Nesta semana, o presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou o fim da checagem independente de fatos no Facebook, Instagram e Threads, além de alterações na política de "conduta de ódio". A atualização da política de moderação foi anunciada logo após o Donald Trump, da extrema-direita estadunidense, assumir como presidente do país.
Entre as mudanças, está a remoção de restrições em temas como migração e gênero, permitindo inclusive associações discriminatórias e preconceituosas. A big tech também anunciou a promoção de "conteúdo cívico", entendido como informações de teor político-ideológico.
O fato repercutiu fortemente no Brasil, país que possui um dos maiores números de usuários das plataformas da Meta. Em resposta, a Coalizão Direitos na Rede publicou uma carta assinada por mais de 150 organizações condenando a decisão.
O documento alerta que, sob o pretexto de promover a liberdade de expressão, as mudanças colocam em risco grupos que já têm seus direitos estruturalmente violados, abrem espaço para desinformação e discurso de ódio, enfraquecem anos de esforços globais por um ambiente digital mais seguro, inclusivo e democrático.
"Esse retrocesso não pode ser visto como um mero ajuste de políticas corporativas, mas como um ataque frontal desse monopólio de plataformas digitais às conquistas de uma internet mais segura e democrática", destaca o texto.
Violência digital e política
A terceira edição da pesquisa Violência Política e Eleitoral, da Justiça Global e Terra de Direitos, consolidada em dezembro de 2024, revelou um aumento significativo de ofensas contra agentes políticos nas eleições municipais passadas, especialmente de cunho racista, misógino e LGBTIfóbicas em plataformas digitais.
"Em contexto eleitoral, a desinformação acompanhada de fake news tem comprometido a legitimidade das instituições reguladoras e a capacidade do Judiciário de estabelecer condições de justa competição", destacou o relatório.
A flexibilização das regras pela Meta tende a intensificar essas dinâmicas de exclusão e violência.
A construção de um mecanismo internacional juridicamente vinculante de responsabilização de transnacionais
A decisão da Meta reflete o desafio de responsabilizar empresas transnacionais que, ao priorizar lucros, negligenciam os impactos sociais de suas ações. Embora normas internacionais estabeleçam que os Estados devem proteger os direitos humanos, as transnacionais exercem um poder crescente que desafia essa regulação.
Há mais de 50 anos, especialmente países do Sul Global vêm alertando para o danos de caráter transfronteiriço das violações cometidas por corporações. No entanto, avançaram apenas mecanismos voluntários, como o Pacto Global da ONU (1999) e os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos (2011).
Esses, porém, têm se mostrado insuficientes. Em 2014, um grupo de trabalho da ONU, liderado por países do Sul Global, iniciou as negociações para um tratado juridicamente vinculante sobre empresas transnacionais e direitos humanos.
No fechar das portas de 2024, em dezembro, a 10ª rodada de negociações discutiu o quarto rascunho do texto, destacando a necessidade de regulamentação efetiva para responsabilização da atuação empresarial em relação aos direitos humanos em toda a cadeia de valor e produção, extrapolando a soberania de Estados e povos.
Desafios globais e o papel do Brasil
A decisão da Meta afeta milhões de pessoas – usuárias ou não das plataformas. São, portanto, milhões de pessoas afetadas, que têm comprometidas nas mãos do jogo de interesse privados de poucos executivos concentrados no Norte Global, a mediação de suas interações sociais, a níveis informativo, social, político, econômico e até afetivo, entre outros.
Se até então a pressão por um mecanismo de efetiva responsabilização tem emergido de atingidos/as por negócios relacionados à economia extrativista, sobretudo da mineração e da energia, de movimentos sociais, de sindicatos, de povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e sindicatos – no bojo das ações da Campanha Global, a realidade das big techs chamam para o envolvimento mais amplo da sociedade sobre o tema.
Diante das reações já apresentadas pelas autoridades brasileiras, do Executivo, do Legislativo ou mesmo do Judiciário, é coerente que o país – que tem importante papel, mas cada vez mais tímido – adicione desde já fôlego nas negociações, em diálogo com a sociedade civil, para a construção do Tratado Vinculante da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, para, enfim, alcançar um instrumento mais eficaz de proteção dos direitos humanos frente ao poder corporativo transnacional.
Paralelamente, é também necessário aprimorar os instrumentos regulatórios internos, com relação à comunicação, às mídias sociais, ao combate à desinformação e, especialmente, com avanço da tramitação na Câmara dos Deputados do PL 572/2022, que cria o Marco Nacional sobre Direitos Humanos. A matéria está parada desde 2023 na Comissão de Desenvolvimento Econômico.
* Emily Maya Almeida é jornalista, mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ) e assessora da Justiça Global.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Nicolau Soares