falzoni (165 mil seguidores), a ciclista mais famosa do Brasil, pelo menos para integrantes da bolha à qual pertenço.

A meta dessa rapaziada é vencer na vida. Isa e Gabriel não falam de mobilidade, nem de Mountain Bike (MTB) ou cicloativismo. A parada deles é gravar vídeos onde ensinam outros garotos e garotas a aprimorar a técnica do grau, que também conhecido como wheeling, em inglês, e serem chamados para fazer propagandas. Em um post de outro Gabriel, mas de Curitiba, embalado por um funk ostentação, o menor de idade aparece exibindo um automóvel de luxo como parte do sucesso alcançado. Pois é: o grau dá dinheiro e não é de hoje.

Antes da era do Instagram, vídeos do grau de bike eram mais comuns no YouTube, onde ainda é rei, Hudson Xavier, cria do Grajaú, extremo Sul da cidade de São Paulo. É o segundo maior influencer da bicicleta das Américas naquela rede. Seu Portal Wheeling, tem 3,65 milhões de assinantes (Falzoni tem 423 mil). Além de ensinar vários macetes da acrobacia, Xavier promove eventos nacionais e a marca própria de quadros e acessórios de bicicleta que ele criou junto com o pai, seu empresário.

Existem alguns encontros dessa meninada que deixam no chinelo qualquer Massa Crítica, aquele movimento de ativistas da bicicleta que começou em São Francisco, cidade do estado da Califórnia nos Estados Unidos, para protestar pela segurança dos ciclistas e que, aqui em São Paulo, já foi grande e hoje não atrai meia dúzia de pessoas, quando atrai.

Já a galera do grau não tem intenção de protestar por nada, pois a meta deles é outra: arrumar dinheiro para comprar uma motocicleta, que chamam de foguete, e partir para outra categoria do grau, que também possui centenas de milhares de adeptos em todo o país.

Com tanto garoto e garota dando grau nas favelas, por que isso não se transforma em aumento de gente usando a bicicleta para se locomover? Simples: nas quebradas, bicicleta é geralmente vista como coisa de criança. O que dá prestígio e dinheiro são as motocas, que promovem uma ascensão social, já que se pode ajudar a família sobretudo trabalhando com entregas e vai-se mais longe e mais rápido.

Dar grau com elas, todavia, fica muito mais emocionante, mas substancialmente perigoso. Uma trombada entre ciclistas tem um impacto físico menor do que entre motociclistas. Além disso, têm sido comuns os atropelamentos de crianças e idosos por motociclistas que fazem essa acrobacia nas ruas estreitas das quebradas. Nas ruas da Cidade Tiradentes, extremo Leste da capital paulista, há dezenas de faixas nas ruas alertando para não se empinar as motos por ali, sob pena de sanções promovidas por grupos fora da lei que dominam a região. O grau com a bike é uma diversão, mas, na moto, um grande problema de saúde pública ao qual não se está dando a devida atenção.

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Edição: Martina Medina