Luto

Capoeira Angola perde um dos seus principais nomes, Mestre Peixe de Caxias

Itamar da Silva Barbosa morreu na tarde desta quinta (9) após complicações de um AVC; família alega negligência médica

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Itamar da Silva Barbosa, mais conhecido como Mestre Peixe de Caxias, faleceu nesta quinta (9) - Arquivo GUCA

A Capoeira Angola do Rio de Janeiro perdeu na tarde desta quinta-feira (9) um dos seus principais nomes: Itamar da Silva Barbosa, mais conhecido como Mestre Peixe de Caxias. Itamar nasceu na cidade de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e deu os primeiros passos na capoeira em 1972, aos 12 anos. No dia 13 de junho de 1973, junto com outros amigos capoeiristas, fundou a roda de rua mais antiga do estado do Rio em atividade até hoje, a Roda Livre de Caxias, realizada na Praça do Pacificador e declarada Patrimônio Imaterial da cidade de Duque de Caxias em 2016.

Na década de 1990, formou, junto com Jonas Rabelo, o Mestre Russo, e Ulisses Ribeiro de Souza, o Mestre Velho, o Grupo Cosmos Capoeira. Nesse período ganhou reconhecimento internacional, realizou workshops, encontros, oficinas, palestras e participou de documentários e intercâmbios culturais em vários países da Europa e América do Sul.

Em 2012, Mestre Peixe dá uma nova guinada para a consolidação da sua trajetória com o intuito de consolidar a sua história na capoeira ao fundar, a partir de uma parceria entre Mestre Velho e Carlos Alberto Sacramento, o Mestre Graffit, o Grupo Unificar de Capoeira Angola (GUCA). O núcleo central do coletivo é sediado no Gomeia Galpão Criativo, em Duque de Caxias, e realiza com frequência atividades na comunidade do Lixão.

Em 2016, o GUCA amplia a sua atuação para o Rio de Janeiro e passa a ocupar a sede do Centro de Teatro do Oprimido (CTO), no bairro da Lapa. Três anos depois, a partir de uma parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF), passou também a levar a Capoeira Angola de Caxias para o município de Niterói. 

Mestre Peixe não vivia somente da capoeira, como acaba sendo a realidade de muitos mestres e mestras da cultura popular. Ele atuava como motorista, ultimamente dirigindo caminhão como profissional autônomo.

Adeus

No último dia 2 de janeiro, Itamar Barbosa sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em sua casa no município de Duque de Caxias. Mestre Peixe foi levado por familiares para o Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes. Segundo a família, o coordenador do GUCA foi vítima de negligência médica.

Registros obtidos pelo Brasil de Fato mostram Itamar deitado numa maca improvisada no corredor do hospital sem nenhum monitoramento para o seu quadro de saúde e apresentando miíase, uma infecção parasitária na pele. Segundo Taís Barbosa, filha do Mestre Peixe, o rebaixamento cognitivo do seu pai começou a se agravar e nenhuma intervenção médica foi realizada de imediato.

"Meu pai começou a apresentar sinais clínicos evidentes de um agravamento e estava sem monitoramento contínuo para vigilância neurológica para um caso de AVC porque consideraram o caso dele sem gravidade. Os médicos, até sábado (4), afirmaram que meu pai não precisava de leito intensivo porque iria embora com 48 horas para tratamento ambulatorial com neurologia, fonoterapia e fisioterapia", destaca Taís.

A entrada no Centro de Terapia Intensiva (CTI) ocorreu na segunda-feira (6) a partir de uma liminar judicial. Devido ao agravamento do quadro, Itamar precisou ser entubado já com uma extensa lesão cerebral. Mestre Peixe teve a morte encefálica confirmada na tarde desta quinta-feira.

Na terça-feira (7), capoeiristas do Rio de Janeiro realizaram um protesto junto com familiares na porta do hospital para denunciar a negligência médica e exigir tratamento digno para os pacientes.

O Brasil de Fato procurou a Secretaria Municipal de Saúde de Duque de Caxias para um posicionamento sobre o caso. A prefeitura enviou a seguinte nota:

A Prefeitura de Duque de Caxias, através da Secretaria Municipal de Saúde e direção do Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes (HMAPN), informa que o paciente Itamar da Silva Barbosa, 64 anos, deu entrada na unidade em 02/01/2025, às 18h22, por meios próprios, com dor no peito, dificuldade na fala e perda de força em membro superior esquerdo (MSE).

A direção do HMAPN informa que o paciente passou por exames de imagem (tomografia) que evidenciou um AVC isquêmico extenso, com pequenos focos hemorrágicos. Na manhã da segunda-feira (06/01) o paciente foi transferido da sala amarela para o CTI da unidade. Após admissão no CTI, paciente teve piora no rebaixamento do nível de consciência, evoluindo para entubação, devido ao quadro neurológico.

Informa ainda que, o paciente foi reavaliado pela neurocirurgia na terça-feira (07), após realização de nova tomografia de crânio, que manteve sem condutas cirúrgicas. O agravamento do quadro neurológico do paciente, com a presença de lesões extensas e irreversíveis, evoluiu para morte encefálica.

A direção informa ainda que foi aberto o protocolo de morte encefálica para o paciente no dia 08/01, às 19h, porém a gravidade do paciente não permitiu a finalização desse protocolo. O óbito do paciente foi confirmado às 13h07, desta quinta-feira (09/01), devido a complicações do acidente vascular encefálico. A família foi devidamente informada do óbito e o corpo será liberado, de acordo com os trâmites legais e da instituição.

Itamar deixa duas filhas, Taís Barbosa e Tamíres Barbosa; uma neta de quatro meses, Eduarda Barbosa Nascimento; e um importante legado de luta e resistência para a Capoeira Angola no Rio de Janeiro. Mestre Peixe sempre acreditou na capoeira como uma ferramenta inequívoca de transformação social.

Edição: Nicolau Soares