Nova política?

Trump mira Venezuela para negociar petróleo e migração em segundo mandato nos EUA

Para analistas, postura do republicano para a Venezuela ainda é incerta; presidente eleito toma posse nesta segunda (20)

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Trump disse que não comprará mais petróleo da Venezuela e afirmou que o governo chavista precisará aceitar a deportação dos imigrantes venezuelanos - Anna Moneymaker / GETTY IMAGES NORTH AMERICA

O novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já é uma cara conhecida para a América Latina e especialmente para a Venezuela. O republicano que toma posse para um segundo mandato nesta segunda-feira (20) foi um dos principais responsáveis por implementar um bloco de sanções contra funcionários do governo e contra o próprio mercado venezuelano que impactaram a economia do país caribenho. Analistas entendem que os próximos passos são imprevisíveis, mas que o conservador dá alguns indícios do que será sua política para a Venezuela.

Em sua primeira entrevista coletiva depois de eleito, Trump disse que não comprará mais petróleo da Venezuela e afirmou que o governo chavista precisará aceitar a deportação dos imigrantes venezuelanos que vivem de maneira irregular nos Estados Unidos. Caso contrário, a Casa Branca exerceria ainda mais “pressão econômica” sobre Caracas. 

No domingo (19), um dia antes da posse, o republicano citou em seu discurso 7 vezes a palavra Venezuela. Em todas as ocasiões, a referência foi a “criminosos venezuelanos” que atuam nos Estados Unidos e que, segundo Trump, serão deportados de volta para a América do Sul. 

Trump também tem montado um gabinete recheado de nomes contrários aos governos de esquerda latinoamericanos. O principal deles é Marco Rubio. Escolhido para ser o secretário do departamento de Estado, o senador de 53 anos de origem cubana nascido em Miami copresidiu, até o momento, a comissão de inteligência no Senado e tem um discurso duro contra Venezuela e Cuba

Para William Serafino, cientista político da Universidade Central da Venezuela, é possível que essas ameaças sejam feitas de forma pública para mobilizar a base trumpista, mas não necessariamente signifiquem um aumento da repressão econômica à Venezuela.

“Não alimentar o conflito com a Venezuela ou embarcar em agendas suicidas contra Caracas pode ser lido pelo seu eleitorado como um sinal de respeito pelas promessas feitas na campanha, o que daria maior legitimidade e apoio interno", afirmou ao Brasil de Fato.

"É possível que ele lembre do que foi Juan Guaidó, e que não queira repetir o mesmo erro político. A avalanche de sanções, operações golpistas e um envolvimento intenso na situação venezuelana não trouxeram benefícios concretos durante a sua primeira gestão, então ele pode adotar uma política pragmática. Mas aí entram em jogo outros fatores: os lobbies, os interesses e a agenda ideologizada dos neoconservadores do seu gabinete.”

Para a deputada e ex-embaixadora venezuelana Ilenia Medina, a política de Trump depende também da questão energética para ser definida. De acordo com ela, os Estados Unidos tiveram uma atuação política forte na Líbia e na Síria para derrubar os governos locais e garantir a exploração do petróleo daquela região de maneira muito mais barata. O ex-presidente sírio, Bashar Al Assad, denunciou em diversas ocasiões a tentativa dos EUA de “roubar petróleo” de seu país. 

“É muito difícil prever a atuação de Trump. Conhecemos algumas coordenadas levando em consideração a afirmação de que ele quer a autossuficiência do petróleo estadunidense. Um ponto que define ele é a ideia de ter uma economia mais autônoma que não dependa do intercâmbio com a União Europeia. No caso do petróleo, ele quer fazer o que fez [Barack] Obama, que é conseguir níveis importantes de produção petroleira”, disse ao Brasil de Fato

Mesmo que busque uma autossuficiência, os Estados Unidos ainda estão longe de conseguir produzir aquilo que consomem de petróleo. Em outubro de 2024, o país produziu 13,46 milhões de barris por dia, segundo a Agência de Informação Energética (EIA). Mas o país consome cerca de 20 milhões de barris por dia.

A dificuldade em aumentar a produção é um ponto a ser resolvido para Trump, já que o país importa uma grande quantidade de petróleo. Ainda de acordo com a EIA, a Venezuela é o terceiro maior exportador de petróleo para os estadunidenses, que dependem também de Canadá, México, Arábia Saudita, Colômbia e Brasil para se aproximar do consumo interno de combustível. 

Serafino destaca que os EUA têm capacidade técnica para explorar mais petróleo, mas há uma série de fatores conjunturais que dificultam essa tomada de decisão. Ele afirma que, por conta disso, o petróleo venezuelano continuará a ser demandado pelos Estados Unidos pela sua disponibilidade, proximidade geográfica e composição. 

“É difícil, na atual situação energética internacional, aumentar a produção sem que um efeito de excesso de oferta no mercado mundial tenha os seus efeitos sobre a indústria americana do óleo de xisto, que precisa de preços elevados para funcionar, levantar capital e na zona de rentabilidade. Soma-se a isso os obstáculos regulatórios, o declínio dos poços, a atitude conservadora dos investidores e o avanço da transição energética. Tem capacidade real, em termos técnicos, mas o que é difícil é encontrar um equilíbrio entre fatores e dinâmicas tão complexos que estão relacionados”, afirmou. 

Histórico de pressão

Desde que assumiu o seu primeiro mandato em 2016, Trump começou a fortalecer o bloqueio contra a Venezuela. Se com Obama o país já tinha sido classificado como uma "ameaça inusual para a segurança interna dos Estados Unidos" a partir da Ordem Executiva 13.692, em 2017 os EUA proibiram a venda do petróleo da Venezuela no mercado internacional. A medida sufocou a economia venezuelana e, somado à crise do covid-19 e um boicote empresarial, levou a uma crise inflacionária e de desabastecimento no país. 

Em outubro de 2023, os EUA começaram a emitir algumas permissões para o mercado venezuelano em resposta ao Acordo de Barbados, assinado entre o governo e parte da oposição para definir as regras para as eleições presidenciais.

A principal delas era a licença 44, que permitia que a Venezuela negociasse petróleo no mercado internacional. Com isso, empresas que quiserem negociar com a petroleira PDVSA terão que ter o aval da Agência de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA.

A licença 44 foi substituída em abril pela licença 44A, que determina que as empresas que mantêm negócios com a PDVSA deveriam encerrar as atividades até 31 de maio e pedir autorização da OFAC do Departamento do Tesouro dos EUA para retomar os negócios. Na prática, é uma forma de colocar travas em negociações com a estatal venezuelana.

Em novembro, o Congresso estadunidense aprovou uma lei que pode orientar a política dos EUA para a Venezuela nos próximos anos. Chamada de Lei Bolívar (da sigla em inglês Oposição Bipartidária a Instituições ou Empreendimentos Alugados e Ato do Regime Autoritário), a norma aprovada pela Câmara dos Representantes tem como principal ponto a proibição para uma "agência executiva" de assinar contratos com o governo venezuelano ou pessoas ligadas à gestão chavista.

Para Ilenia Medina, é difícil prever como será a postura de Trump neste próximo mandato, mas está claro que ele não terá a intenção de regularizar a situação com a Venezuela. De acordo com ela, a resolução em torno da questão migratória será um ponto-chave neste processo. 

“Quando ele fala em autonomia do petróleo ele fala em uma política de segurança nacional. Não acho que Trump tenha a intenção de regularizar as relações com a Venezuela, só se o planejamento de reduzir a migração ao mínimo no seu país obrigue Trump a ter uma relação formal dentro da normativa internacional com a Venezuela e, nesse caso, com Maduro. Nenhum país é obrigado a receber deportações ilegais que o Trump quer fazer. Um dos princípios da doutrina do migrante é o direito a migrar. E também há um aspecto muito importante que é o princípio da não devolução. A deportação massiva também é altamente proibida”, afirmou. 

Aproximação estratégica?

Maduro tem adotado um tom de cautela ante a nova composição da Casa Branca. Mesmo que os EUA não tenham reconhecido a vitória eleitoral do chavista em 28 de julho de 2024, o Ministério das Relações Exteriores da Venezuela parabenizou e eleição do republicano em novembro e reforçou que é importante respeitar a “soberania e a autodeterminação dos povos”.

O próprio presidente chegou a dizer que não teve uma boa relação com os Estados Unidos durante sua primeira gestão, mas que agora é a chance de ter um “recomeço”. 

De maneira objetiva, os estadunidenses têm aumentado também a participação no mercado petroleiro venezuelano. Em julho, a Assembleia Nacional da Venezuela aprovou a prorrogação por 15 anos da atuação da empresa mista Petroindependência. A companhia pertence majoritariamente à estatal petroleira PDVSA (60%), mas tem participação de 34% da Chevron. 

A Chevron tem participação também nas empresas mistas do setor energético da Venezuela: Petropiar, Petroboscán e Petroindependiente. De acordo com a legislação de hidrocarbonetos da Venezuela, essas empresas devem pagar 33% de royalties para a PDVSA e 50% de imposto de renda para o Estado.

Ainda que tenha ampliado acordos com companhias estadunidenses, Serafino entende que há uma limitação dessas companhias dentro das leis venezuelanas e que o governo chavista já tem uma orientação no sentido de fortalecer sua relação política e comercial com parceiros do Brics, para fugir da dependência do mercado estadunidense.

“Incentivar investimentos e ter complementaridade é útil para recuperar participação no mercado norte-americano e contribuir para a oxigenação das finanças nacionais sem abrir mão da soberania. As empresas americanas trabalham sob o marco jurídico venezuelano. As contradições estão do lado de Trump, que é vítima de lobbies concorrentes que lutam para manter ou suprimir o estatuto de licenças específicas e aquela que permite à Chevron operar no país", explicou ao Brasil de Fato.

"Os EUA vão decidir o próximo capítulo desta trama. Mas o governo Maduro definiu, como medida preventiva, que frente a uma nova agenda de pressão contra a indústria, os fluxos energéticos serão redirecionados para os países do Brics, onde a Venezuela mantém uma relação energética com a China, a Rússia e a Índia."

Edição: Leandro Melito