Praias impróprias

Surto no litoral paulista reacende alerta sobre saneamento precário no Brasil

Pesquisas identificaram a presença do norovírus nas fezes de pessoas doentes; microrganismo é comum em água não tratada

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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2025 começou com aumento de casos de problemas gastrointestinais causados por norovírus no litoral de São Paulo - Foto: Carlos Nogueira / Prefeitura de Santos

Com mais de 11 mil casos, o surto de gastroenterite que afeta o litoral de São Paulo desde dezembro agora tem uma possível causa mais concreta. Nesta semana, a Secretaria de Saúde do estado confirmou a presença do microrganismo norovírus nas fezes humanas de pacientes atendidos no Guarujá e na Praia Grande. 

A descoberta aumenta as suspeitas de que o cenário observado na região litorânea paulista está diretamente relacionado à precariedade no saneamento básico. Com o verão e o aumento considerável de pessoas nesses locais, a infraestrutura, já deficitária, tem ainda menos chances de aguentar a demanda. 

Mesmo com um Plano Nacional de Saneamento instituído desde 2013, o Brasil ainda não consegue garantir esse direito básico para quase metade da população. Essa realidade causa doenças, mortes, amplia a desigualdade e leva à costa brasileiras resíduos que prejudicam a saúde humana e o meio ambiente. 

Atualmente, somente no litoral paulista, há quase 40 praias impróprias para banho, de acordo com as autoridades sanitárias locais. O Brasil não conta nem mesmo com um mecanismo único de monitoramento da qualidade da água nesses locais.  

Embora a Sabesp, empresa responsável pelos serviços de saneamento na região, negue que o surto esteja relacionado a falhas na operação da rede de esgoto, a Prefeitura do Guarujá aponta a possibilidade de vazamentos clandestinos como causa da contaminação.  

De acordo com a pesquisadora Adriana Sotero - que atua no Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - o que acontece no litoral é resultado da precariedade observada em diversas regiões do Brasil, especialmente nas comunidades mais pobres e precarizadas. 

"A nossa própria malha hídrica está sendo incorporada, muitas vezes, a um sistema de esgotamento sanitário, que não é adequado", explica a professora. "Quando o esgoto é lançado in natura no corpo hídrico, isso volta para nós. Vai refletir nas nossas praias, nas nossas lagoas, nos nossos mananciais de captação" 

Em entrevista ao Brasil de Fato, Sotero destacou que o problema se agrava nas áreas com maior vulnerabilidade social, como favelas e periferias, muitas vezes excluídas dos planos de saneamento.   

Além disso, segundo ela, a Lei 14.026/2020, que alterou o marco regulatório do saneamento, abriu caminho para a privatização desses serviços. A inserção desse direito fundamental na lógica do lucro privado causa prejuízos difíceis de reverter.  

"Transferir a responsabilidade do Estado para a elaboração, execução e implementação da política de saneamento para o setor privado torna o processo extremamente perverso."

A pesquisadora também chamou a atenção para a importância da participação da sociedade civil na fiscalização dos serviços de saneamento, tanto os prestados por empresas públicas quanto privadas.  

"Essa irresponsabilidade da gestão nas áreas em condições de vulnerabilidade precisa ser enfrentada por todos os governos em várias instâncias. Precisamos avaliar todas essas interfaces que o saneamento tem com as políticas públicas para zerarmos a conta dessas doenças evitáveis. Há pessoas morrendo por doenças de que não morreriam se houvesse saneamento." 

Nessa lista de males evitáveis estão doenças de transmissão fecal-oral, como diarreias, gastroenterites, cólera e infecções por adenovírus. O norovírus também integra a relação. Além disso, a mudança é fundamental para o combate de patologias como a dengue e outras arboviroses e a leptospirose.  

Saiba mais sobre o vírus 

A altamente contagioso, o norovírus se espalha facilmente de pessoa para pessoa, principalmente através do contato oral ou fecal. Pesquisas científicas apontam a persistência do microrganismo em ambientes aquáticos, o que reforça a tese de que o saneamento precário facilita a propagação. 

Os estudos indicam que o microrganismo é detectado em estações de tratamento de esgoto e lagoas de estabilização de águas residuais, por exemplo. A presença do vírus nesses ambientes facilita a contaminação de fontes de água potável se o tratamento for inadequado.  

Além disso, ele é capaz de sobreviver por muito tempo em superfícies de alimentos e objetos cotidianos como corrimões, maçanetas, mesas e outros itens de uso comum. Basta uma pequena quantidade do vírus para causar os sintomas. 

A ingestão de água ou alimentos contaminados também pode levar à infecção. Os sintomas mais comuns da gastroenterite por norovírus são vômitos, diarreia, dor de estômago, náuseas e febre.  

A doença geralmente dura alguns dias e a maioria das pessoas se recupera sem problemas. No entanto, pessoas com a saúde mais frágil, crianças e idosos podem desenvolver quadros graves. 

Sintomas de desidratação, como boca seca, diminuição da urina e tontura devem acender o alerta, principalmente nessas populações. A melhor forma de prevenir a infecção é lavar as mãos com frequência, especialmente após usar o banheiro, trocar fraldas de bebês e antes de comer. 

Edição: Martina Medina