Sem acordo

No 8º dia de manifestação por educação, indígenas mantém ocupação no Pará: 'Não estamos articulando com o governo'

Manifestantes acusam governo estadual de realizar reuniões com lideranças na tentativa de desarticular o movimento

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ocupação no prédio da Seduc já dura oito dias - Nay Jinknss/@nayjinknss

Na manhã desta quarta-feira (22), representantes do Governo do Pará realizaram uma reunião com lideranças indígenas para propor um acordo em resposta aos protestos pela educação, que já duram mais de uma semana. No entanto, manifestantes que estão no prédio da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc) informam que não foram ouvidos, tampouco tiveram suas solicitações atendidas. Por isso, optaram por continuar no local.

"Esse grupo [que participou da reunião com o governo] não representa a totalidade dos povos indígenas aqui. Não houve nenhum tipo de tentativa de contato conosco", diz a professora Lidia Borari, que participa da ocupação. "Estão tentando deslegitimar o nosso movimento falando apenas com essa comissão", afirma.

De acordo com nota enviada pela Seduc ao Brasil de Fato, foi formada comissão para discutir e construir a Política Estadual de Educação Escolar Indígena, composta por membros do executivo estadual paraense e por lideranças representantes de 34 povos das oito etnorregionais da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa) que compõem o território do Estado. A criação do grupo de trabalho foi publicada no Diário Oficial do Estado do Pará na terça-feira (21).

Em nota, o Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita) informa que o texto usado na reunião com o governo foi elaborado pelos manifestantes. "A proposta era que nós, povos indígenas que estamos ocupando a Seduc, elaborássemos o texto com as pautas da Educação Escolar Indígena, por meio de uma comissão de parentes que se reuniu com o secretário Rossieli Soares", diz o texto.

De acordo com o Cita, essa etapa foi concluída e o texto foi usurpado, "pulando etapas que consideramos essenciais, ou seja, sem a nossa devida participação", diz o informe.

Na avaliação de Borari, a reunião entre a Fepipa e o governo foi uma tentativa de enfraquecer as manifestações. "Eles fazem conversas isoladas. Não procede esse tipo de representação, nós não estamos articulando com o governo do Estado", denuncia a professora.

Os manifestantes pedem a revogação da lei estadual 10.820, que põe em risco o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some), política pública de inclusão de estudantes no ensino médio e nos anos finais do fundamental em comunidades onde não há oferta regular de ensino.  

"Aprovada em 19 de dezembro, ao apagar das luzes do ano legislativo, a nova lei revogou todo arcabouço normativo referente a educação escolar indígena no estado, além de por fim ao regime presencial nas comunidades indígenas do Pará, tornando todas as aulas virtuais", informa nota enviada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Os manifestantes pedem também a exoneração do secretário de educação Rossieli Soares.

De acordo com a nota enviada pela Seduc, o Sistema de Organização Modular de Ensino (Some) será mantido. "As localidades que já contam com estes sistemas de ensino continuarão sendo atendidas no mesmo formato, e a continuidade do programa está garantida, conforme artigo 46 e anexo V, da Lei 10.820, de 19/12/2024. O Some e o Somei [Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena, parte do Some] continuarão a funcionar normalmente, garantindo a educação presencial para as comunidades indígenas e ribeirinhas do Pará", informa o texto.

Os indígenas, no entanto, afirmam que o governo vem gradativamente implementando alterações que afetam a qualidade do ensino no estado. O texto da lei aprovada no fim do ano passado sequer menciona o Some ou o Somei, abrindo brechas para a exclusão dos programas.

Em nota, a Secretaria de Estado dos Povos Indígenas (Sepi) do Pará informa que acompanha as mediações e dialoga, desde a última terça-feira (14), com as lideranças indígenas que ocupam a Seduc, "em busca de resolução para uma conciliação justa e democrática para o fortalecimento da educação indígena no estado".

O Brasil de Fato tentou contato com a Fepipa, mas não conseguiu resposta até o fechamento deste texto. O espaço segue aberto.

Manifestação ganha reforço

Desde o dia 14 de janeiro, cerca de 400 representantes do movimento indígena estão no prédio da Seduc. Os manifestantes são de dez povos, incluindo os Munduruku, Wai Wai, Tembé, Arapiun e Tupinambá. Outro grupo está, desde a quinta-feira (16), no quilômetro 83 da BR 163, no município de Belterra, onde realiza o bloqueio parcial da rodovia.

Nesta quarta-feira, cerca de 60 quilombolas da Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes Quilombolas do Alto Acará (Amarqualta) chegaram à Seduc para se unir aos indígenas e professores que estão no local. A manifestação tem apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp)

Edição: Nicolau Soares