Os primeiros dias de 2025 foram traumáticos para o povo Ava Guarani, no Oeste do Paraná. Na primeira semana do ano, um ataque de pistoleiros alvejou duas crianças e dois jovens dentro da Terra Indígena (TI) Guasu Guavirá, cuja demarcação foi emperrada por conta da aprovação do marco temporal no Congresso Nacional.
Os tiros se somam às outras ofensivas contra o território, especialmente desde o final de 2023. De lá para cá, “12 pessoas foram feridas por arma de fogo, carregando até hoje cicatrizes e chumbo no corpo”, relata a liderança Ilson Soares Karai ao programa Bem Viver desta quinta-feira (16).
Depois do ataque da primeira semana do ano, o governo federal enviou um reforço da Força Nacional, que já estava presente na região. Nos últimos dias, Soares Karai relata que “a situação se mantém num certo controle, mas ao mesmo tempo, a gente não fala que está tranquilo, porque todos esses ataques foram muito traumáticos”.
Embora a liderança reconheça a importância do reforço militar, ele relata que os pistoleiros são “pessoas muito bem treinadas” e que os “ataques foram ataques planejados e aconteceram, assim, de surpresa, porque enquanto a Força Nacional virou as costas por um minuto, o ataque aconteceu”.
“Enquanto a Força Nacional estava em um canto, a aldeia foi atacada por outro canto”, relembra Soares Karai.
O conflito na região é antigo, e remonta a antes mesmo da construção da hidrelétrica Itaipu, que atingiu diretamente o povo indígena. A usina, resultado de um acordo da ditadura militar brasileira com o governo paraguaio, foi feita na década de 1970 e causou a expulsão de comunidades inteiras, além do fim de um ponto sagrado aos Ava Guarani, as Sete Quedas de Guaíra, que deram lugar ao lago de Itaipu.
Após os ataques do início deste ano, a Justiça Federal proibiu o povo Ava Guarani de ocupar e promover movimentações dentro do Parque Nacional do Iguaçu (PNI), no Oeste do Paraná, sob pena de multa diária de R$1 mil. A determinação do juiz Sérgio Luís Ruivo Marques atendeu uma ação de interdito proibitório proposta pelo Instituto Chico Mendes de Conservação de Biodiversidade (ICMBio), que administra o parque, e segundo o qual há “risco iminente” de “invasão” de áreas por indígenas.
“É um absurdo”, resume Ilson Soares Karai.
“Lá é o nosso espaço territorial ancestral, considerado para nós sagrado. Não só o espaço que a gente ocupa, mas também o planeta em si. Porque para nós o planeta é o nosso irmão. A Terra é a nossa mãe, a gente chama a Terra de Mãe Terra, porque é dela que a gente nasceu e é sobre ela que a gente vive, é dela que a gente tira o nosso sustento e é por ela que a gente vai ser acolhido quando a gente tombar”, explica a liderança.
Além dos pistoleiros, Ilson Soares Karai afirma que boa parte da população urbana da região ameaça os indígenas. Segundo ele, a comunidade tem problema em andar nas ruas de Guaíra ou Terra Roxa, ambas no Paraná.
A liderança atribuiu essa situação a mentiras que são espalhadas, especialmente, pelos veículos de rádios locais.
“Eles conseguem fazer com que a sociedade inteira fique contra os guaranis, tanto é que aqui no município a gente não tem liberdade de sair na rua, tem muitas tentativas de atropelamento, tem pessoas que apontam arma para a nossa cara quando a gente sai na rua, então aqui é uma situação bastante caótica, o que a gente está vivendo hoje é uma calamidade”.
Depois do início deste governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas iniciaram uma negociação com a usina de Itaipu para achar uma solução para o conflito.
Uma câmara de conciliação foi instalada na Advocacia-Geral da União. O chefe da AGU, Jorge Messias, confia numa resolução ainda neste ano.
Enquanto isso, o relato dos indígenas é que a situação está no seu pior momento.
“Hoje, por mais que pareça tranquilo, por mais que pareça que está tudo quieto, as famílias não dormem durante a noite. Os xondaro [guerreiros guarani] ficam monitorando as divisas da aldeia, comunicando qualquer movimento que acontece nas divisas, carro suspeito, pessoas suspeitas, então todo mundo fica nesse alerta. As mães que ficam em casa também não conseguem dormir, ficam preocupadas com xondaro que estão fazendo ali o monitoramento da aldeia”.
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Edição: Nathallia Fonseca