O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, reconheceu em entrevista ao Brasil de Fato que a comida no país está cara. Prometeu recuperar os estoques de alimentos da estatal para equilibrar o mercado em períodos de secas ou inundações, mas descartou medidas drásticas para baratear a comida, como a importação de alimentos.
A recuperação dos estoques é uma promessa de Pretto desde que ele assumiu a Conab, em 2023, no início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não aconteceu ainda, segundo ele, pois a produção de alimentos no país diminuiu devido ao desincentivo governamental e por conta de normas que ele pretende rever.
“O arroz e o feijão perderam terra. Não tem produto para a gente fazer estoque”, disse ele. “A gente só pode comprar quando o preço desses produtos está abaixo do preço mínimo. Estamos revisando essa norma”.
Lula cobrou membros do seu governo pelo barateamento da comida. Em reunião ministerial na segunda-feira (21), ele disse: “É uma tarefa nossa garantir que o alimento chegue na mesa do povo trabalhador, da dona de casa, do povo brasileiro, em condições compatíveis com o salário”.
Pretto disse que a Conab está comprometida com isso. Adiantou ao BdF que a Conab coordena um estudo sobre um programa de distribuição de alimentos para pequenos negócios da periferia de cidades, inspirado no Farmácia Popular.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Brasil de Fato: Após a posse do presidente Lula, a Conab prometeu restabelecer os estoques públicos de alimentos. As estatísticas da própria Conab mostram que isso ainda não aconteceu. Por quê?
Edegar Pretto: A grande questão é que, nos últimos anos, houve um abandono das políticas para a agricultura familiar. Muitos pequenos agricultores, que têm por característica produzir de uma forma diversificada, mesmo assentados da reforma agrária, passaram a arrendar ou vender seus lotes para se viabilizarem economicamente. Entrou a produção da monocultura para exportação, a soja. O arroz e o feijão perderam terra. Não tem produto para a gente fazer estoque. A gente só pode comprar quando o preço desses produtos está abaixo do preço mínimo, que garante basicamente o custo de produção. Teve menos produtos para o nosso consumo interno, o preço também sempre foi alto. Ficou muito difícil fazer estoque.
O que o governo tem feito para contornar isso?
O governo disponibilizou R$ 1 bilhão para fazermos contratos de opção de venda de arroz. O produtor pode produzir, que ele vai ganhar dinheiro. Nós colocamos nesses contratos uma margem 20% a mais do preço mínimo. É vantajoso economicamente e abrimos a possibilidade de contratar. Na hora da venda, se o preço estiver acima da margem de 20%, o produtor pode vender no mercado. É só uma opção. Mas nós conseguimos contratar 91 mil toneladas de arroz. Não é muito, mas começamos a fazer um estoque. Por conta disso, pela primeira vez após anos, teremos aumento da área de feijão e arroz, o que vai aumentar a produção. Vamos colher 12 milhões de toneladas de arroz. Ano passado, foram 10,5 milhões.
Então teremos o que o presidente está chamando de “ano da colheita”. Além disso, já começamos a repor o estoque de milho. Compramos 361 mil toneladas, especialmente no Centro-Oeste, quando o preço baixo para o agricultor. Levamos esse milho para o Nordeste e vendemos para lá na seca. Agora, conseguimos R$ 400 milhões para comprar trigo, que também baixou. Políticas públicas fizeram com que a lavoura de comida aumentasse. Daqui a pouco, dará para sentir a diferença.
Como a falta dos estoques contribuiu para uma alta de 7,96% do preço dos alimentos em 2024? Se tivéssemos estoques, a alta seria diferente?
Sem dúvida nenhuma. Eu citei para você o exemplo do milho. Compramos a saca por R$ 40 no Centro-Oeste. Vendemos por R$ 60 no Nordeste, mesmo com todo custo logístico para levar até lá. Mas o preço lá estava R$ 80, R$ 90. Então, além de você vender um produto mais barato, você também faz um equilíbrio de preço no mercado. Quando um vendedor potente que tem produto em estoque entra, a gente equilibra o preço. O exemplo do milho serve para o arroz, o feijão, a farinha e outros itens.
A Conab tem toda estrutura para equilibrar o mercado?
O governo passado fechou 27 estruturas de armazenamento, mas a Conab ainda tem 64. O governo passado fechou com 30% da nossa capacidade de armazenagem. Mas estamos contratando de terceiros e organizando uma rede. Já temos 14 unidades armazenadoras de terceiros contratadas. Temos R$ 70 milhões no orçamento de 2025 disponibilizados para reformar os nossos armazéns, então vamos ficar com uma capacidade estática de armazenamento muito potente. Até porque queremos aproveitar essa grande safra do ano, a volta da produção de alimentos, para poder fazer um estoque mais robusto e fazer esse equilíbrio de preços.
Há metas para o tamanho dos estoques? O governo tem uma previsão de chegar ao final de 2025 com determinada quantidade armazenada de arroz, feijão, etc?
Estamos revisando nosso marco legal. Hoje, nós só podemos comprar quando o preço de mercado está abaixo do preço mínimo já que a gente não pode tomar uma medida intervenção pública no mercado. Outra questão: se o preço do arroz está alto e a Conab entra comprando, inflaciona mais ainda. Agora, no caso do arroz, que o governo avaliou que é um produto estratégico para soberania alimentar, nós criamos uma margem de 20% acima do preço mínimo. Estamos então fazendo essa revisão das normas para ver quais produtos precisam mesmo ser baratos para a população. Faremos uma proposta para podermos fazer essas compras. Assim, teremos capacidade de comprar mais. Já há uma determinação política do governo e do presidente para garantirmos comida boa e barata para a população.
A ideia é mudar a regra do preço mínimo? Comprar produtos essenciais acima do custo de produção para recompor estoques?
Primeiro, vamos apresentar para o governo a lista de produtos mais básicos. Há um levantamento e um banco de dados riquíssimo no Ministério do Desenvolvimento Social. O programa Alimenta Cidades já destacou as cidades onde há "vazios" de alimentos, onde a comida está mais cara, onde é mais difícil chegar o alimento. Em cima desses locais, levando em conta os hábitos alimentares de cada região, nós precisamos estabelecer o que é esse básico, quais são os produtos que queremos e devemos garantir com preço mais acessível. Para produtos estratégicos, a gente pode fazer uma modalidade semelhante à usada no milho.
O presidente cobrou ministros sobre o preço da comida. Se isso realmente importa, o governo não deveria tomar medidas extraordinárias para baixar o preço? A importação de alimentos ou mesmo a taxação da exportação de alguns produtos estão em estudo?
Não tem nenhuma intervenção drástica sendo pensada. Mas nós temos mecanismos, tem possibilidades. A primeira coisa é ter comida, ter disponibilidade de alimentos.
A produção de alimentos no país é feita principalmente pela agricultura familiar. Mas o Plano Safra ainda beneficia mais a agricultura para exportação. Há uma queixa de movimentos populares sobre atrasos na reforma agrária, que também poderia contribuir com a produção de comida. Por que isso não avança?
Voltou a avançar. Obviamente que não na velocidade da necessidade, mas precisamos reconhecer que há avanços. O governo também compreende as queixas, mas nós vivemos um aperto orçamentário. Gostaríamos de ter mais recursos, mas é o que nós estamos perseguindo. A reestruturação da Conab já é um avanço importante. Obviamente que pela necessidade que se tem, esse vazio que ficou ao longo de quatro anos. De seis ou sete anos, na verdade. Isso não se faz tudo numa hora só. Estamos avançando, mas nós reconhecemos que precisamos avançar com mais rapidez.
Dá para esperar um alimento mais barato considerando a alta do dólar? O cenário para 2025 é melhor do que o do ano passado?
A variável que você cita é verdadeira. Tivemos uma grande produção de proteína [carnes], mas vamos ser novamente recordistas de exportação porque o câmbio está favorável para isso. Assim como o agricultor, antes de plantar, faz cálculos sobre o que dá mais lucro, ele se dedica à exportação quando o dólar favorece. Cabe a nós garantir pelo menos os alimentos básicos com preços mais justos aos consumidores. A Conab está pronta para dar mais velocidade a essas políticas. Há uma decisão política do governo. Vamos avançar com mais velocidade no próximo período.
Edição: Nathallia Fonseca