Refugiados do TikTok

Com TikTok prestes a ser banido nos EUA, jovens migram para rede social chinesa 'Pequeno Livro Vermelho'

Estadunidenses fazem rede chinesa liderar downloads de aplicativos; TikTok pode ser banido a partir do próximo domingo

Brasil de Fato | Pequim (China) |
Por causa do iminente banimento do TikTok, milhares de estadunidenses decidiram entrar no Pequeno Livro Vermelho - ADEK BERRY/AFP

“Quando acordei, o Pequeno Livro Vermelho estava todo em inglês!”, postou uma usuária da província de Shaanxi na rede social chinesa 小红书 (pronunciado em mandarim xiǎo hóng shū), que pode ser traduzido como Pequeno Livro Vermelho ou Livrinho Vermelho. Nos últimos dias, centenas de milhares de estrangeiros, principalmente dos Estados Unidos, se uniram à rede social chinesa, que apenas possui versão em mandarim.

Por causa do iminente banimento da rede social TikTok nos EUA, que deve ocorrer no próximo domingo (19), milhares de estadunidenses decidiram entrar na rede social chinesa sob a hashtag “TikTok Refugees” (Refugiados do TikTok).

 O TikTok possui 170 milhões de usuários nos Estados Unidos, segundo números da própria companhia.  

Mas a uma semana de ser banida em território estadunidense, a rede começou a perder espaço para o Pequeno Livro Vermelho. Tanto que só entre os dias 12 e 14 de janeiro, o aplicativo da nova rede teve 1,1 milhão de downloads apenas na Apple, segundo o instituto DataEye, de Shenzhen.

Criada em 2013, xiaohongshu é a rede social que mais cresce na China e é composta em 70% por mulheres. Em 2023, a empresa gerou US$ 3,7 bilhões, com lucro líquido de US$ 500 milhões.

No dia 12, o Pequeno Livro Vermelho estava na 11ª posição dos rankings de aplicativos gratuitos mais baixados da App Store, de acordo com site de análises de aplicativos Sensor Tower. Já no dia 13, ele passou a estar em primeiro lugar e continuava no topo até esta quinta-feira (16). No Google Play, o aplicativo também aparecia entre os mais baixados, em primeiro lugar.

Até meados de 2024, a rede havia atingido a média de 320 milhões de usuários ativos por mês e era famosa na China por viralizar conteúdos com temas de beleza, alimentação e vestuário. Como outras redes sociais ocidentais, o Pequeno Livro Vermelho também é utilizado para gerar renda, com alguns requisitos, como ter pelo menos mil seguidores, se tornar parceiro de alguma marca, entre outros.

Conhecendo a China

As primeiras interações com os recém-chegados vão de troca de "memes" à derrubada de mitos sobre a China e ajuda nos estudos de inglês dos chineses.

Nos primeiros vídeos, estadunidenses tentam falar suas primeiras palavras em mandarim e também oferecem ajuda aos chineses que estão estudando inglês.

Uma das tendências foi a de comentar sobre estereótipos de uns sobre os outros. Uma usuária norte-americana escreveu em um dos vídeos: "Espere, o crédito social era uma mentira então!?", em referência a um suposto sistema de pontuação administrado pelo governo central da China pelo qual indivíduos sofreriam punições ou recompensas.

Já um usuário registrado como @ComradeWorkwear fez um vídeo destacando que as pessoas nos EUA estão conseguindo contornar o que chamou de "propaganda anti-China" e se informando diretamente com cidadãos chineses.

"A parte mais louca sobre toda essa mudança para o Livro Vermelho é que os cidadãos americanos agora estão conectados aos cidadãos chineses. A máquina de propaganda dos Estados Unidos, que nos faz ter medo deles, nos faz pensar que suas vidas são uma merda ou que estão num reino autoritário, foi simplesmente destruída", argumenta.

A usuária @NatashaReader respondeu: “É tão engraçado como eles tentaram tanto que estivéssemos brigando uns com os outros, mas aqui estamos apenas vibrando e aprendendo sobre a cultura um do outro".

Política e Brasil

Além das boas-vindas, muitos chineses alertaram os usuários novos sobre algumas regras para interagir no aplicativo: “Por favor, não mencione temas sensíveis na política, religião ou drogas nas redes sociais na China! Por favor, siga o princípio de 'Uma Só China' e rejeite a pornografia, o jogo e as drogas”.

A discussão política não é proibida nas redes sociais chinesas, mas essa advertência sobre "questões sensíveis" é feita porque existem regulamentações que proíbem posicionamentos políticos na internet que envolvam a subversão do poder do Estado, a divisão do país ou o incitamento ao ódio étnico, entre outros. Também é proibida a propagação de informações enganosas‌ e notícias falsas.

Assim, plataformas que nascem voltadas para o entretenimento se mantêm apenas com esse objetivo, como é o caso do Pequeno Livro Vermelho. Os debates mais políticos - ainda respeitando as regulamentações mencionadas anteriormente - ocorrem no Weibo, uma rede social similar ao X, antigo Twitter.

“Com paciência e um pouco mais de tempo tentemos acabar com as mentiras feitas pelas redes sociais, aquelas redes sociais de propriedade de pessoas ricas que não querem que você saiba a verdade, mas querem seu dinheiro”, respondeu o usuário chinês Yanyu Xingjun.

O Pequeno Livro Vermelho já chegou ao Brasil e é possível achar muitas contas de brasileiros também.
 


Primeiras postagens de brasileiros e brasileiras no Pequeno Livro Vermelho

O fim do TikTok nos Estados Unidos

A decisão de banir o TikTok, a não ser que seja entregue aos Estados Unidos, está num projeto de lei sancionado por Joe Biden em abril do ano passado. O projeto deu 270 dias para que a ByteDance vendesse o aplicativo nos Estados Unidos.

Apesar de ter sido fundadora do TikTok, a chinesa ByteDance detém (entre trabalhadores e fundadores) apenas 40% das ações da rede social. Os 60% restantes já pertencem a multinacionais estadunidenses: Blackrock, General Atlantic e Susquehanna International Group.

O principal argumento para o banimento é que a ByteDance seria controlada pelo governo chinês. O diretor do TikTok, Shou Zi Chew, afirmou em audiência no Congresso estadunidense em 24 de março de 2023 que a ByteDance, na verdade, “não é propriedade nem é controlada pelo governo chinês”.

Apesar de alguns rumores, como o de que o bilionário Elon Musk compraria o TikTok, a empresa estaria preparada para encerrar as operações nos EUA no próximo domingo, segundo informações da agência Reuters.

Edição: Lucas Estanislau