só em 2070

Em meio a surto de virose, Brasil deve atrasar em 37 anos metas para esgoto

Trata Brasil estima que quase 2 milhões de piscinas olímpicas de esgoto foram lançadas na natureza em 2024

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Guarujá, no Litoral Sul de São Paulo, tem praia lotadas e virose causando vômito e diarreia - Prefeitura de Guarujá/Divulgação

Enquanto Santos e Guarujá, no Litoral Sul de São Paulo, sofrem com um surto causado por um vírus e cidades litorâneas têm praias impróprias para banho, o Brasil deve atrasar em 37 anos o cumprimento das metas de esgotamento sanitário previstas no Novo Marco Legal do Saneamento, em vigor desde 2020.

A lei determina que 99% da população tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto até 2033. De acordo com o Instituto Trata Brasil, essa meta só deve ser alcançada em 2070 se o ritmo de investimentos em saneamento for mantido.

O Trata Brasil é uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico. Ele atua desde 2007 produzindo estudos sobre o tema no país.

Em julho do ano passado, o Trata Brasil divulgou mais uma versão de sua publicação Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil. O documento avalia dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), mantido pelo governo federal, entre 2018 e 2022, e projeta o cumprimento das metas do marco de saneamento.

Segundo o estudo, “no atual ritmo, a universalização do saneamento só acontecerá em 2070, o que representa um atraso de 37 anos em relação à data limite estabelecida”. “Ainda restam R$ 509 bilhões a serem investidos para o país alcançar a universalização, o que requer uma média anual de investimentos de R$ 46,3 bilhões, mais que o dobro da média dos últimos cinco anos”, acrescenta o documento.

De acordo com o Snis, 52,2% do esgoto brasileiro era tratado em 2022 – quase 38 pontos percentuais a menos do que definido para 2033. Em cinco anos, esse percentual subiu 5,98 pontos, segundo o Trata Brasil. “Se o país mantiver a progressão média observada nesses cinco anos, até o final de 2033, o serviço chegará a apenas 65% de coleta e tratamento de esgotos”, alertou.


Gráfico mostra evolução dos serviços de saneamento básico no Brasil de 2018 a 2022 / Reprodução/Trata Brasil

Em 2024, o “esgotômetro” do Instituto Trata Brasil estimou que quase 2 milhões de piscinas olímpicas de esgoto foram lançadas na natureza. Em menos de dez dias de 2025, já foram mais de 45 mil piscinas olímpicas de esgoto despejadas.

“A ausência dos serviços básicos contribui para o aumento de doenças gastrointestinais, como viroses e diarreia, impactando a saúde e a qualidade de vida de milhões de brasileiros”, complementou o Trata Brasil, sem citar especificamente o caso de Santos e Guarujá.

Contaminação na Baixada Santista

A Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo informou nesta quinta-feira (9) que amostras de fezes humanas coletadas em Praia Grande e Guarujá confirmaram que o surto foi provocado por norovírus. As noroviroses são um grupo de doenças de origem viral conhecidas como gastroenterite e são normalmente transmitidas por via fecal-oral, o que acendeu um alerta sobre possível relação do problema com o esgoto.

O sociólogo Edson Aparecido da Silva, secretário executivo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), ressaltou que, na Baixada Santista, mais de um quarto de todo esgoto não é coletado e tratado. Os dados também são do Snis.

Ele acredita que problemas de esgotamento estejam relacionados com o surto. “O esgoto não tratado acaba indo para o mar”, disse ele. “Além disso, há um problema de ligação irregular de esgoto no sistema de coleta de águas pluviais [da chuva].”

Segundo Silva, as falhas no sistema de coleta de esgoto são permanentes. Elas tornam-se mais graves nos momentos de férias, quando a baixada recebe mais turistas e mais chuvas. “Há mais gente dando descarga, mais água levando esse esgoto para as praias”, explicou o sociólogo.

Silva também disse que a própria rede de esgoto fica sobrecarregada em períodos turísticos. Detritos podem extravasar, o que pode contaminar o lençol freático ou a rede de água por alguma infiltração. “Por isso que tem gente que não foi à praia e mesmo assim teve sintomas gastrointestinais, como vômitos e diarreias”, explicou.

O serviço de água e esgoto da Baixada Santista é prestado pela Sabesp, antiga empresa estatal que foi privada no ano passado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). A companhia, no entanto, nega ter constado qualquer relação entre a virose e seus serviços.

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) monitora a qualidade da água de 72 praias da Baixada. Na tarde desta quinta-feira (9), 32 eram impróprias para banho. Em Santos, cinco das sete praias monitoradas eram impróprias.

*Com informações da Agência Brasil

Edição: Martina Medina