Nomeada desde novembro de 2024 no cargo de Superintendente de Arquitetura e Infraestrutura da SP Parcerias, empresa municipal ligada ao gabinete do prefeito Ricardo Nunes (MDB), Ana Lígia de Carvalho Magalhães não é inscrita no Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CAU-SP), órgão que regula a categoria, cujo registro é obrigatório para o exercício da profissão de arquiteto.
A informação foi ratificada ao Brasil de Fato pelo CAU-SP, que determinou a abertura de uma investigação para apurar o caso de Ana Lígia, que não é servidora e trabalha na Prefeitura de São Paulo sob regime da CLT, com salário mensal de R$ 19.085,00.
Em nota, o órgão informou: “Não foi identificado registro da profissional Ana Lígia de Carvalho Magalhães junto ao CAU/SP. Foi identificado no SICCAU (Sistema de Informação e Comunicação do CAU) somente um registro de graduada em Arquitetura e Urbanismo em nome da mesma. Importante destacar que se trata de registro importado pelo(a) coordenador(a) de curso. O registro profissional, por seu turno, ainda não foi efetivado”.
Também em nota, a Prefeitura de São Paulo respondeu. “O cargo de Superintendente de Arquitetura e Infraestrutura da Companhia não exige o exercício de funções exclusivas da profissão de arquiteto. Portanto, não é necessário que o profissional possua registro no Conselho de Arquitetura e Urbanismo/BR para desempenhar suas funções. Além disso, vale ressaltar que a Sra. Ana Lígia de Carvalho Magalhães é graduada, mestre e doutoranda em Arquitetura com ampla qualificação e experiência na área”.
Nota e visita técnica
Apesar de estar à frente da Superintendência de Arquitetura e Infraestrutura desde novembro de 2024, Ana Lígia trabalha na SP Parcerias desde fevereiro de 2021. Em seu perfil no Linkedin (rede social para uso de profissionais e empresas), ela afirma que na rotina de trabalho “acompanha a modelagem operacional de projetos de concessões e PPPs (Parcerias Público-Privadas)”, o que contrasta com a nota da Prefeitura de São Paulo.
O Brasil de Fato encontrou registros de reuniões em que Ana Lígia participou e atuou oferecendo conhecimento técnica de sua profissão, o que, mais uma vez, contraria o que foi explicitado pela Prefeitura paulistana. Em 8 de agosto de 2022 (ver documento), ela representou a SP Parcerias em um encontro do Conselho Municipal de Desestatização e Parcerias.
Durante a reunião, Ana Lígia fez uma apresentação de 25 minutos sobre “o projeto do 1º lote de Serviço de Moradia Social Vila Reencontro, que consiste na implantação e operação de Infraestrutura Social, voltadas para a população de rua”.
No dia 10 de junho de 2022, a Secretaria Municipal da Habitação encaminhou um ofício (ver documento) Tribunal de Contas do Município (TCM) indicando Ana Lígia para participar de uma Mesa Técnica organizada pelo órgão respondendo pela Área Técnica da Diretoria de Projetos da SP Parcerias.
Em 12 de julho de 2023, Eduardo Tuma, conselheiro do TCM, afirma (ver documento) que Ana Lígia participou de outra Mesa Técnica, sobre “aquisição de imóveis pulverizados para a implantação de unidades”, representando, novamente, a Área Técnica da Diretoria de Projetos da SP Parcerias.
A SP Parcerias foi contratada por um escritório de engenharia, a serviço do governo do Rio Grande do Sul, para vistoriar 100 escolas (ver documento). A visita técnica foi coordenada por Ana Lígia e a Ordem de Serviço da empreitada foi assinada por ela no dia 8 de janeiro de 2023.
Outro documento, emitido em 21 de março de 2023, mostra Ana Lígia assinando como fiscal de contrato (ver documento) um orçamento para a adequação de escolas no Rio Grande do Sul, em parceria com o mesmo escritório de engenharia.
Fiscal de contrato é uma atribuição que somente engenheiros e arquitetos com registros no CAU e no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) podem exercer, de acordo com Lei 14.133, que em seu artigo 8 diz que "a execução do contrato seja acompanhada e fiscalizada por um representante da administração, que deve ter a devida qualificação técnica para essa função".
Em agosto de 2023, Ana Lígia assinou uma Nota Técnica de Modelagem (ver documento) sobre a cessão onerosa de direito à nomeação dos Centro Esportivo e de Lazer Modelódromo do Ibirapuera, Centro Esportivo e Cultural Brasil-Japão e Centro de Esportes Radicais.
Após contatos da reportagem do Brasil de Fato, Ana Lígia de Carvalho Magalhães retirou o seu perfil do Linkedin do ar. Na página, ela admitia a trajetória dentro da SP Parcerias.
Seriedade
O vereador Celso Ginannazi (Psol), da oposição ao governo de Ricardo Nunes na Câmara Municipal, classificou o episódio como "mais um escândalo". "Sem esse registro, essa pessoa não pode exercer as funções de arquiteta. As denúncias que nos chegaram mostram que ela assinava como fiscal de contrato e notas técnicas, que são funções de quem têm registro no CAU. É lamentável que o prefeito Ricardo Nunes faça isso, não nos surpreende."
"Esses atos que ela assinou precisam ser revistos. Vamos até a Secretaria de Governo para entender as competências dela e, se não tiver mesmo, vamos pedir que ela saia do cargo. A coisa pública deve ser tratada com seriedade", finalizou o parlamentar.
Edição: Nathallia Fonseca