A ocupação de lideranças indígenas no prédio da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc) contra alterações no sistema de ensino chega ao terceiro dia e garante ainda mais força com a chegada de quilombolas, anúncio de greve dos professores do estado, interdições em rodovias e protestos.
Os manifestantes pedem a revogação da Lei nº 10.820, aprovada em dezembro de 2024 pelo governador Hélder Barbalho que, entre outras alterações, substitui as aulas presenciais pelo ensino online em áreas distantes de centros urbanos, a exemplo de comunidades do campo, tradicionais e quilombolas e terras indígenas, que historicamente sofrem com o fornecimento irregular ou ausência de energia e internet.
Há 44 anos, as aulas são fornecidas por meio do Sistema Modular de Ensino (Some) e do Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), em que professores se deslocam até as comunidades onde, segundo o governo, não é possível construir uma escola com toda a estrutura do ensino regular por ter menos alunos.
Greve, interdições e protestos
Desde o início da ocupação, na manhã de terça-feira (14), uma série de irregularidades relacionadas à violência, censura e cerceamento de liberdade têm sido denunciadas pelo movimento de ocupação e apoiadores, a exemplo do corte de energia, uso de spray de pimenta e proibição de entrada de parlamentares, advogados e imprensa.
Sem diálogo com o governo, os professores da rede de ensino do estado anunciaram na manhã desta quinta-feira (16) o indicativo de greve a ser iniciada no dia 23. O anúncio foi feito à população por meio de uma passeata nas ruas de Belém que culminou na ocupação do Congresso Internacional de Direitos Humanos, que acontece na Estação das Docas e deve receber a presença da ministra Macaé Evaristo.
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp), quem vai pagar pelo prejuízo da retirada dos docentes das terras indígenas e ribeirinhas são as comunidades. Por isso, a reação à ameaça de fechamento das turmas foi imediata.
"Nosso estado tem mais de 55 etnias e uma população indígena de mais de 60 mil pessoas. Não podemos aceitar que o estado da COP30 tire o direito destas comunidades à formação integral. Queremos ser ouvidos pelo governador do Pará", declarou Conceição Holanda, coordenadora geral do Sintepp.
No sudeste paraense, indígenas da etnia Gavião interditaram a BR-222 durante a manhã desta quinta. Na região do Baixo Tapajós, 14 povos indígenas interditam desde 13h a BR-163, em apoio à ocupação da Seduc, em defesa da manutenção do Some e Somei e pela saída do Secretário de Educação, Rossieli Soares.
"Esse é um ato pela educação e contra os retrocessos que a Lei 10.820 vai causar à população indígena, não-indígena e ao próprio estado. Os grandes impactos estão sendo feitos ao longo dos anos pelo secretário e governador, por isso estamos aqui sem tempo determinado e só sairemos depois da revogação da lei no Diário Oficial", destaca Lucas Tupinambá, vice-coordenador do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita).
A deputada federal professora Luciene Cavalcante (Psol-SP) oficiou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Ministério de Estado da Educação e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) no sentido de garantirem providências emergenciais e defesa do direito à educação dos povos indígenas.
"O secretário Rossieli precisa sair do cargo imediatamente, pois ele comete inúmeros crimes com a destruição da rede de educação pública estadual do Pará e esse ataque mais recente aos povos indígenas. É racismo institucional o que ele está promovendo no estado do Pará, impedindo acesso a um direito fundamental. É crime de omissão, de responsabilidade, violação de direitos e não vamos permitir. O MEC precisa agir, os ministérios precisam agir de forma integrada para a proteção dos indígenas, conjunto de servidores e população", explica Luciene.
Em razão do cerceamento de liberdade imprensa, já comunicado à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a rede de comunicadores indígenas tem mantido jornalistas e apoiadores informados dos desdobramentos da ocupação por meio de uma força tarefa diária nas redes sociais do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Educação (Seduc) e Secretaria de Comunicação (Secom) do governo paraense, mas não recebeu retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para manifestações.
Edição: Nicolau Soares