O governo brasileiro deve enviar a embaixadora em Caracas, Glivânia Maria de Oliveira, para a posse do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro. No próximo dia 10 de janeiro, o venezuelano fará o juramento na Assembleia Nacional para o terceiro mandato, que vai de 2025 a 2031.
A informação foi divulgada inicialmente pelo UOL e confirmada por fontes da diplomacia brasileira ao Brasil de Fato. A leitura do governo é de que isso ajudaria a baixar ainda mais uma tensão entre os dois países que foi escalando depois da eleição de Nicolás Maduro.
A crise diplomática foi levemente amenizada depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou respeitar as instituições venezuelanas. Segundo Maduro, a fala foi uma reflexão “sábia” do petista e completou: “Ponto a favor de Lula”.
Segundo apurou a reportagem, a diplomacia brasileira ainda espera o convite formal do governo venezuelano. A falta desse convite faltando uma semana para a posse, no entanto, não preocupa diplomatas ouvidos pelo Brasil de Fato. Cada posse de presidente ao redor do mundo é feita de maneira diferente e os convites são feitos, de maneira geral, em cima da hora e tendem a variar de acordo com as condições políticas de cada governo.
A expectativa de Brasília é que outros dois parceiros da região sejam representados também pelos seus embaixadores em Caracas. A Colômbia é representada em território venezuelano por Milton Rengifo Hernández, enquanto o México tem o embaixador Leopoldo de Gyvés de la Cruz na capital venezuelana.
Os três governos foram responsáveis pela mediação da questão eleitoral venezuelana e emitiram duas notas conjuntas pedindo a publicação das atas eleitorais pelo CNE. O TSJ da Venezuela validou a eleição de Maduro e pediu a publicação dos resultados desagregados em até 30 dias. No entanto, mais de 4 meses depois do pleito, os resultados ainda não foram publicados e o site do órgão eleitoral continua fora do ar.
O próprio governo de Lula disse que não reconheceria os resultados até a apresentação dos resultados desagregados. A participação de representantes do governo na posse de Maduro, no entanto, é tratada por Caracas como um reconhecimento ao resultado do pleito.
A posse ainda é alvo de uma disputa política na Venezuela. A oposição questiona os resultados e o ex-candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, afirma que estará em Caracas para tomar posse.
A extrema direita tem buscado mobilizar a sua base e pede movimentações de rua para os próximos dias. Para o governo venezuelano, a situação está controlada e a expectativa é que não sejam registradas ocorrências no dia 10 de janeiro.
As últimas manifestações de opositores tiveram pouca adesão. A movimentação, no entanto, é parecida com o período eleitoral. Na ocasião, María Corina e Edmundo percorreram diversas cidades do país sem conseguir organizar mobilizações massivas. Apesar disso, o dia seguinte do pleito foi marcado por manifestações violentas registradas em todo o país.
Crise entre Venezuela e Brasil
A tensão envolvendo os dois países vizinhos começou na corrida eleitoral venezuelana. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro enviaria dois observadores para acompanhar o pleito, mas desistiu depois de Maduro afirmar que as urnas brasileiras "não são auditadas". Em vez de observadores, o governo brasileiro enviou o assessor especial, Celso Amorim, para Caracas durante as eleições.
Maduro foi eleito para um terceiro mandato com 51,97% dos votos contra 43,18% do opositor Edmundo González Urrutia. A oposição venezuelana contestou o resultado e afirmou ter recolhido mais de 80% das cópias das atas eleitorais e, segundo a coalizão de direita Plataforma Unitária, isso garantiria a vitória de Urrutia.
Isso, somado à denúncia de um ataque hacker contra o sistema eleitoral da Venezuela, levaram Maduro a pedir uma investigação pela Justiça. O órgão eleitoral atrasou a divulgação dos resultados detalhados alegando a atuação hacker, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano investigou os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu 9 dos 10 candidatos que disputaram o pleito. Só Edmundo González Urrutia não compareceu.
O governo brasileiro começou a articular com Colômbia e México a mediação da questão eleitoral venezuelana. Os três governos emitiram duas notas conjuntas pedindo a publicação das atas eleitorais pelo CNE e não pela Justiça do país. O TSJ da Venezuela validou a eleição de Maduro e pediu a publicação dos resultados desagregados em até 30 dias. No entanto, mais de 3 meses depois do pleito, os resultados ainda não foram publicados e o site do órgão eleitoral continua fora do ar.
Lula então passou a oscilar entre pedir que a situação seja resolvida internamente, sugerir a realização de novas eleições e dizer que não reconhecia a vitória de Maduro se os resultados das atas não fossem publicados e, consequentemente, sua vitória nas urnas fosse comprovada de forma independente.
A relação entre Venezuela e Brasil se estabilizou momentaneamente até a cúpula do Brics, realizada em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro. Nela, o governo venezuelano esperava ser incorporado ao grupo na categoria de “Estado parceiro”, mas ficou de fora da lista de 13 novos integrantes por um veto do Brasil. A decisão do Itamaraty revoltou os venezuelanos.
O motivo do veto não foi justificado publicamente pelo governo de Lula. O presidente não compareceu ao evento e enviou o chanceler, Mauro Vieira, para chefiar a delegação. Caracas afirma que a decisão foi uma “punhalada nas costas” e que a medida de “ingerência” do governo brasileiro é uma forma de interferir na política local.
Em audiência na Câmara dos Deputados, Amorim reforçou que a questão do pleito deve ser resolvida por venezuelanos e que o Brasil não reconhece a eleição do presidente Nicolás Maduro, até que sejam apresentados os resultados desagregados. Amorim não explicou claramente o veto no Brics. Primeiro, disse que é preciso ser um país com influência e que represente a região, algo que, para ele, a Venezuela não cumpre. Em um segundo momento, citou o mal estar entre os governos brasileiro e venezuelano.
Em resposta à fala do assessor especial, o governo da Venezuela convocou o embaixador venezuelano no Brasil, Manuel Vadell, para consultas. Em nota, Caracas afirmou que a medida foi tomada depois das declarações “intervencionistas e grosseiras” de Amorim. A Chancelaria venezuelana também convocou o encarregado de negócios do Brasil em Caracas para demonstrar “rechaço” às declarações de representantes do governo brasileiro em relação ao processo eleitoral do país.
Edição: Lucas Estanislau