Embora alguns ministros sigam despachando durante o recesso do Judiciário, os julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) só serão retomados em 3 de fevereiro, com discussões importantes na pauta. A maior expectativa é em relação ao inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado e assassinato de autoridades da República. O processo está sendo revisado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que deve emitir um parecer nas próximas semanas. O relator no STF é o ministro Alexandre de Moraes.
Entre os acusados, está o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); o general da reserva do Exército Walter Braga Netto, que chefiava a Casa Civil de Bolsonaro, preso no dia 14 de dezembro por tentativa de obstruir as investigações; o general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); e Valdemar Costa Neto, presidente do PL; além de outras 31 pessoas.
Outra ação penal que deve ser julgada em 2025 pelo STF é a que envolve os acusados de conspirar para o assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, em 2018. O caso está no Supremo, já que envolve réus com foro privilegiado. Serão julgados Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro; o irmão dele, Chiquinho Brazão, deputado federal; Rivaldo Barbosa, ex-delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro; o ex-policial Ronald Paulo de Alves Pereira; e o ex-assessor Robson Calixto Fonseca, conhecido como "Peixe". O caso é julgado pela Primeira Turma e está na fase das alegações finais.
Direitos Humanos
Temas relativos aos direitos humanos também serão objeto de análise pelo Supremo. Já no primeiro dia de julgamentos, 5 de fevereiro, o plenário do STF retoma o julgamento da Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 635, conhecida como a chamada "ADPF das favelas", que questiona a omissão do poder público na adoção de medidas para a redução da letalidade policial. A ação foi movida pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019.
"O que se busca é criar parâmetros compatíveis com a Constituição a respeito de operações policiais realizadas em comunidades pobres e que se caracterizam por altíssima letalidade e com indícios de uso abusivo da força letal por parte do Estado", afirmou ao Brasil de Fato o advogado criminalista e diretor da plataforma Justa, Cristiano Maronna.
O tema tem ganhado força no debate público após uma série de episódios de violência contra cidadãos desarmados em diversas cidades do país. O Ministério da Justiça publicou um decreto, na véspera de Natal, para regulamentar o uso da força por policiais, e que condiciona o acesso a recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) à adesão às diretrizes. A medida foi criticada publicamente pelos governadores Cláudio Castro (PL-RJ), Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e Ibaneis Rocha (MDB-DF), Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Jr. (PSD-PR), que acusam o governo de invadir atribuições constitucionais dos estados. Já os governadores do Nordeste publicaram nota em que defendem o decreto e afirmam que o texto não altera a autonomia dos estados ou as normativas já estão estabelecidas pelas polícias locais.
Também no dia 5, o STF retoma o julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, de relatoria do ministro Edson Fachin, que dispõe sobre a inconstitucionalidade de provas obtidas a partir de revistas íntimas em presídios e centros de detenção, considerados vexatórios e humilhantes pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, autor da ação.
Marco Temporal das Terras Indígenas
Ainda sobre direitos fundamentais, especificamente sobre as populações indígenas do Brasil, o STF precisa decidir sobre uma série de ações movidas na corte que discutem a constitucionalidade da Lei 14.701/23, aprovada pelo Congresso Nacional, que estabeleceu um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, meses após o próprio STF declarar a tese inconstitucional. Segundo a regra, só podem ser demarcadas as terras indígenas que estivessem ocupadas por seus povos originários até 15 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
O relator das ações, ministro Gilmar Mendes, estabeleceu uma mesa de conciliação para a mediação da controvérsia. No entanto, organizações indigenistas denunciam que se trata de negociações sobre direitos constitucionais dos povos indígenas e já reconhecidos pela máxima instância do Judiciário. Dessa forma, em agosto deste ano, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) decidiu se retirar da mesa, denunciando a tentativa de 'conciliação forçada e compulsória’. Em entrevista ao Brasil de Fato, o coordenador jurídico da organização, Maurício Terena, comentou o assunto.
"O Supremo tem cada vez mais adotado uma postura conciliatória em pautas polêmicas e caras, que dizem respeito ao próprio tribunal", declarou. "A gente confia no tribunal, a gente segue acreditando, inclusive, na colegialidade dessa instituição. Mas como isso está nas mãos de um ministro, do ministro Gilmar Mendes, e ele não suspendeu a lei, a gente acredita que isso, sim, em alguma medida, contribui para que o Congresso continue acreditando que ele tem espaço para ganhar ou reverter algo que já foi dito pelo tribunal", avaliou o advogado.
Incentivo aos agrotóxicos
Outro tema que é objeto de debate no STF, ainda sem data marcada para o julgamento, é a política de isenções fiscais a agrotóxicos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, movida pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), questiona regras estabelecidas pelo Convênio 100/1997 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reduzem em 60% a base de cálculo do ICMS sobre agrotóxicos. A ADI também discute aspectos da legislação tributária que estabelecem alíquota zero do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para alguns desses produtos, considerados nocivos à saúde. Uma decisão do STF sobre o tema pode ter impacto na reforma tributária aprovada pelo Congresso Nacional, já que os parlamentares incluíram no texto a isenção de 60% para esses produtos no projeto que regulamentou a reforma.
A ação começou a ser julgada em junho, sob relatoria do ministro Edson Fachin, que propôs a realização de audiência pública para melhor formar um entendimento sobre os argumentos levados pelas partes. Por um lado, o Psol, assim como os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, defendem o fim da isenção fiscal a agrotóxicos por estimular o uso de produtos nocivos à saúde coletiva e ao meio ambiente. Já o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), assim como organizações vinculadas ao agronegócio, afirmam que o fim das isenções fiscais a esses produtos terá impacto sobre os preços dos alimentos.
Um relatório da Receita Federal divulgado em novembro revelou que somente entre janeiro e agosto de 2024, as empresas ligadas ao mercado de agrotóxicos receberam mais de R$ 21 bilhões em isenções fiscais do governo.
Responsabilização das plataformas digitais
Um debate que movimentou a agenda do STF no final de 2024 e que deve voltar à pauta neste ano é a responsabilização das empresas e plataformas de mídias digitais sobre conteúdos publicados pelos usuários. A ação, que tem relatoria do ministro Dias Toffoli, discute a validade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que trata da responsabilização das plataformas digitais por conteúdos de terceiros. Além do relator, já votaram os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, ambos pela responsabilização das plataformas. No entanto, o julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro André Mendonça.
A regra do Marco Civil da Internet só permite a responsabilização dos provedores de aplicativos após descumprimento de decisão judicial sobre a remoção dos conteúdos. O julgamento pode alterar a norma e permitir que as empresas sejam responsabilizadas após notificação extrajudicial. As empresas Meta e Google pedem que sejam mantidas as regras atuais.
Em dezembro, o Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, criado por uma parceria entre o NetLab-UFRJ e o Ministério das Mulheres, divulgou uma pesquisa inédita que mostrou o crescimento de canais no Youtube dirigidos a atacar as mulheres. O estudo identificou que 80% dos canais misóginos utilizam estratégias de monetização "como anúncios, Super Chat, doações e vendas de produtos".
O YouTube informou, em nota, que não foi procurado durante a realização da pesquisa e que não tem condições de avaliar os vídeos e canais, uma vez que eles não foram especificados. Afirmou ainda que a plataforma removeu, entre janeiro e setembro de 2024, mais de 511 mil vídeos que infringiram suas diretrizes. "Removemos conteúdo que promova a violência ou o ódio contra indivíduos ou grupos com base em algumas características, entre elas a identidade e expressão de gênero e orientação sexual", disse a empresa.
No lançamento do relatório Aprenda a evitar "este tipo" de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube, a pesquisadora do NetLab-UFRJ, Marie Santini, comentou o julgamento no Supremo. "A gente está discutindo nesse momento no STF a possibilidade de uma notificação extrajudicial e a possibilidade de que essa plataforma seja obrigada a avaliar e tomar uma decisão, e a partir de então, que ela seja responsável pela decisão que ela tomou. É muito diferente de a gente generalizar aqui e dizer que plataformas vão moderar conteúdos aleatoriamente ao seu bel prazer ou que as plataformas vão ter que se responsabilizar absolutamente tudo o que acontece, não é isso", avaliou a Santini.
Lei da Anistia
Tema sempre espinhoso para o Judiciário, a Lei de Anistia (Lei n° 6.683) também volta ao debate no STF. A norma, de 1979, concedeu anistia geral e irrestrita aos crimes políticos cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, durante a ditadura militar brasileira (1964-1985).
Uma ação, apresentada pelo Ministério Público Federal em 2015, questiona a abrangência da lei, sobretudo em relação aos chamados "crimes permanentes", ou seja, que se prolongam ao longo tempo, entre eles, a ocultação de cadáver. O processo incide sobre casos de desaparecimento forçado por agentes do Estado. O caso em análise trata dos mais de 70 desaparecidos da chamada "Guerrilha do Araguaia", sobre o qual o Brasil já foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2010.
A ação ensejou uma decisão do relator, ministro Flávio Dino, no dia 15 de dezembro, que reconheceu o caráter constitucional da ação e defendeu a repercussão geral do caso. Agora, o tema deverá ser analisado pelo plenário do STF e, se aceita a tese do relator, esses crimes permanentes não poderão ser anistiados.
"O crime de ocultação de cadáver não ocorre apenas quando a conduta é realizada no mundo físico. A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática crime, bem como situação de flagrante", disse Dino, na decisão.
Os ministros do Supremo também deverão julgar o caso das apostas online e o vínculo entre motoristas de aplicativo e as empresas.
Edição: Nicolau Soares