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'O ponto central para mudar o cenário dos agrotóxicos no Brasil é a vontade política', diz pesquisadora

Fernanda Savicki Almeida reflete sobre os impactos dos agrotóxicos e a mobilização popular por um futuro agroecológico

Brasil de Fato | Recife (PE) |

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A Lei Zé Maria do Tomé, que proibia a pulverização aérea no Ceará, foi flexibilizadaa e agora permite a utilização de drones - Daniel Bandeira Estima / Skydrones

A luta por um Brasil menos envenenado passa, inevitavelmente, pela vontade política. Essa é a avaliação da pesquisadora Fernanda Savicki Almeida, referência nacional no debate sobre os impactos dos agrotóxicos e na defesa da agroecologia. No Dia do Combate à Poluição por Agrotóxicos, celebrado neste sábado (11), ela reflete sobre como os impactos dos venenos agrícolas na saúde pública, destruição do meio ambiente e relação com as desigualdades sociais. Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora aponta os principais desafios e destaca a importância da mobilização popular para transformar o modelo agrícola do país.

Coordenadora do GT de Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Fernanda afirma que a sociedade precisa relacionar os contextos entre a comida que chega em casa e as conjunturas de desenvolvimento do país. "O agronegócio recebe isenções fiscais e subsídios, enquanto a sociedade paga a conta das externalidades geradas por esse modelo", alerta, ao destacar uma falta de incentivo à agroecologia e à agricultura familiar.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Fernanda, neste sábado, 11 de janeiro, celebramos o Dia do Combate à Poluição por Agrotóxicos. Nesse dia, temos mais uma oportunidade de denunciar os danos causados pelos venenos, que trazem impactos à saúde humana e destroem a natureza. Mas também é uma oportunidade para anunciar que existem outras relações possíveis na produção de alimentos. Fernanda, o que podemos destacar no Brasil e no mundo nessa data?

Fernanda Savicki Almeida: Primeiramente, agradeço pela oportunidade de falar sobre um tema tão urgente, que está nas nossas portas, torneiras, nos pratos e na vida de toda a população. O Dia do Combate à Poluição por Agrotóxicos remete a um decreto de 1990. Sua proposta é fazer o diálogo com a sociedade e trazer os impactos do que é ser brasileiro e brasileira nesta exposição relacionada aos agrotóxicos. A proposta é tirar um pouco do senso comum que foi construído pelo agronegócio – que faz parte da narrativa dominante do setor – de que os agrotóxicos estão apenas no meio rural e que o problema é só para quem aplica, que não corresponderia a quem está nas cidades. Mas esse é um problema da sociedade brasileira e global, e contribui para crises ecológicas globais, como a obesidade, a desnutrição e as emergências climáticas.


Fernanda também compõe o Grupo Operativo da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida / Arquivo pessoal

Quais são os principais desafios para controlar o uso de agrotóxicos no Brasil e avançar rumo a uma sociedade menos envenenada?

A exposição aos agrotóxicos parte de uma primeira premissa e afeta todas as etapas, seja de produção, transporte, armazenamento e aplicação. O ponto central é a vontade política, todas as outras questões estão relacionadas a essa. No Brasil, a indústria de agrotóxicos corresponde a uma condição mundial das comercializações e commodities. Por isso que não podemos discutir agrotóxicos como se não fosse um debate da sociedade. A partir do momento que conhecemos o que tem no nosso prato, definimos o que queremos no nosso país. Por exemplo, se queremos um desenvolvimento pautado na agricultura familiar, com circuitos mais curtos e justos de comercialização dessas produções, economia solidária, feminista, antiracista. Agora, se se pautar o nosso prato pela agroindustrialização e as grandes cadeias de mercado, temos outro modelo de desenvolvimento para o nosso país.

Há uma discussão de que alimentos agroecológicos são inacessíveis. Mas o que seria acessível? Precisamos entender uma narrativa que se estabeleceu há setenta anos de que os produtos cheios de agrotóxicos são mais baratos e um "mal necessário". Mas é preciso entender que somos nós, sociedade em geral, que sustentamos o agronegócio no Brasil. O PIB é um índice totalmente abstrato se olharmos que, na concretude, não é a sociedade que recebe os lucros do agronegócio. Ficamos apenas com as externalidades disso tudo, inclusive sustentando, pagando os impostos que vão dar conta dessa cadeia toda. O PIB é irreal porque não revela o que isso significa para nós. Além disso, nessa conta toda, as externalidades não estão identificadas.

O agronegócio recebe isenções fiscais e subsídios, e ficou isento nessa nova reforma tributária. Tínhamos a chance de taxar essas substâncias que estão circulando e causando um caos econômico no país. Poderíamos reverter esses recursos para o SUS [Sistema Único de Saúde], Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e Ministério do Meio Ambiente para reverter uma parte dos problemas que são responsabilidade dessa cadeia.

Falta vontade política porque se todo esse recurso da tributação, vantagens, subsídios e privilégios que o setor agropecuário e industrial recebe no Brasil fosse investido para a agricultura familiar, seja no sentido de pesquisa, no desenvolvimento de produtos, no desenvolvimento de métodos, teríamos um salto de desenvolvimento e uma oferta de alimentos, com uma política de superação efetiva da desnutrição e da obesidade. Concomitantemente, teríamos a promoção de territórios verdadeiramente agroecológicos.

Qual o papel da luta popular na construção de um futuro livre de agrotóxicos?

A função dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada é fazer valer essas questões da vontade política. É cobrar os conselhos e cobrar outras estratégias, exigir propostas que tragam outros olhares.

Enquanto cientista que estou aqui no Ceará, até pouco tempo atrás – menos de um mês –, estávamos na vanguarda de defesa da população. Era o único estado no Brasil que tinha proibição da pulverização aérea de agrotóxicos. Agora, ao apagar das luzes de 2024, tomamos uma rasteira com a liberação do uso de drone para pulverização. Como se drone não fosse pulverização aérea. Essa foi uma movimentação política suja – porque não tem outro nome para isso –, houve a flexibilização de uma lei que para nós era fundamental. A partir dela, a gente conseguia, aqui no Estado do Ceará, fazer algumas coisas. E só conseguimos fazer com que isso se mantivesse até agora porque teve muita mobilização social. E estamos firmes e fortes também para revogar.

A mesma coisa para o Pronara [Programa de Redução de Agrotóxicos] no governo federal. Na Cnapo [Conselho Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica] sempre discutimos o Pronara. Em 2015 foi assinado um decreto para estabelecer o programa, mas até agora ele não foi regulamentado. E o com a mudança na lei de agrotóxicos, o Pronara é a nossa principal ferramenta de garantia da saúde e de um ambiente saudável para a população brasileira. Porque esse Programa Nacional de Redução dos Agrotóxicos faz uma série de sugestões que vão além de ações do Ministério da Agricultura e garantem minimamente conviver nesse ponto de vista da contaminação ambiental no país. Só estamos conseguindo avançar no Pronara, apesar de toda dificuldade, por conta da luta e participação popular.

Edição: Nicolau Soares