Os mediadores reunidos em Doha nesta quarta-feira (15) deram um impulso final às negociações para alcançar um cessar-fogo na Faixa de Gaza, após 15 meses de guerra entre Israel e Hamas, que deixou dezenas de milhares de mortos.
Segundo o Catar, principal mediador ao lado de EUA e Egito, as negociações estão na "fase final" e os "principais problemas" já foram solucionados.
Nesse contexto, o primeiro-ministro palestino, Mohammed Mustafa, defendeu a pressão internacional sobre Israel, para garantir a criação do Estado Palestino após a confirmação do acordo de cessar-fogo.
É preciso “mostrar a Israel o que está certo e o que está errado, e que o poder de veto sobre a paz e o estatuto de Estado para os palestinos não será mais aceito e tolerado”, disse Mustafa aos jornalistas após uma reunião com o primeiro-ministro norueguês Jonas Gahr Store.
A reunião aconteceu no contexo da terceira reunião da Aliança Global para a Implementação da Solução de Dois Estados para o Conflito Israel-Palestinia, que reúne representantes de cerca de 80 Estados e organizações na capital norueguesa Oslo.
“O cessar-fogo de que falamos... surgiu principalmente devido à pressão internacional. Por isso, a pressão compensa”. O cessar-fogo é “necessário, mas não suficiente”, disse Mustafa.
“Precisamos de um cessar-fogo para começar a fazer outras coisas”, disse, acrescentando que as tréguas deveriam conduzir a uma maior segurança, à abertura de mais postos fronteiriços em Gaza e a mais assistência humanitária.
O ministro norueguês dos Negócios Estrangeiros, Espen Barth Eide, anfitrião da reunião de quarta-feira, sublinhou que “o cessar-fogo é a condição prévia para a paz, mas não é a paz”. “Precisamos de avançar agora para uma solução de dois Estados. E uma vez que um dos dois Estados existe, que é Israel, precisamos de construir o outro Estado, que é a Palestina”, acrescentou.
O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, apoiado firmemente pelo Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, opõe-se à criação de um Estado palestino.
A Noruega juntamente com a Espanha e a Irlanda, reconheceram o Estado Palestino em maio passado, uma medida que foi seguida pela Eslovénia.
Numa alusão à história, a reunião de quarta-feira teve lugar na Câmara Municipal de Oslo, onde Yasser Arafat, Yitzhak Rabin e Shimon Peres receberam o Prémio Nobel da Paz em 1994.
O então líder da Organização de Libertação da Palestina, o primeiro-ministro israelense e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros foram homenageados pela assinatura dos Acordos de Oslo um ano antes, que lançaram as bases para a autonomia palestiniana com o objetivo de um Estado independente.
Negociações
As negociações foram aceleradas a menos de uma semana do retorno de Trump à Presidência dos Estados Unidos em 20 de janeiro, em um contexto de pressão internacional sobre as diversas partes envolvidas. O republicano alertou que a região seria mergulhada em um "inferno" se os reféns, mantidos pelo Hamas desde 7 de outubro de 2023, não fossem libertados antes de assumir o cargo.
Neste contexto, os presidentes dos Estados Unidos, Joe Biden, e Egito, Abdel Fatah al Sissi, pediram na última terça-feira (14) que todas as partes mostrassem "a flexibilidade necessária" para alcançar o acordo.
Segundo fontesà AFP, o grupo palestino Hamas e os negociadores israelenses estão em salas separadas. Fontes palestinas também afirmaram que a Jihad Islâmica, grupo de resistência aliado do Hamas, também participa das discussões, de modo que o acordo foi aprovado entre ambos os movimentos.
“As facções da resistência chegaram a um acordo entre si e informaram os mediadores de sua aprovação do acordo de troca (de prisioneiros) e do cessar-fogo”, disse uma fonte à AFP sob condição de anonimato.
O que prevê o acordo?
A primeira fase do acordo de cessar-fogo deve prever a libertação de 33 reféns em troca de mil palestinos detidos por Israel. Eles seriam libertados "em grupos, começando com crianças e mulheres", segundo fontes próximas ao Hamas.
O governo israelense confirmou que Israel está buscando a libertação de "33 reféns" durante esta etapa inicial e que está preparado para libertar "centenas" de prisioneiros palestinos.
A segunda fase, que começaria no 16º dia após o início da trégua, envolveria a libertação dos últimos reféns, "soldados do sexo masculino, homens em idade militar e os corpos dos reféns assassinados", de acordo com o jornal Times of Israel.
O acordo é um aceno por uma trégua no conflito, desencadeado após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023. Na ocasião, 1.210 israelenses foram mortos e 251 sequestrados, segundo uma contagem da AFP com base em dados oficiais.
Dos sequestrados, 97 permanecem em cativeiro em Gaza, mas o Exército israelense estima que 34 deles foram mortos. De acordo com o Hamas, os reféns israelenses foram mortos pelos próprios bombardeios de Tel Aviv contra o enclave palestino.
Após o ataque, Israel passou a promover um genocídio na Faixa de Gaza, vitimando pelo menos 46.707 pessoas, a maioria civis, entre eles mulheres e crianças, de acordo com dados do Ministério da Saúde de Gaza, que a ONU considera confiáveis.
Uma autoridade israelense afirmou, na terça-feira, que Israel não sairia de Gaza "enquanto todos os reféns não retornassem, os vivos e os mortos". Para além da questão dos reféns, a imprensa israelense veiculou que Tel Aviv poderia manter uma "zona de contenção" de norte a sul da Faixa de Gaza durante a primeira fase da trégua.
Em detalhes maiores, essa zona iria em direção ao sul, até Rafah, na fronteira com o Egito, e até Beit Hanun, no norte de Gaza. As forças israelenses no enclave permitiram que civis palestinos saíssem do sul em direção ao norte da Faixa.
Já o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, propôs o envio de uma força de segurança internacional para Gaza e a colocação do território sob a responsabilidade da ONU.
Apesar das concordâncias, os principais pontos que os lados divergem são em relação ao tempo de duração da trégua, entrega de ajuda humanitária e logística para os civis retornarem às suas casas.
Pontos sobre governança de Gaza, saída das tropas israelenses e reabertura das fronteiras também são debatidos para um pós-trégua na região. A retirada total das Forças de Defesa Israelenses (IDF) do enclave já foi rejeitada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que também se opôs a qualquer papel do Hamas no futuro governo de Gaza.
Enquanto os mediadores se esforçam por um acordo de trégua, Israel intensifica seu bombardeio em Gaza, sob o pretexto de que está alvejando os combatentes do Hamas.
Na madrugada desta quarta, 24 pessoas foram mortas, segundo socorristas, sobretudo em Deir al Balah, no centro do território, e na Cidade de Gaza, no norte, onde um bombardeio atingiu uma escola na qual deslocados estavam abrigados.
Desde o início da guerra, apenas uma trégua foi estabelecida, por um período de uma semana, no final de novembro de 2023.
*Com AFP
Edição: Leandro Melito