Depois de o governo federal anunciar o diplomata André Corrêa do Lago como o presidente da COP30 nesta terça-feira (21), o movimento indígena veio a público lamentar não ter ainda atendida a demanda de ter um representante na copresidência da Convenção do Clima da ONU, marcada para novembro em Belém (PA).
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) saudou a nomeação e a “ampla experiência em negociações e na agenda climática” de Corrêa do Lago, atual secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty. “Confiamos que ele terá capacidade de liderar as discussões rumo a metas climáticas mais ambiciosas”, afirmou a organização indígena em nota.
“Apesar disso”, segue a Apib, “lamentamos profundamente que o governo brasileiro ainda não tenha atendido à nossa demanda por uma copresidência indígena”. De acordo com a entidade, o cargo é reivindicado diante da “importância central dos povos indígenas na proteção dos biomas, da biodiversidade e, consequentemente, do equilíbrio climático”.
A presidência da COP tem a função de mediar as negociações e propor consensos entre países que assinam a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Tem também a responsabilidade de facilitar a elaboração da declaração final do evento.
No mesmo tom que a Apib, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) afirma que as indicações de Lago para a presidência do evento e da economista Ana Toni para a direção executiva mostram “um esforço do governo federal”. Porém, “ainda não garante o que realmente esperamos: o protagonismo dos povos indígenas nas discussões climáticas”.
Segundo Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, a reivindicação da co-presidência da COP30 pelos povos indígenas representa um marco histórico de respeito internacional ao conhecimento indígena na formulação de soluções sustentáveis e sua contribuição inestimável para a preservação ambiental.
“Assumir essa posição não é apenas um gesto simbólico, mas uma oportunidade concreta de amplificar as perspectivas indígenas na proteção dos ecossistemas e na luta contra a crise climática”, diz. “O movimento indígena também destaca a importância de incluir a titulação das terras indígenas como parte integrante dos acordos climáticos.”
Entre os nomes apontados para o cargo pelo movimento indígena estão a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, o cacique Raoni Metuktire e o xamã e líder político Davi Kopenawa.
Apesar de sempre marcar presença nas COPs, os povos originários estão, via de regra, ocupando espaços laterais destinados à sociedade civil. Desde que o governo brasileiro anunciou que vai sediar a 30ª edição da Conferência do Clima da ONU, o movimento indígena pleiteia participar da organização do evento e de suas instâncias decisórias. O bioma amazônico, onde o Brasil vai receber a Cúpula pela primeira vez, abriga aproximadamente 180 povos indígenas.
“A resposta somos nós”
A reivindicação pela copresidência da COP30 já havia sido expressa em outubro do ano passado, quando oito organizações indígenas do Brasil lançaram o manifesto “A resposta somos nós”. Elaborado em Cali (Colômbia) durante a Convenção da Biodiversidade da ONU, o documento exige também o fim da extração de petróleo e gás na Amazônia brasileira, iniciativa não descartada pelo governo Lula (PT).
“Enquanto os governos continuam querendo mediar metas insuficientes e financiamentos vazios, queremos anunciar que, a partir de agora, só haverá paz com a Natureza se declararmos abertamente a guerra contra os combustíveis fósseis e qualquer outro projeto predatório que ameaça a vida no planeta”, diz a carta assinada pela Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani Kaiowá) e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nrodeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), entre outras.
“O governo colombiano já deu o primeiro passo, suspendendo a concessão de novas explorações de petróleo e gás no país e já nos reconheceu como autoridades ambientais”, ilustram as entidades, ao defender que “outros países sigam esse mesmo compromisso”.
Belém sob pressão
A cobrança do movimento indígena chega em momento em que Belém, sede da COP30, está com a Secretaria de Educação ocupada por povos originários. Os indígenas reivindicam a derrubada de uma lei que inviabiliza a educação presencial nas aldeias do Pará.
A reivindicação pela copresidência indígena na COP30 é reforçada também na semana em que Donald Trump assume o Executivo dos Estados Unidos, anunciando passos atrás em relação a acordos globais pela diminuição das emissões de gases do efeito estufa.
“Diante da possível saída dos EUA do Acordo de Paris, os países precisam se comprometer em reduzir ainda mais suas taxas de emissão de CO2”, ressalta nota da Apib.
O assunto foi citado pelo próprio embaixador André Corrêa do Lago no discurso após sua nomeação. “Estamos todos ainda analisando as decisões do presidente Trump, mas não há a menor dúvida que terá um impacto significativo na preparação da COP30 e na maneira como nós vamos ter que lidar com o fato de que um país tão importante está se desligando desse processo”, pontuou.
“Sendo uma COP na Amazônia”, ressalta a Coiab, “é imprescindível que nossa voz, como guardiões históricos das florestas e da biodiversidade, esteja no centro do debate e das decisões”.
O Brasil de Fato questionou a Presidência da República e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima sobre a demanda do movimento indígena, mas não recebeu resposta até o fechamento da matéria. Caso haja retorno, o texto será atualizado.
Edição: Nathallia Fonseca