AQUECIMENTO GLOBAL

Queda no desmatamento e política contraditória: confira o balanço da agenda climática em 2024

Ambientalistas também comentam sobre o que esperar de 2025, ano da COP 30, a ser realizada em Belém do Pará

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Greenpeace protesta em meio às queimadas que tomaram conta do país em agosto de 2024 - Miguel Schincariol/AFP

O ano que acaba de se encerrar foi o mais quente da história desde o início da medição da temperatura do planeta pelo serviço climatológico Copernicus em 1880, o que acende um alerta: a humanidade tem muito menos tempo para o enfrentamento a mudança climática do que se pensava. 2024 também ficará marcado pela força dos eventos climáticos extremos, como lembra o coordenador adjunto de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta.  

“No primeiro semestre, [aconteceu] o desastre climático no Rio Grande do Sul, a seca histórica na Amazônia e em outras regiões. Temos visto uma perda de disponibilidade hídrica em todo o país, praticamente todas as bacias hidrográficas, inclusive na Amazônia. E tudo isso traz consequências muito graves para as pessoas”, alerta. 

Por outro lado, Guetta destaca como fator positivo, do ponto de vista interno, a queda no desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Na opinião do pesquisador, os resultados refletem a retomada de políticas ambientais no nível federal que haviam sido negligenciadas pela gestão anterior.  

“São dados importantes que mostram que o governo tem voltado a implementar as políticas públicas de combate ao desmatamento, especialmente o PPCDAm, que é o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal e o PPCerrado”. No entanto, o especialista aponta para a defesa governamental de empreendimentos com impactos socioambientais. É o caso da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas e da ferrovia Ferrogrão, que pretende ligar a região centro-oeste ao Pará e a BR 319, o que, segundo Guetta, dividirá a Amazônia ao meio.

“É um empreendimento que tem sido defendido pelo governo com uma licença ambiental emitida durante a gestão do governo passado, que era um governo anti ambiental e que foi uma licença concedida sem as condicionantes, sem medidas de prevenção para o desmatamento, que é o principal impacto da obra. A obra tem o potencial de cortar a Amazônia em duas, e nós sabemos que, historicamente, o desmatamento na Amazônia advém de estradas, o chamado efeito ‘espinha de peixe’. Essas estradas acabam induzindo o desmatamento, gerando grilagem de terra, roubo de madeira, garimpo ilegal, desmatamento e ocupação de áreas que hoje estão florestadas”, completa.

Ainda no âmbito do Executivo federal, o governo foi o articulador do Pacto pela Transformação Ecológica, assinado pelos Três Poderes em agosto. O documento contém uma série de políticas públicas e ações estratégicas em torno de um desenvolvimento sustentável para o Brasil. Para Guetta, é importante entender até que ponto esses acordos se tornam realidade.  

“Alguns deles acabam sendo mais pactos de intenção do que, digo, de alguma concretude. São planos que precisamos ver como vão ser implementados. Os planos de adaptação climática, por exemplo, nós tivemos uma lei aprovada no Congresso, para a construção de planos municipais, estaduais e, inclusive, federal, de adaptação à mudança do clima e a gente ainda precisa ver como isso vai funcionar”, avalia o pesquisador. “O que nós temos visto, em linhas gerais, é o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima [MMA] e o Ministério dos Povos Indígenas trabalhando para avanços nessas questões climáticas, dos direitos das populações tradicionais. Mas não necessariamente, em todos os momentos, com apoio da cúpula do governo”, completa.

Para a pesquisadora do Greenpeace, Gabriela Nepomuceno, as contradições do governo na pauta ambiental se explicam, sobretudo, pelo modelo de desenvolvimento adotado pelo país e pelo fato de se tratar de um governo de frente ampla, onde setores influentes não convergem sobre a agenda do clima.  

“Esse modelo de desenvolvimento colonial, digamos assim, agroexportador de matéria-prima, que caracteriza a nossa economia, se reflete nessa correlação de forças que existe dentro do próprio governo, lembrando que a gente não está falando de um governo do PT, mas de um governo de frente ampla, encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores. Mas é um governo de frente ampla, que tenta a todo tempo acomodar os interesses. Então você tem forças políticas dentro do governo que dificultam a implementação de medidas que a gente considera caras ao meio ambiente”, avalia. 

E o Congresso com isso? 

A pesquisadora da organização SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, concorda que 2024 tenha sido mais um ano de resistência para a agenda ambiental, principalmente devido ao papel desempenhado pelo Congresso Nacional, onde a bancada ruralista se une ao bolsonarismo negacionista para aprovar projetos nocivos ao meio ambiente.  

“Foi um ano de contenção de danos, de vigília permanente junto ao Congresso Nacional e incidência política para que aquele chamado ‘pacote da destruição’, que tinha ali 25 projetos de lei e três emendas constitucionais, não fosse votado. E todas aquelas iniciativas legislativas que, de certa forma, flexibilizam ou fragilizam a política pública de meio ambiente, o licenciamento ambiental, e os princípios constitucionais Brasil”, conta Ribeiro.

Ela se refere a um conjunto de projetos de leis que tramitaram no Congresso em meio às enchentes no Rio Grande do Sul e que, entre outras coisas, excluía o imposto de atividades poluidoras, cortava em 25% o orçamento do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e reduzia áreas de conservação. Os projetos não foram à votação.  


Brasília ficou tomada pela fumaça das queimadas, em agosto de 2024. / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Gabriela Nepomuceno lista uma série de projetos que tramitam no Legislativo e que, apesar de não terem sido aprovados, continuam sendo uma ameaça à agenda do enfrentamento às mudanças climáticas. “A gente viu avançar a PEC 48, do Marco Temporal dos povos indígenas, uma proposta de emenda à Constituição que foi engavetada porque os direitos indígenas estão sendo negociados no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de uma comissão. A gente viu andar, por exemplo, a PEC das praias, o projeto das usinas eólicas offshore que era um projeto para impulsionar a produção de energia verde no mar e acabou tendo seu texto modificado por jabutis que prolongam o incentivo de produção de gás e carvão”, destaca a pesquisadora.  

“Então, o Congresso frequentemente adota um discurso de que caminha com o governo e de que está disposto a seguir o pacto, mas as propostas legislativas são aprovadas com problemas e retrocessos”, completa, denunciando ainda a forte concentração de poder dos parlamentares, especialmente, sobre o orçamento público. 

Guerras e negacionismo climático 

Ribeiro destaca ainda o cenário internacional como um dos elementos que impossibilitou o avanço da pauta climática, o que aconteceu não só no Brasil. “A gente teve tem um cenário internacional totalmente difícil, com guerras, conflitos cada vez mais intensos. E a extrema direita acendendo em alguns países importantes”, avalia a pesquisadora.  

A geopolítica também é objeto da análise de Guetta. “Esse desarranjo internacional com guerras, conflitos, isso mina a possibilidade de avanços nos acordos climáticos, especialmente em relação à pauta do petróleo, a principal em relação às emissões globais de gases causadores da mudança climática. Não é um fator climático propriamente dito, mas que interfere diretamente na pauta. Assim como o avanço da extrema direita negacionista, com destaque para eleição do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump”, destaca.   

O negacionismo climático e o interesse de potências petroleiras têm se sobreposto nas negociações internacionais sobre o clima. A COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão, e a Conferência da Biodiversidade, realizada em Cali, na Colômbia, geraram grande frustração nas organizações ambientalistas.  

“As últimas conferências do clima, no geral, deixaram a desejar. Quando nós conquistamos acordos ao longo da história, por exemplo, o acordo de Paris foi em momentos em que a política internacional estava mais tranquila. As duas últimas COPs foram realizadas em países petroleiros, num sinal negativo, porque o principal ponto da questão climática é o petróleo. Podemos falar de desmatamento, podemos falar do que quiser, mas a imensa maioria das emissões globais é advento do petróleo. Este é o maior problema e não foi discutido”, avalia Guetta.

“Outro aspecto de frustração em relação ao financiamento climático global é aqueles países que são mais responsáveis pela mudança climática não financiando atividades para mitigação e adaptação de mudança do clima. Os recursos acordados na COP de Baku foram muito abaixo, muito aquém daquilo que os estudos mostram ser necessário”, diz o pesquisador. 

A opinião é compartilhada pela pesquisadora do Greenpeace. “O acordo final da COP 29 previu o desembolso de US$ 300 bilhões anuais em ações de adaptação e combate à crise. Mas o montante que os países em desenvolvimento pleiteavam era de US$ 1,3 trilhões, ou seja, uma quantidade muito inferior”, afirma Gabriela Nepomuceno.  

COP 30 no Brasil 

As organizações se preparam para a COP30, que será realizada no Brasil, em Belém (PA), no segundo semestre de 2025, mas sem grandes esperanças. “Nossa expectativa é de uma conferência muito difícil. Uma conferência que acaba, inclusive, colocando em xeque a capacidade da diplomacia de trazer as respostas que a ciência vem apontando. Mas o Brasil tem um papel preponderante nessa presidência para conseguir fazer uma boa articulação do financiamento climático, que está muito aquém da real necessidade”, avalia Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica. 

“Nossa luta é para dar destaque à importância das florestas, propondo soluções que venham dos territórios para os territórios e que contribua para a preservação da nossa biodiversidade. E, obviamente, a gente vai seguir com a nossa campanha, com os nossos esforços pela redução dos combustíveis fósseis também. Então o trabalho é grande”, disse Nepomuceno, do Greenpeace. 

Edição: Martina Medina