Na semana da posse de Nicolás Maduro como presidente da Venezuela no dia 10 de janeiro, próxima sexta-feira, após ter a reeleição validada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país, o seu adversário nas urnas, Edmundo González Urrutia, surge novamente nos holofotes da imprensa.
No último sábado (4), o ex-candidato visitou seu aliado de extrema direita argentino Javier Milei na Casada Rosada, sede do governo da Argentina, onde também saudou apoiadores. Na segunda (6), Urrutia se encontrou com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Washington.
Segundo o venezuelano, a Casa Branca demonstrou apoio para a troca do governo de Caracas. Antes do encontro, o opositor publicou um vídeo incitando um levante militar e pedindo que os oficiais do país "garantam a soberania e a vontade popular".
Vivendo na Espanha desde setembro do ano passado, após ter recebido asilo deste país, Urrutia também já havia dito que voltaria a Caracas em 10 de janeiro - sem dizer como pretende fazê-lo - para se consagrar presidente, em sinal de clara ameaça de intervenção na posse presidencial de Maduro.
Edmundo, no entanto, é alvo de um mandado de prisão emitido pela Justiça venezuelana. Ele é investigado pela publicação de supostas atas eleitorais que teriam sido recolhidas no dia das eleições presidenciais e, posteriormente, utilizadas pela coalizão de extrema direita para não reconhecer os resultados eleitorais divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) que deram a vitória a Maduro.
Ainda em setembro, antes de ameaçar tomar posse de maneira paralela, ele havia assinado uma carta se comprometendo a reconhecer a decisão da Justiça venezuelana sobre as eleições do país e teria dito que "ainda que não compartilhe, acato a decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ)". No mesmo dia ele deixou a Venezuela rumo à Espanha, onde esteve desde a semana passada.
Mas quem é, de fato, Edmundo González? O Brasil de Fato separou os principais pontos da biografia do opositor derrotado nas urnas que agora ameça intervir na cerimônia de posse de Nicolás Maduro.
De embaixador a 'fantoche'
Urrutia não tem uma trajetória política. Trabalhou no Ministério das Relações Exteriores da Venezuela e foi embaixador do país na Argélia e na Argentina. Sua candidatura foi registrada pela coalizão de direita Plataforma Unitária mesmo depois do encerramento das inscrições e se tornou pivô de uma disputa entre a ex-deputada María Corina Machado e o governador de Zulia, Manuel Rosales.
Mas a campanha do candidato da Plataforma Unitária ocorreu em marcha lenta. Urrutia se recusou a participar de comícios e quem era a responsável por tentar popularizar seu nome era María Corina Machado. Acompanhada de uma foto do candidato, ela organizou passeatas em diferentes cidades para apresentá-lo aos eleitores.
Os chavistas passaram, então, a classificá-lo como candidato "poste", um "fantoche" de María Corina, e Edmundo não se desvencilhou da alcunha até hoje. No ato em La Victoria, quem chamou a responsabilidade, mais uma vez, foi a ex-deputada ultraliberal. Enquanto María Corina discursava para o público, o candidato estava atrás das dezenas de quadros da Plataforma Unitária que ocupavam o palco. A ultraliberal então teve que puxá-lo pelo braço para que o público pudesse vê-lo.
O esforço de María Corina para se colocar como o principal nome da oposição não vem de hoje. Inabilitada por 15 anos, ela se manteve na disputa até o fim do registro eleitoral. Como não podia se inscrever, tentou emplacar Corina Yoris para o seu lugar, mas não recebeu apoio de outros grupos da oposição. O governador de Zulia e então candidato do Un Nuevo Tiempo, Manuel Rosales, passou a ser o adversário de uma queda de braço.
Depois de duas semanas de negociações, ela conseguiu a desistência de Rosales e os dois chegaram a um acordo para embarcar na campanha fracassada de Edmundo.
Araras na sacada
Não só uma pessoa desconhecida, Edmundo também nunca fez questão de estar nas redes sociais. Antes do registro do candidato, em março, a última publicação em sua conta no X (Twitter) havia sido em janeiro de 2017. O candidato teve que publicar duas vezes um anúncio de que aquele era o seu perfil oficial porque, de acordo com ele, "alguém tomou a liberdade de abrir uma conta não autorizada".
As redes sociais foram o foco durante toda a campanha. A estratégia inicial foi aumentar a presença nas plataformas. Mais publicações, fotos e textos descrevendo o candidato começaram a aparecer. Em uma delas, Edmundo aparece alimentando araras na sacada de seu apartamento, algo muito frequente nos bairros da classe média caraquenha.
O segundo passo foi construir uma imagem oposta à de María Corina Machado. Para o advogado e especialista em Economia Política Juan Carlos Valdez, a ex-deputada e o atual candidato jogaram o jogo do "policial bom e policial mau".
"Edmundo tem que ser, de alguma maneira e entre aspas, a antítese de María Corina Machado. Ela conduz ao extremismo. E eles têm medo que o chavismo se reagrupe por medo de María Corina chegar ao poder. E ele atenua essa imagem de Maria Corina. Mas ela é importante para ele porque ela arrasta os mais radicais da oposição. Ele tem que ser o policial bom. Cabe a ele ser ponderado, falar com lisura, não ser muito expressivo nas entrevistas", disse Valdez ao Brasil de Fato em maio de 2024.
Na percepção de Valdez, uma outra ferramenta importante usada pela campanha do ex-embaixador foi o uso de especialistas e analistas políticos que reforçaram as qualidades de Edmundo.
"A equipe dele [esteve] centrando essa construção com outros atores. Vários analistas políticos conhecidos na Venezuela que falam muito bem de Edmundo Gonzalez, exaltando a imagem e inclusive suas qualidades intelectuais, que não é possível medi-las nas entrevistas porque ele não fala muito. E do pouco que diz não diz nada", acrescentou.
Falta de propostas
Durante toda a campanha, foram poucas, para não dizer nenhuma, as propostas concretas apresentadas por Edmundo Gonzalez. Mas não por uma responsabilidade só do candidato. As entrevistas com jornais venezuelanos e com a imprensa estrangeira focaram no enfrentamento ao chavismo e na possibilidade de uma transição de governo.
Em entrevista ao portal TalCual em maio de 2024 com o ex-embaixador, quando questionado sobre as primeiras medidas que tomaria à frente do governo, Edmundo respondeu de maneira genérica: "O primeiro que faria? A reconstrução do país, a reinstitucionalização da democracia venezuelana".
Para o cientista político Fernando Medina, a falta de projetos e propostas mostraram um esvaziamento da campanha eleitoral desse grupo. "Eles [María Corina e Edmundo focaram] muito mais na confrontação e radicalização do que no debate político", afirmou.
A única área que Edmundo trata com mais objetividade é justamente aquela em que fez carreira. Nas relações exteriores, o ex-embaixador promete se aproximar dos Estados Unidos e deixar de lado os países que a Venezuela se aproximou nos últimos anos. Rússia e Irã são alguns dos laços que Edmundo pretendia romper se chegasse à Presidência.
Relação com os EUA
A relação de Edmundo com os EUA foi criticada pelo vice-presidente do Partido Socialista Unido de Venezuela (Psuv), Diosdado Cabello. Em seu programa semanal Con el Mazo Dado, o ex-embaixador foi acusado de ligações com a Agência de Inteligência dos EUA enquanto trabalhou como funcionário da diplomacia venezuelana em Washington em 1976.
Ainda de acordo com ele, Urrutia teria contribuído com os "esquadrões da morte" que atuaram em El Salvador nos anos 1980. O ex-candidato foi assessor do embaixador venezuelano no país, Leopoldo Castillo, e teria intermediado a relação da CIA com os grupos paramilitares de extrema direita no país.
Para o professor Medina, a aproximação com os Estados Unidos é parte de sua história, visão de mundo e uma reprodução das ideias de María Corina Machado e o grupo ligado à extrema direita.
"Edmundo sempre esteve muito ligado à política do Departamento de Estado dos EUA. Fundamentalmente ele é uma peça das ideias de María Corina Machado. A ideia principal de Edmundo quando diz que quer se aproximar dos Estados Unidos é a mesma ideia da María Corina. Eles representam oposição golpista. Não uma oposição democrática que está na Assembleia Nacional", afirmou.
*Colaborou Lorenzo Santiago, de Caracas
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Edição: Lucas Estanislau