Reduto do capital

Fórum Econômico Mundial reúne países capitalistas para salvar neoliberalismo falido, afirma ativista do Paquistão

País é um dos que mais sofrem com mudanças climáticas, agravadas pelo modelo de produção e consumo do capitalismo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O Paquistão tem sofrido com enchentes devastadoras resultantes das mudanças climáticas; o país contribui com apenas 1% dos gases que poluem o planeta - Shahid Saeed Mirza / AFP

O Fórum Econômico Mundial (FEM), que se autodefine como uma organização internacional para a cooperação público-privada, realiza sua reunião anual em Davos, na Suíça, nesta semana. Até a próxima sexta-feira (24), figuras da economia mundial se reúnem no evento. Em contraponto, o encontro funciona como “uma oportunidade para os principais países capitalistas se unirem para criar estratégias para salvar a ordem econômica neoliberal falida”. 

A avaliação é de Mudabbir Ali, coordenador internacional da organização Fight Inequality Alliance (Aliança para a Luta contra a Desigualdade, em tradução livre) no Paquistão. Para o ativista, o fórum em Davos “aspira trazer ao sistema capitalista maior concentração de riqueza e poder nas mãos da classe de 1% dos super-ricos”. 

Dados divulgados pela Oxfam na segunda-feira (20), revelam que a riqueza somada dos bilionários do mundo aumentou US$ 2 trilhões (cerca de R$ 12 trilhões) em 2024. Isso representa crescimento três vezes maior do que o registrado no ano anterior. Já o número de pessoas pobres quase não muda desde 1990.

Ali explica que as decisões tomadas no evento capitalista “influenciam diretamente a condição econômica dos países em desenvolvimento no Sul Global”, como o Paquistão. Essa influência é manifesta na forma de desemprego, inflação e aumento da dívida do país no exterior. 

“Também é importante notar que o desenvolvimento e a extravagância dos países ricos no Norte Global dependem da extração e expropriação de recursos naturais dos países pobres no Sul Global”, afirma, ao ressaltar que as decisões do Fórum de Davos “reforçam a divisão entre pobres e ricos ao distorcer o sistema para proteger a elite global, já rica e poderosa”.  

Paquistão, um país ainda feudal

Ao Brasil de Fato, o ativista do conglomerado de organizações que desafiam a riqueza e o poder mal distribuídos no mundo explica que a base econômica do Paquistão é a agricultura, expondo que 69% da população de 240,5 milhões de pessoas, segundo o Banco Mundial, depende do plantio para sua subsistência.  

Contudo, os produtores não são independentes e vivem sob o domínio e exploração de proprietários de terras no país. “Essa vasta classe camponesa enfrenta desafios socioeconômicos significativos, principalmente devido à existência duradoura do feudalismo. Apesar das reformas tentadas décadas atrás, o sistema feudal continua arraigado, deixando os camponeses vulneráveis ​​à exploração por proprietários de terras influentes”. 

De acordo com Ali, o Sistema Judiciário paquistanês considerou as reformas agrárias não islâmicas, de modo que as terras foram restauradas às famílias de proprietários feudais, decisão “histórica” que “reforça as desigualdades sociais e restringe a propriedade da terra para pequenos agricultores”.  

“Essa situação precária dificulta o progresso agrícola, pois qualquer iniciativa que vise melhorar as condições dos camponeses vacila diante do poder feudal sistêmico”, pontua.  

Um exemplo do problema estrutural no sistema econômico do Paquistão é o novo projeto de agricultura corporativa no país apoiado pelo governo neoliberal do primeiro-ministro, Shehbaz Sharif, da Liga Muçulmana do Paquistão. 

Nas províncias de Punjab e Sindh, onde residem mais de 128 mil pessoas, o direito ao acesso à água está sendo ameaçado devido à construção de novos canais no rio Indo que têm como objetivo irrigar o Deserto de Cholistão, desviando o abastecimento para a população. O objetivo final do projeto é tornar a região seca em solo fértil para forjar um território apto para o plantio.

Diante dessa realidade, as decisões tomadas em Davos influenciam na pobreza rural, assim como nas estruturas patriarcais, mudanças climáticas, urbanização e governanças inadequadas e exacerbam toda a precariedade já vivida no Paquistão.  

Por outro lado, o FEM visa criar soluções para os problemas econômicos no mundo. E assim, as organizações populares do Paquistão exigem “reformas significativas para garantir a distribuição equitativa de recursos e melhorar os direitos de propriedade da terra”, caso contrário, as comunidades rurais do país continuarão a enfrentar dificuldades cada vez maiores. 

Exigências pela dívida climática

Por isso, o Fight Inequality Pakistan, em conjunto com o Pakistan Kissan Rabita Committee - organização camponesa do Paquistão filiada à Via Campesina - articulam demandas ao Fórum em Davos:

Coibir os excessos dos bilionários aproveitadores; interromper a exploração econômica e a destruição dos trabalhadores; acabar com os subsídios estatais para capitalistas e redirecionar recursos para o bem-estar público; implementar um salário mínimo mensal de 37 mil rúpias paquistanesas (cerca de R$790); interromper a construção dos canais no rio Indo; abolir a agricultura corporativa e distribuir terras para pequenos agricultores e para pessoas sem-terra; substituir empréstimos a países pobres por ajuda urgente para justiça ambiental; recusar empréstimos exploradores e, em vez disso, investir na erradicação da pobreza e em projetos de bem-estar público. 

As organizações ainda exigem, de forma específica, que seja fornecido “pelo menos” um milhão de rúpias paquistanesas (cerca de R$ 21 mil) para as vítimas das enchentes de 2022. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o desastre climático submergiu um terço do país, afetando 33 milhões de pessoas, sendo metade crianças.  

A ONU ainda afirmou que as enchentes danificaram a maioria dos sistemas de água nas áreas afetadas, de modo que 5,4 milhões de pessoas passaram a depender exclusivamente de água contaminada.  

“Nações como o Paquistão, com contribuições mínimas para as emissões globais de gases para o efeito de estufa, são desproporcionalmente afetadas pelas alterações climáticas. Estas [enchentes de 2022] são um exemplo de como as consequências das alterações climáticas não são sentidas de forma igual”, afirma Ali. 

Segundo o Índice Global de Risco Climático, da União Europeia, o Paquistão emite menos de 1% dos gases que aquecem o planeta, mas é um dos que mais sofrem com as consequências das mudanças climáticas. A cidade de Lahore, no Paquistão, frequentemente figura no ranqueamento feito pelo site suiço IQAir como uma das piores qualidades do ar no mundo.

Essa desproporcionalidade levou o Fight Inequality Pakistan e o Pakistan Kissan Rabita Committee a exigir ao Fórum Econômico Mundial garantias de que os países ricos cumpram suas promessas em relação ao financiamento.  

“Este movimento é importante porque o Paquistão é um dos países mais vulneráveis às ameaças das alterações climáticas e, se as emissões globais de carbono dos principais países capitalistas do Norte Global não forem controladas, o Paquistão terá de enfrentar perdas econômicas, sociais e emocionais irreparáveis”, declara Ali.  

O ativista paquistanês afirma que a “dívida climática” é uma questão real para os países do Sul Global. “As nações desenvolvidas têm uma dívida para com as nações em desenvolvimento pelos danos históricos e atuais causados pelas suas elevadas emissões. Essa dívida pode ser resolvida através de mecanismos como o financiamento climático e a transferência de tecnologia, garantindo que o ônus da ação climática não recaia apenas sobre os menos responsáveis”, defende.  

“O Fórum de Davos reúne poderosos líderes mundiais, executivos de negócios e formuladores de políticas. Ao participar do evento, organizações como a nossa podem aumentar a conscientização sobre os impactos negativos da agricultura empresarial e pressionar por políticas que apoiem a redistribuição de terras e a agricultura sustentável”, conclui o ativista.

Edição: Leandro Melito