Em 2015, o mundo se reuniu para discutir o futuro do planeta, resultando no Acordo de Paris, no qual 195 países se comprometeram a tomar medidas para limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais. No entanto, desde então, as ações concretas implementadas globalmente não foram suficientemente intensas e rápidas para garantir que essa meta seja atingida até 2030. Neste ano, foi lançado relatório na Convenção do Clima da Organização das Nações Unidas alertando que é preciso compromisso global para a redução de, pelo menos, 42% das emissões de gases de efeito estufa. O que requer compromisso das nações, pois as políticas hoje implantadas não dão conta desta meta.
Entretanto, segundo LAClima (Latin American Climate Lawyers Initiative For Mobilizing Action), a COP29 realizada em Baku, no Azerbaijão, “não entregou uma decisão para operacionalizar o Programa de Trabalho de Transição Justa – um programa que vai seguir por mais um ano totalmente esvaziado e com escopo indefinido; não entregou uma decisão para implementar as recomendações do Balanço Global do Acordo de Paris e garantir que a próxima rodada de NDCs será alinhada com seus resultados, inclusive com um processo de transição para longe dos combustíveis fósseis; e, não entregou uma decisão unânime sobre a nova meta de financiamento climático, com diversas objeções manifestadas durante a plenária, e uma linguagem ambígua e pouco assertiva.”
De acordo com o calendário e as determinações do Acordo de Paris, a COP29 de Baku seria o momento para negociar a nova meta de financiamento global no combate às mudanças climáticas, por isso, ficou conhecida como a "COP das finanças". Nessa ocasião, seria calculado quanto os países desenvolvidos deveriam contribuir para que os países em desenvolvimento pudessem investir em adaptação e mitigação da crise climática. É neste cenário que a Conferência das Partes (COP) chega à sua 29º edição, em Baku. Em um mundo profundamente abalado por conflitos armados em diversas regiões e a reeleição de Donald Trump à Casa Branca — que já anunciou que retiraria os Estados Unidos do Acordo de Paris —, o evento no Azerbaijão ficou esvaziado.
No entanto, ainda sob a liderança do governo do Joe Biden, os EUA não demonstraram grande disposição em chegar a uma meta ambiciosa de financiamento, mesmo o país sendo o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Até a COP anterior, foi acordado o pagamento de US$ 100 bilhões por ano para países em desenvolvimento. Porém, durante as negociações da COP29, as nações ricas sequer consideraram chegar ao valor esperado por organizações socioambientalistas e países em desenvolvimento, que pediam financiamento a partir de US$ 1 trilhão por ano.
Segundo Alma Preta Jornalismo, a comitiva brasileira também contou com representantes prejudiciais aos objetivos das organizações da sociedade civil brasileiras presentes no evento. O grupo reuniu nomes de empresas condenadas por crimes ambientais (como a Vale, mineradora condenada pela morte de 131 trabalhadores no rompimento de uma barragem em Brumadinho (MG); e a Hydro-Alunorte, condenada por crime ambiental no Pará), além de políticos defensores do garimpo ilegal (como o deputado estadual Wescley Tomaz (Avante-PA), que abertamente defende a classe garimpeira sem restrições). A COP29 terminou com um avanço pequeno no acordo do financiamento climático, ajustado para US$ 300 bilhões por ano, três vezes maior que o ano anterior, mas ainda longe do resultado esperado.
O que fica da COP29 para a população negra
É sabido que há uma inversão na lógica de causa e efeito na realidade da crise climática global. Os países em desenvolvimento, que lidam com extremas vulnerabilidades econômicas e são os que menos emitem gases de efeito estufa historicamente, são os mais profundamente afetados pelos efeitos do aquecimento global. Por outro lado, países desenvolvidos e potentes economias globais, responsáveis pela emissão em maior proporção e, consequentemente, pela crise climática global, no entanto, pela disposição de infraestrutura e tecnologia, estão mais preparadas para adaptação. A este cenário, dá-se o nome de injustiça climática.
Estudo mostra que regiões como África, sudoeste asiático, países-ilhas, América Latina e Caribe, nações intensamente composto por uma população negra africana e ameríndia ou em diáspora, convivem concomitantemente, com a falta de acesso a recursos naturais básicos à vida e a vulnerabilidade ao risco de eventos climáticos extremos. Segundo o Geledés Instituto da Mulher Negra, vem sendo realizado um longo trabalho para que o texto final da COP tenha uma linguagem abrangente a fim de que cite a população afrodescendente no documento. No entanto, segundo a organização, “há muito trabalho a ser feito, especialmente pelo governo brasileiro, que vocalizou a importância da transparência e da confiança, mas também reforçou a necessidade de colocar os direitos humanos e a visibilidade da população afrodescendente como prioridades no caminho para a COP30, que será realizada no Brasil.”
Por isso, o financiamento climático acordado em oportunidades como a COP são essenciais para o devido exercício da justiça climática. Desacelerar a estruturação de um financiamento global robusto e que chegue mais rapidamente nestas populações é colocar em risco vidas de pessoas marcadas por vulnerabilidades profundas. É importante que os acordos e ajustes alcançados anualmente durante a COP combatam o racismo ambiental e as desigualdades.
Em 2025, a 30ª edição da Conferência das Partes (COP) será realizada em Belém, no Pará. Simbolicamente, o evento ocorrerá em um dos territórios mais impactados pela crise climática global — o bioma amazônico. Esse contexto torna a COP uma oportunidade crucial para destacar a necessidade de um financiamento climático robusto em diversas áreas, como, por exemplo, a criação de fundos para perdas e danos (garantindo que as populações afetadas por eventos climáticos extremos, em sua maioria negras e indígenas, recebam o suporte adequado); o investimento em adaptação climática antirracista com soluções inovadoras e de base comunitária (considerando que populações negras e indígenas estão na linha de frente, desenvolvendo respostas à crise climática que podem ser ampliadas para todo o país); entre outras iniciativas que, respeitando a soberania de cada nação, podem ser definidas internamente.
É fundamental avançar de forma contínua, com o objetivo de promover a justiça climática para comunidades tradicionais, populações periféricas, residentes em áreas de risco, mulheres, crianças, povos do semiárido, produtores da agricultura familiar, entre outros, tanto nas zonas rurais quanto urbanas. Deve haver esforços consistentes para alcançar a meta de ao menos US$ 1 trilhão, garantindo que as ações necessárias cheguem às populações mais vulneráveis. Afinal, é preciso reconhecer que não há justiça climática sem justiça econômica.
*Hosana Silva é repórter do Centro Brasileiro de Justiça Climática e mestra em Políticas Públicas e Governo pela Fundação Getúlio Vargas.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Mayala Fernandes