Retrocesso

Anúncio da Meta explicita aliança com extrema direita e ameaça regulação, dizem especialistas

Analistas lamentam atraso brasileiro na legislação sobre big techs e veem cenário adverso para aprovação no Congresso

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
'Pode ser que tenhamos ainda mais influência dessas empresas em processos políticos', alerta a coordenadora do CGI.br - Sebastien Bozon/AFP

Um dia após o pronunciamento de Mark Zuckerberg, dono da Meta, sobre medidas para reduzir o controle de suas empresas (Facebook, Instagram e Whatsapp) acerca de discurso de ódio e proliferação de notícias falsas nas redes, especialistas alertam para os riscos da guinada das big techs à extrema direita e a dificuldade que isso deve representar à regulamentação das plataformas.

“A luta pela regulação das plataformas se confunde com a luta contra a extrema direita. Se tornaram um corpo só. Eles aderiram à extrema direita”, afirmou Sérgio Amadeu, sociólogo, doutor em ciência política e especialista em tecnologia da informação, sociedade da informação e cidadania digital.

Ainda de acordo com Amadeu, a Meta, que “já não dava valor à informação real e de qualidade”, agora permitirá “a circulação de conteúdo de quem pode e quer pagar por impulsionamento, os que tiverem muito dinheiro, que vão gerar monetização para essas empresas. O grupo Meta fazia um certo filtro, mas bem pouco, porque eles nunca bloquearam os conteúdos de ódio, só quando provocados por governos e pela sociedade civil. Agora, o grupo Meta admite publicamente que não interferirá nesse conteúdo.”

Assessora especial do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, a coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Renata Mielli também criticou o discurso do fundador do Facebook. “O pronunciamento do Zuckeberg ontem foi político, é um manifesto internacional de uma empresa que se coloca contra a regulação, contra a soberania dos países que buscam instrumentos legais para regular as big techs. Além disso, é um posicionamento de alinhamento com o trumpismo e a extrema direita internacional.”

Ambos lamentam o atraso brasileiro na regulação do setor. “Infelizmente, nós estamos há quase cinco anos tentando fazer passar no Congresso Nacional um projeto para regular as redes sociais. Foi justamente o lobby das big techs, atuando fortemente no Congresso Nacional, que impediu a aprovação da regulação. Eu creio que essa é uma tarefa prioritária para 2025. Nós precisamos enfrentar um cenário complicado, porque a maioria dos parlamentares não quer essa regulação, com peso forte do bolsonarismo ainda, mas precisamos enfrentar essa discussão”, disse Mielli.

Sérgio Amadeu concorda com a dificuldade que o governo brasileiro terá para regular o setor. “Isso não será fácil, principalmente depois da eleição do Trump. Uma parte do Congresso, que é bolsonarista e não tem apreço pela democracia, tetará impedir. O que estamos vendo é que as big techs vão jogar pesado e tentar impedir a criação de uma legislação no país. Mas eles vão usar também o grande mercado de influenciadores, que ganham dinheiro com a produção de conteúdo nas redes sociais, são umas duas centenas de pessoas, e eles são muito suscetíveis e farão a defesa das redes sociais. Não será fácil regular.”

Em um horizonte curto, Mielli alerta para os interesses internos dessas empresas. “Essas big techs contribuem para os objetivos estratégicos dessa extrema direita internacional. Pode ser que tenhamos ainda mais influência dessas empresas em processos políticos. São momentos sensíveis que podem ter impactos geopolíticos.”

Ministério Público x Zuckerberg

Nesta quarta-feira (8), o jornal O Globo informou que o Ministério Público Federal (MPF) oficiará a Meta. O objetivo é convocar representantes da empresa para que expliquem se as mudanças anunciadas por Mark Zuckerberg serão implementadas no Brasil e de que forma será feita essa mudança.

Ainda de acordo com o jornal, os promotores estão receosos de que as novas regras entrem em contradição com a legislação brasileira. Com o fim do uso de empresas de jornalismo e agências de checagens para verificação de conteúdos, a tendência é que as redes sociais sejam tomadas por discursos de ódio e notícias falsas.

“Vamos eliminar os fact-checkers (verificadores de conteúdo) para substituí-los por notas da comunidade semelhantes às do X (antigo Twitter), começando pelos Estados Unidos”, afirmou Zuckerberg.

Edição: Martina Medina