Mais de 100 lideranças indígenas de diversas etnias do estado do Pará ocupam a Secretaria de Educação nesta terça-feira (14), em defesa da manutenção do Sistema Modular de Ensino (Some), que atende comunidades do campo, ribeirinhas e indígenas.
A iniciativa foi criada há 44 anos e, em muitos casos, representa a única alternativa de ensino médio para jovens e adultos que vivem em áreas distantes dos centros urbanos, com a presença de professores em mais de 90 localidades do estado.
No entanto, segundo as lideranças, que têm o apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp), o governo, por meio do Secretário de Educação Rossieli Soares, pretende substituir o sistema pela modalidade de Ensino à Distância (EAD), com a implantação de centrais de mídia.
A proposta de aulas por meio de televisores é considerada a extinção da educação do campo, das florestas e das águas, onde comunidades vivem com o fornecimento irregular ou a completa ausência de energia elétrica e acesso à internet.
“De maneira unilateral e autoritária, sem ouvir as comunidades atendidas pelo Some, o governo determinou às suas diretorias a não oferta de matrícula no 1º ano, porta de entrada do ensino médio, o que na prática significará a substituição dos professores por TV’s no ensino médio como um todo em três anos. O governador Hélder Barbalho, que posa de defensor da Amazônia e do clima nos eventos internacionais, aplica mais esse golpe contra os direitos humanos das populações tradicionais”, informa nota do Sintepp.
Retaliação à ocupação
Segundo o professor Mateus Ferreira, que está na ocupação, as comunidades indígenas já haviam aberto um processo de negociação com o governo, mas não foram atendidas e, por isso, decidiram o processo de organização de ocupação.
"O governo tem negado tudo, tem negado água, alimentação, fechou a entrada e impede a ajuda de outros apoiadores, por isso estamos aqui dando suporte, mais especificamente logístico. Coordenadores do Sintepp também estão acompanhando e, inicialmente, a maioria são professores do Somei, que é o Some indígena contra a intenção do governo de atender as comunidades sob a mediação de uma televisão".
Imagens divulgadas pelo sindicato apontam retaliação à ocupação, com o corte de energia da Seduc por volta das 9h30, e a presença massiva de policiais.
"Começou a repressão ao movimento. Cortaram a luz da Seduc, mas seremos resistência. Estamos sem energia como forma de retaliação às populações tradicionais e aos povos originários", informa o sindicato.
Alessandra Korap, líder indígena e ativista socioambiental da etnia Munduruku, faz parte da ocupação e denuncia, com publicações em tempo real nas redes sociais, o que descreve como abandono à educação indígena. Segundo publicações, além do corte de energia, a polícia militar fez uso de spray de pimenta nos banheiros para não serem utilizados, além de ameaças de corte de água.
"Ocupamos a Seduc no Estado Pará porque o governador da COP 30 é traidor da educação, tirou o Some e a gratificação dos professores. A escola e os alunos do ensino médio são abandonados pelo Governador do Estado. [Eles] só usam os indígenas para benefício, sem fazer a consulta aos povos indígenas, mas usa o nome dos indígenas. Mexeu com a educação indígena, mexeu com os formigueiros", declara Alessandra.
De acordo com o Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjorpa), os profissionais da imprensa também estão sendo proibidos de cobrir a ocupação no local. Em nota, a entidade afirma que "o Sindicato de Jornalistas do Pará (SINJOR-PA) foi acionado por jornalistas barrados pela PM no portão de entrada da Seduc, o que é lamentável em pleno século XXI, considerando que a liberdade de imprensa e o livre exercício do jornalismo são elementos basilares da democracia".
"Iremos cobrar da Secretaria de Comunicação do Estado (Secom), da Secretaria de Segurança Pública (Segup) e da Casa Civil as devidas explicações, a fim de assegurar o trabalho jornalístico e o direito à comunicação livre por parte da sociedade paraense", completa o texto.
Até o momento, o movimento dialoga apenas com policiais militares, que já acumulam situações de opressão a professores e estudantes que tentam se somar à ocupação em frente ao prédio. As lideranças reivindicam serem atendidas pelo Secretário de Educação Rossieli Soares.
“Nós viemos aqui para trazer a nossa demanda, nossa reivindicação e fazer com que eles reconheçam que com uma canetada, eles estão contribuindo com a morte da educação escolar indígena do estado do Pará, não é de um povo, é da educação do campo também (...)”, diz um dos caciques presentes.
A deputada estadual Lívia Duarte (PSOL) acompanha o caso e alerta o risco iminente de mais casos de opressão ao movimento de ocupação.
"As demandas precisam ser ouvidas, minimamente. O movimento chegou aqui pedindo uma reunião com o Secretário de Educação, no que o governo do estado teria negado e, então, o movimento radicalizou e só sai daqui com a presença do governador ou da governadora em exercício, Hana Ghassan. Esperamos um fim pacífico, mas se não for, que possamos garantir os direitos. A população está aqui muito revoltada, e não vejo um desfecho que não seja o recuo do estado e a garantia de direitos", declara Lívia.
O governo do estado sustenta informações divulgadas desde dezembro de 2024, onde aponta que “não há qualquer iniciativa para acabar com o Some”.
"A Seduc ressalta que é contra todo ato de violência e informa que não é verdade que o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) será finalizado. As áreas continuarão a ser atendidas pelo programa, que chega a pagar até R$ 27 mil para que professores atuem em localidades remotas. Em média, o professor do Some recebe R$ 23,9 mil", afirma a nota divulgada nesta terça-feira. O documento afirma ainda que a remuneração de professores no estado é maior que o piso nacional.
Edição: Nathallia Fonseca