Especulação imobiliária deixa menos espaço para planejamento urbano decente
Após registros recorde de dengue no ano passado, o Brasil inicia 2025 em estado de atenção para a possibilidade de novo crescimento da doença. Nas primeiras semanas do ano, já foram registrados mais de 90 mil casos prováveis e o número de mortes por suspeita de dengue passa de 100 em todo o território nacional.
A preocupação se intensifica com a confirmação da circulação do sorotipo 3 da dengue, que não era observado no país desde 2007. Essa nova variante do vírus representa um desafio para a saúde pública, já que grande parte da população, principalmente as pessoas mais jovens, não possui imunidade contra ela.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, o pesquisador da Fiocruz Antônio Sérgio Fonseca explicou que a volta do sorotipo pode representar um aumento na capacidade de transmissão da doença.
"Isso quer dizer que quem tem até 17 anos não foi exposto a esse vírus. Só aí, temos uma massa enorme de pessoas suscetíveis. São pessoas que nunca tiveram nenhum contato e muito menos a doença. Se o mosquito encontra vários suscetíveis, ele transmite mais facilmente de um para o outro. Então, com isso, se aumenta largamente o risco da disseminação".
Para ampliar o monitoramento do avanço da doença, nesta semana, o Ministério da Saúde anunciou a distribuição de 6,5 milhões de testes rápidos para diagnóstico da dengue em todo o país. A medida visa agilizar a identificação dos casos e permitir que o tratamento seja iniciado o mais rápido possível.
O controle também exige da população medidas que são velhas conhecidas e empenho do governo para relembrar e fiscalizar essas ações. A eliminação dos criadouros é a principal delas, com a extinção de qualquer recipiente que possa conter água parada. Isso também vale para terrenos baldios e locais de depósito de lixo, o que exige políticas públicas.
Cidades e saneamento
Mas o trabalho também precisa ser feito a longo prazo e questões estruturais carecem de solução. Antônio Sérgio Fonseca ressalta que o país precisa modificar processos de urbanização para encarar o problema. Isso envolve, inclusive, a especulação imobiliária.
"No conjunto de coisas que interferem está a mudança urbana. Nós temos dois dois componentes dessa mudança. O primeiro está nos grandes aglomerados, em que você tem baixa qualidade de saneamento, baixa qualidade no armazenamento de água. São locais em que podem surgir criadouros. No outro lado da equação existe a especulação imobiliária, que também pode ter criadouros. Quando você tem essa especulação muito forte, se reduz os espaços de novas construções. Então cria-se menos espaço para construir melhores condições de moradia, com um planejamento urbano mais decente."
Diante do cenário preocupante, o Ministério da Saúde adotou medidas para intensificar o combate à dengue e outras arboviroses. Foi instalado um Centro de Operações de Emergência (COE) dedicado à dengue, responsável por coordenar as ações que exigem respostas rápidas do sistema de saúde. Além disso, o governo federal lançou um novo Plano de Contingência Nacional para Dengue, Chikungunya e Zika, com o objetivo de fortalecer as ações de prevenção e controle em todo o país.
Na conversa com o podcast, o professor afirma que é possível contornar o problema a longo prazo, mas as ações estruturais são imprescindíveis. Segundo ele, desde a chegada da dengue ao Brasil esse tipo de política foi negligenciado. "Estamos muito longe disso. Nós estamos deixando o mosquito dar um olé na gente desde a década de 1986."
*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz. Novos programas são lançados todas as semanas. Ouça aqui os episódios anteriores.
Edição: Nicolau Soares