“Falta de interesse público”, “risco de fuga”, “quadro agravado”. Esses foram alguns dos argumentos usados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, para negar, nesta quinta-feira (16), o pedido da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para reaver seu passaporte e viajar aos Estados Unidos, onde pretendia participar da posse de Donald Trump, marcada para a próxima segunda-feira (20).
Na decisão, Moraes afirma que não há alteração do quadro fático que levou à imposição das medidas cautelares ao ex-presidente pela Primeira Turma do tribunal. Pelo contrário, diz a decisão, “agravou-se”. Moraes ainda cita entrevista de Bolsonaro ao jornal Folha de São Paulo, em novembro de 2024, ou seja, após o indiciamento, em que o ex-presidente cogita a possibilidade de solicitar asilo político para evitar eventual responsabilização penal no Brasil.
O ministro do STF ainda menciona publicação de Bolsonaro na rede social X, em que o ex-presidente se manifesta publicamente “favorável à fuga de condenados” no caso da depredação das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Na postagem, Bolsonaro agradece ao presidente argentino, Javier Milei, por abrigar os foragidos da Justiça brasileira.
Em outro trecho da decisão, Moraes cita reportagem do jornal O Globo, em que consta uma declaração de Jair Bolsonaro, durante a abertura da Conferência Conservadora de Ação Política (CPAC) de 2024, na Argentina. “O que passou no oito de janeiro não foi programado pela direita, mas pela esquerda e teve esse final. Temos pessoas presas no Brasil e muitos estão refugiados na Argentina... Então te agradeço pela recepção”, declarou o ex-presidente brasileiro no evento da extrema direita.
O pedido para que a devolução do passaporte e autorização de viagem ao exterior foi enviado ao Supremo no dia 10 de janeiro de 2025 pela defesa de Jair Bolsonaro. No dia seguinte, sábado (11), o ministro Alexandre de Moraes determinou a apresentação de um documento oficial que comprovasse o convite para que o ex-presidente participasse da cerimônia de posse em Washington (DC).
A defesa de Bolsonaro respondeu ao STF no dia 13, sem apresentar a documentação solicitada pelo ministro. Sobre esse ponto, Moraes destaca na decisão desta quinta que a defesa do ex-presidente não cumpriu sua decisão do dia 11, ao não apresentar "documento probatório que demonstrasse a existência de convite realizado pelo presidente eleito dos Estados Unidos".
Na quarta-feira (15), a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o pedido de Bolsonaro. No parecer, o procurador-geral, Paulo Gonet, afirma que não há “necessidade básica, urgente e indeclinável” que justificasse o relaxamento das medidas cautelas impostas pelo Supremo. O PGR disse ainda não haver “interesse público” na viagem em questão.
“Não há, tampouco, na petição, evidência de interesse público que qualifique como impositiva a ressalva à medida de cautela em vigor. É ocioso apontar que o requerente não exerce função que confira status de representação oficial do Brasil à sua presença na cerimônia oficial nos Estados Unidos”, avaliou Gonet, em trecho destacado pelo ministro Alexandre de Moraes, ao indeferir o pedido de Bolsonaro.
Inquérito
O inquérito da Polícia Federal (PF) que investiga a tentativa de golpe de Estado, incluindo um plano para assassinar autoridades da República, apontou a existência de organização criminosa que visava realizar ataques virtuais a opositores e a instituições de Justiça, sobretudo ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), colocando em dúvida o sistema eletrônico de votação e a confiança no sistema eleitoral.
Além disso, a PF aponta para a tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Bolsonaro também é investigado pelo uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens, o que inclui a suposta falsificação dos documentos de vacinação e a venda de objetos do acervo da Presidência da República. O ex-presidente nega as acusações.
Diante delas, a Primeira Turma da Suprema Corte decidiu proibir Bolsonaro de se ausentar do país, com determinação para a entrega de todos os seus passaportes. O ex-presidente também está proibido de ter contato com outros investigados e de participar de cerimônias, festas ou homenagens realizadas no Ministério da Defesa, na Marinha, na Aeronáutica e nas Polícias Militares. A defesa de Bolsonaro já solicitou a suspensão das medidas cautelas em três ocasiões. Todos os pedidos foram negados pela Primeira Turma do STF.
Credibilidade de Eduardo Bolsonaro questionada
Na decisão desta quinta, o ministro Alexandre de Moraes menciona trechos de declarações do deputado Eduardo Bolsonaro, que teria intermediado o suposto convite para a posse do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Moraes cita reportagens que demonstram o apoio do parlamentar “à ilícita evasão do território nacional de réus condenados”. Novamente, o ministro se refere aos foragidos que foram condenados por diversos crimes cometidos em 8 de janeiro de 2023 contra as sedes do STF, Congresso e Palácio do Planalto, em Brasília.
“O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) divulgou vídeo nesta quarta (4) em que diz ter visitado dois militantes dos ataques aos Três Poderes fugitivos do Brasil e que estão presos há 20 dias em La Plata, a 60 km de Buenos Aires. Eles estão foragidos e pediram refúgio político ao governo do presidente Javier Milei, aliado da família Bolsonaro”, diz trecho de reportagem do portal UOL, mencionada por Moraes na decisão.
“Em discurso na edição argentina da Conferência da Ação Política Conservadora (CPAC), o deputado Eduardo Bolsonaro pressionou o governo do presidente Javier Milei a dar refúgio aos 61 foragidos na Argentina dos atos de vandalismo em Brasília, em 8 de janeiro”, cita outro trecho de reportagem da revista Carta Capital.
Reações
Jair Bolsonaro participou de uma live no começo da tarde desta quinta após a divulgação da decisão do ministro Alexandre de Moraes. “Essa questão do passaporte ainda está em jogo”, disse o ex-presidente investigado. Ele informou que seus advogados pediram para que ele não comentasse detalhes do processo, já que ainda cabe recurso. Na entrevista, Bolsonaro afirmou que sua esposa, Michelle Bolsonaro, viajará no sábado de manhã a Washington para participar da cerimônia de posse de Donald Trump. “Ela vai ter um tratamento especial lá, pela consideração que o presidente Trump tem comigo”, disse Jair Bolsonaro.
O pedido da defesa de Bolsonaro para manter discrição em relação a um possível recurso ao STF para a suspensão das medidas cautelares impostas ao ex-presidente, explica a ausência de manifestações dos seus apoiadores mais próximos. Apenas o advogado e assessor de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, usou a rede social X para reproduzir declarações do ex-presidente à imprensa, em que afirma não pensar em fuga.
Por outro lado, parlamentares de esquerda celebraram a negativa do ministro Alexandre de Moraes e defenderam a punição do ex-presidente pelos crimes dos quais é acusado no inquérito do golpe. O vice-líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados, Alencar Santana (PT-SP) publicou em seu perfil no X: “Que Jair Bolsonaro não vai mais fugir do Brasil e vai ver a posse de Donald Trump pela televisão”.
Na mesma rede, a deputada Erika Hilton (Psol-SP), líder do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) na Câmara, afirmou que, “além dos indícios de que o convite feito não era oficial, a decisão diz ainda que Bolsonaro continua dando indícios de que pode tentar fugir do país”.
O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que se trata de “um grande dia”. “Passagem mesmo, Bolsonaro só tem pela polícia. Para os EUA, não vai ter. Moraes negou a devolução do passaporte, apreendido para que não fuja”, escreveu.
Edição: Martina Medina