MEMÓRIA

Exposição fotográfica do MST revela contraste entre violências e vitórias na luta pela terra no Pará

Tragédias como o Massacre de Eldorado se contrapõem à resistência camponesa e aos avanços da reforma agrária no estado

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Do acampamento à conquista da terra, imagens retratam a ousadia das famílias do MST - Julia Mariano

Por meio de um esforço coletivo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a exposição fotográfica "Pelo direito à memória: a luta pela terra e o MST Pará" representa um resgate histórico de registros de militantes, apoiadores e fotógrafos. As imagens evidenciam o contraste entre a violência brutal de ocupações, com ocultação de cadáveres, assassinatos e o emblemático Massacre de Eldorado do Carajás, e as vitórias que levaram à conquista de terra, acesso à educação, à saúde e à  cultura aos camponeses do estado.

O lançamento da exposição aconteceu durante a Feira Estadual da Reforma Agrária, de 4 a 8 de dezembro, em Belém, e apresentou cerca de 170 fotografias no centro da capital paraense.


Visitantes registram a fotografia de Oziel Alves, assassinado no Massacre de Eldorado do Carajás / Mariana Castro

Os olhares curiosos passeavam pela história do movimento, marcada por tragédias, mas também por sorrisos e marchas em defesa de direitos, história essa contada também em roda de conversa com a presença de protagonistas, pesquisadores e estudantes.

“Eu tive a oportunidade de testemunhar e registrar, de poder, por meio das fotos, fazer esse registro da memória do MST aqui no estado do Pará, então o sentimento que eu carrego, que eu tenho, é meio que de dever cumprido, porque registrar, resgatar um momento, uma situação que a gente também faz parte dela, é como se eu também estivesse contando minha própria história”, comenta Deusamar Matos, conhecida como Deusinha, militante que testemunhou momentos históricos e é autora de muitos desses registros.


O fotógrafo e educador Miguel Chikaoka cedeu registros históricos da década de 80. / Mariana Castro

O acervo reúne ainda fotografias da luta pela terra no início da década de 80, antes mesmo da criação do MST. Entre esses registros, se destaca o olhar sensível do fotógrafo Miguel Chikaoka, que atuava como repórter fotográfico do Jornal Resistência e hoje um dos fundadores da Fotoativa, associação que trabalha com a fotografia voltada para a construção do exercício da cidadania.

“Foi um período difícil, porque, primeiro, pela própria situação da ditadura, e também porque, naquela ocasião, eu já dizia que era uma missão quase que impossível acompanhar todas as ocorrências do Pará, para não falar da Amazônia como um todo. E não havia internet, não havia essa facilidade de rapidez de comunicação, então quando eu recebia a notícia de algum evento, de alguma violência sofrida pelos trabalhadores, eu tinha que viajar e chegava atrasado no local”, explica Chikaoka, que participou ativamente da construção da exposição e da roda de conversa durante o lançamento. 


Valdir Ganzer, Luiz Inácio Lula da Silva, Ademir Andrade e Benedita da Silva durante o Ato contra a Violência no Campo em Redenção (PA), no ano de 1987. / Miguel Chikaoka

Contemplada pela Lei Paulo Gustavo Estadual na aérea de Artes Visuais, a mostra representa um esforço coletivo de décadas, ainda em construção, de incluir mais fotografias para compor uma documentação historiográfica da luta pela terra no país.

“Essa luta realmente tem sido travada com bastante garra, bastante dedicação de uma coletividade e deve prosseguir nessa linha. E, enquanto pudermos acompanhar, enquanto sociedade civil organizada, devemos estar próximos, porque é um direito do cidadão, direito nosso de brasileiros pelas terras que são disputadas de maneira bastante desigual e com muita violência”, complementa Miguel. 

A exposição itinerante, sem paredes e aberta ao público, conta também com a presença de professores e estudantes, que, a partir desse resgate, passam a ter acesso a um importante acervo de pesquisas.  

“Ali, as pessoas conseguem, de alguma maneira, ver um pouco dessa história que é negada, dessa história da Amazônia que a gente pouco tem contato. Então, ali, a gente está contando a história das imagens. E fazer parte desse processo foi muito importante, pensando de que maneira a gente pode colaborar efetivamente nessa reconstrução cultural da história da Amazônia, da história de mobilizações, da história de violência que faz parte e constitui o que todos nós somos”, explica Cláudia Leão, professora de Artes Visuais da Universidade Federal do Pará (UFPA), que também contribui na produção da exposição.


O movimento reforça o papel das artes visuais enquanto ferramenta de memória e resistência. / Mariana Castro

Para o movimento, a iniciativa fortalece a arte e a cultura enquanto ferramentas de resistência e transformação da realidade, como explica Beatriz Luz, que compõe a direção do MST e é uma das curadoras da mostra.

“A exposição fotográfica marca também o que a gente acredita que seja a arte e a cultura produzida pela classe trabalhadora, a cultura que é também toda forma de produção da vida, mas, sobretudo, produzida para a transformação da realidade. Então a gente acredita que o direito à memória é também um direito a defender a nossa continuidade, um direito a se fazer insubmisso diante do latifúndio, insubmisso diante das desigualdades e diante do capital”.

A exposição é itinerante e vai percorrer assentamentos e cidades de outras regiões do estado, como complementa Beatriz. 

“É uma exposição que está em construção, ela está para crescer, para ser alimentada pelo conjunto das memórias que se acrescem quando visualizam, visitam e dialogam sobre ela. Essa é uma exposição em movimento, tanto por ser itinerante na sua instalação, mas também por estar disposta a crescer junto com as memórias coletivas do Movimento Sem Terra”.

Edição: Martina Medina